sexta-feira, 30 de abril de 2010

Alice no País das Maravilhas – Tim Burton

Alice-In-Wonderland-Theatrical-Poster Quando assistimos um filme feito por um grande cineasta, geralmente temos a idéia de que ele deu um toque especial para a estória. Neste caso presenciamos o contrário. Nunca um conto clássico esteve em tão boas mãos quanto Alice no País das Maravilhas. Se tem um cineasta que se encaixa exatamente no “estilo” deste “Conto Sem Fadas”, esse alguém é Tim Burton.

Esta versão de Alice no País das Maravilhas não nos da a clareza necessária de afirmarmos ser a melhor, muito menos a pior de todas já antes produzidas. O mesmo vale para a filmografia interessante e criativa de Tim Burton. Este está longe de ser o seu melhor, muito menos pior filme. A parceria de Burton e Johnny Depp já é conhecida por todos os 6 longas anteriores. Depp fazendo o “Chapeleiro Maluco” trás o habitual carisma e a corriqueira excentricidade que vem colecionando papeis após papeis.

Voltando a produção notamos que a estória de Alice é sim propícia para o tão febril estilo 3D do momento. É uma estória cheia de extravagancias, cenários adequados para serem explorados com a profundidade que o 3D nos proporciona. Sendo sincero, não assisti esta película em uma sala com esta tecnologia, porém é possível ficar imaginando os momentos de foco primário, quando por várias vezes os objetos no primeiro plano ganham uma atenção especial. O diretor Tim Burton já deu várias declarações de que este seria seu maior desafio, pois trabalhar com poucos elementos reais nos sets e muitos virtuais seria complicado para ele. Estamos falando de um dos melhores diretores no momento, principalmente no quesito criatividade visual, Tim Burton consegue abrir o livro e nos levar até o “País das Maravilhas”.

No enredo temos a estória praticamente de sempre, apesar de Alice estar “voltando” ao País das Maravilhas, ela passa por praticamente todos os passos que uma vez já passara quando menor. Chegando na protagonista temos uma Alice pouco conhecida. Muitos que assistiram a interpretação “pálida”, quase literalmente, achou que Alice poderia ser mais emotiva e o que se viu foi uma atuação passiva. Ao meu ver a escolha de Burton por uma Alice “discreta” foi acertada, já que certos papéis muito clássicos tendem a perder a força quando competem com um rosto estelar hollywoodiano. Não é amor a primeira vista, a princípio senti algumas dúvidas nesta Alice, porém depois vi que a atuação foi na medida certa.

Juntando um elenco excelente, um diretor criativo e competente, elementos técnicos afiados e o que se tem é uma expectativa acima da média. Isso tudo existe no filme, porém é a essência do conto que não colabora. Alice no País das Maravilhas é uma estória que foge do que estamos acostumados, porém por vezes foge de mais. As vezes temos a sensação de que metáforas foram plantadas a força e não brotadas naturalmente. Alice vale a pena ser conferida, porém não é uma daquelas estórias que saímos embriagados de felicidade quando termina. Esta Alice tem o seu valor, não mais do que isto.

Marcelo Lobo

Ficha Técnica

Título Original: (Alice in Wonderland)

Lançamento: 05 de Março, 2010.

Produção:  Richard D. Zanuck, Joe Roth, Suzanne Todd, Jennifer Todd.

Direção: Tim Burton

Roteiro: Linda Woolverton, Lewis Carroll (Livro)

Atores: Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway, Stephen Fry, Crispin Glover,Michael Sheen.

País: EUA.

Língua: Inglês.

Duração: 108 min.

Gênero: Aventura, Fantasia.

Trailer

O Atalante


O Atalante (L'Atlante)
França - 1934
Direção: Jean Vigo
O Atalante é considerado por muitos críticos como a obra-prima de Jean Vigo( cineasta francês que morreu aos 29 anos), que tem uma filmografia breve, com destaque para O Atalante e Zero de Conduta.
O filme conta a história do casal Jean (Jean Dasté) e Juliette (Dita Parlo), que após se casarem, passam a lua de mel em um navio, cujo capitão é Père Jules (Michel Simom). O marido, um amante do mar, não vê problemas em passar semanas dentro do navio, mas Juliette começa a ficar entediada e resolve fugir do navio por algumas horas para passar uma noite em Paris. Jean fica desapontado com a esposa e foge junto com Père Jules. É nesse momento que o filme faz justiça às críticas positivas que recebeu durante tantos anos.
O casal Jean e Juliette é um dos mais intensos da história do cinema. A atuação de Dasté e Parlo é tão real que parece que, de fato, eles são marido e mulher fora das telas. Em uma das principais e mais elogiadas cenas do filme, o casal está separado (ela em Paris e ele no navio), mas se imaginam um do lado do outro, em um ato de amor. Graças ao recurso da montagem, o espectador percebe a ligação existente entre o casal.
Mas o destaque da atuação também vai para Père Jules (Michel Simon). Em O Atalante, ele interpreta um personagem que é aquele tipo de pessoa que todos queríamos ter ao lado: engraçado, otimista e com ótimas estórias para contar. Alguns críticos dizem que Père Jules é a materialização do personagem surrealista de Jean Vigo. A parte técnica do filme também merece menção. Jean Vigo consegue transmitir uma atmosfera específica para o espectador na hora que usa uma iluminação fantasmagórica fora do navio e cria um cenário exótico dentro do barco. Um lugar cheio de gatos, bagunçado e até com aspecto de sujo é o local onde o casal passa a lua de mel. E a ligação dos dois é tão grande que toda a precariedade do lugar não parece afetar Juliette.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Alexander Névsky

Técnicas Atemporais

Pouco antes do advento da II Guerra Mundial e em meio a crescente ameaça de invasão por parte da Alemanha nazista de Hitler, o governo soviético, na figura de seu ditador Joseph Stalin, conclamou, outra vez, Sergei Eisenstein a criar uma obra cinematográfica marcada, como suas anteriores, por forte apelo popular e nacionalista.
Em alusão ao período histórico vivido, Eisenstein filmou a história do príncipe Alexander Névsky, responsável, durante o século XVIII, pelo comando das forças camponesas na batalha contra os invasores germânicos que - assim como aconteceria séculos depois em Stalingrado - foram derrotados e expulsos das terras russas.
Alexander Névsky, neste sentido, sintetiza como o patrocínio estatal na carreira de S. Eisenstein colaborou tanto para o seu ápice (como no caso de O Encouraçado Potenkim) quanto para o seu declínio (vide a censura imposta pelo governo sobre Ivan, o Terrível, o que impediu durante anos a finalização da obra), eis que a produção teve seu lançamento nos cinemas prejudicado em virtude da assinatura, em 1939, do tratado de não-agressão firmado entre Alemanha e União Soviética, de forma que sua exibição só fora ocorrer em todo o território soviético no ano de 1941, quando Hitler, em descumprimento aos termos do acordo, invadiu a U.R.S.S.
Numa análise da durabilidade ideológica da obra enquanto instrumento do cinema político soviético, não há como deixar de reconhecer que o filme se tornou deveras datado, eis que seu ufanismo exacerbado acaba por contrastar sobremaneira com guerras como as atuais cujos heróis e vilões são de tão difícil distinção.
Entretanto, nem só de ideologia nacionalista era composto o cinema de Eisenstein, tanto que atinda hoje as inovações técnicas que incorporou à linguagem cinematográfica são reverenciadas. Neste diapasão, o cineasta aproveitou o fato da obra em comento ser seu primeiro trabalho sonorizado para – de uma forma incomum para a época – fazer amplo uso da trilha sonora com a sincronização de sons e imagens.
A montagem, por sua vez, recebeu, como de praxe, uma dedicação especial do diretor que, como em produções anteriores, manejou abundantes fades e cortes secos alternadores de planos gerais, médios e closes, garantindo ao filme, assim, um maior dinamismo de seu ritmo.
Dentro deste contexto, todo o frescor das técnicas de Eisenstein desemboca, no caso de Alexander Névsky, na longa cena da batalha travada entre russos e alemães, momento esse em que é impossível deixar de perceber como a obra do cineasta serve mesmo hoje de referência para produções atuais; afinal, como não lembrar, por exemplo, de 300 (Zack Snyder, 2007) ao assistir esse filme de 1938?
É a arte em estado bruto de um criador cujas técnicas ultrapassam barreiras temporais.

Dario Façanha Neto
(texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

COTAÇÃO:
☼☼☼☼

Ficha Técnica
Duração: 112 minutos

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Julianne

(1)
Mesmo em meio a toda uma crise de qualidade, o cinemão hollywoodiano vez por outra apresenta novas gratas surpresas. Neste sentido, de certo uma das mais satisfatórias revelações destes tempos fora a atriz Julianne Moore que, como a maioria de seus colegas, iniciou a carreira com aparições em obras descartáveis – como Assassinos e Nove Meses – capazes de esconder seu talento e até mesmo sua beleza ruiva.
Foi necessário, então, o semi-estreante diretor Paul Thomas Anderson escalar a atriz para um dos principais papeis de Boogie Nights para que Julianne revelasse ao mundo seus dons na pele de uma atriz viciada em drogas em meio ao apogeu e declínio da indústria do cinema pornográfico norte-americano.
A partir de então Julianne Moore se esmerou em personagens cada vez mais densos, como foi o caso de suas participações em Fim de Caso e Magnólia - no qual mais uma vez esteve sob a batuta de P.T. Anderson –; porém, talvez o ano mais importante de sua carreira tenha sido o de 2003, dada sua presença nos igualmente belos As Horas e Longe do Paraíso.
Nestes dois dramas a atriz rouba a cena em interpretações que se completam. Suas personagens são típicas donas de casa dos anos 50 que aparentemente teriam tudo para serem felizes, não fosse a fragilidade e superficialidade do american way of life que rege seus pequenos mundos.
Através da leitura de Mrs. Dalloway, sua melancólica personagem de As Horas compreende a vida infeliz e medíocre que passara a ter, surgindo-lhe, assim, uma desesperadora necessidade de escape, materializada seja pela tentativa de suicídio seja pelo abandono do lar e da família.
No outro extremo, em Longe do Paraíso a atriz vive a mulher com casamento, lar e filhos perfeitos que vê ruir sua felicidade plena ao flagrar a bissexualidade do marido. Neste caso, tem-se um exemplo de produção tecnicamente perfeita, com roteiro, direção, fotografia e elenco impecáveis, contudo, ainda assim, o destaque é todo de Julianne Moore a qual, por mais injusto que possa parecer, carrega a filme nas costas - até mesmo porque de muito depende de sua atuação todo o desenvolvimento do mesmo.
Em ambos os trabalhos a atriz entrega interpretações contidas que em momento algum desandam para o caricato nem apelam a maneirismos. Com a devida sutileza Julianne apresenta as inegáveis semelhanças de suas personagens - já que as mesmas são seres, acima de tudo verossímeis -, mas também jamais as deixa se confundirem, o que as permite serem enxergadas tão longe tão perto uma da outra em virtude do talento de quem lhes encarna.
As Horas e Longe do Paraíso são, portanto, obras a serem preferencialmente degustadas em conjunto para assim ser possível conhecer as muitas mulheres de Julianne.
Vale citar que, no mesmo ano de 2003, a atriz fora indicada ao Oscar por esses dois trabalhos, sendo, entretanto, ignorada em ambas as indicações. Mas, de que isso importa? Afinal, “as personagens de Julianne Moore são inesquecíveis porque ela também o é”.[2]
Dario Façanha Neto


[1] Revisão do texto “A Diva Julianne Moore” originalmente publicado em 15.09.2003 no periódico Comunicado impresso pela Universidade da Amazônia – UNAMA.
[2] Revista Set.

COTAÇÕES:
Longe do Paraíso - ☼☼☼☼☼ As Horas - ☼☼☼☼

Ficha Técnica - Longe do Paraíso
Título Original: Far from Heaven
Direção e Roteiro: Todd Haynes
Elenco: Kyle Timothy Smith (Kyle Smith), Julianne Moore (Cathy Whitaker)Dennis Quaid (Frank Whitaker)Dennis Haysbert (Raymond Deagan)Patricia Clarkson (Eleanor Fine),Celia Weston (Mona Lauder),C.C. Loveheart (Marlene),Jordan Puryear (Sarah Deagan),Pamela Evans (Kitty)Barbara Garrick (Doreen)Bette Henritze (Mrs. Leacock),Gregory Marlow (Reginald Carter)J.B. Adams (Morris Farnsworth)Viola Davis (Sybil)Mylika Davis (Esther),Olivia Birkelund (Nancy),Lindsay Andretta (Janice Whitaker),Duane McLaughlin (Jake),Stevie Ray Dallimore (Dick Dawson),Kevin Carrigan (Soda Jerk),James Rebhorn (Dr. Bowman),Ted Neustadt (Ron)Lance Olds (Bail Clerk)Ryan Ward (David Whitaker)
Estreia: 22 de Novembro de 2002
Duração: 95 minutos

Ficha Técnica – As Horas

Título Original: The Hours
Direção: Stephen Daldry
Produtores: Robert Fox, Scott Rudin
Elenco: Nicole Kidman (Virginia Woolf)Julianne Moore (Laura Brown)Meryl Streep (Clarissa Vaughan)Stephen Dillane (Leonard Woolf)Miranda Richardson (Vanessa Bell)Linda Bassett (Nelly Boxall)Lyndsey Marshal (Lottie Hope)Sophie Wyburd (Angelica Bell)Charley Ramm (Julian Bell)George Loftus (Quentin Bell)Christian Coulson (Ralph Partridge)Michael Culkin (Doctor)John C. Reilly (Dan Brown)Jack Rovello (Richie Brown)Toni Collette (Kitty)
Estreia: 28 de Fevereiro de 2003
Duração: 114 minutos

terça-feira, 27 de abril de 2010

Yojimbo



Yojimbo (Yojimbo)

Japão - 1961

Direção: Akira Kurosawa

Yojimbo tem todos os elementos para ser um faroeste americano; mas não é. O filme vai além disso, é um bang-bang do melhor estilo e japonês. Os elementos técnicos como fotografia e trilha sonora são destaques, assim como a atuação de Toshiro Mifune (que já havia trabalhado com Kurosawa várias vezes). Yojimbo é um dos melhores filmes de Kurosawa e inspirou obras primas como Por Um Punhado de Dólares (de Sérgio Leone) e Kill Bill (de Quentin Tarantino).

Sanujuro (Toshiro Mifune) é um samurai desempregado que chega a uma cidade à procura de emprego. Lá ele descobre que o poder está nas mãos de dois irmãos rivais. Logo ele oferece seus serviços aos dois. Mas quando eles descobrem a esperteza do Samurai, ele começa a sofrer graves consequências.

A adaptação de faroeste de Kurosawa apresenta vários elementos clássicos do bang-bang: trilha sonora marcante, o uso de armas (que neste caso são as espadas), cidades quase fantasmas, entre outros.

Os filmes de Kurosawa sempre são marcados por uma fotografia belíssima. E neste caso não é diferente. O modo como Kazuo Miyagawa, diretor de fotografia, escolhe para enquadar as cenas é característico de Kurosawa. Em um dos momentos do filme, Sanjuro está avisando um dos irmãos sobre a possibilidade de um ataquele. Ele está sentado ao pé da escada e o irmão em um dos degraus mais acima. Cada passo desesperado que o irmão dá, uma parte da trilha sonora é tocada. Percebe-se a harmonia perfeita entre fotografia e trilha sonora.

Yojimbo foi uma obra tão marcante que influenciou várias gerações do cinema: Por Um Punhado de Dólares (de Sergio Leone, primeiro filme da trilogia do "homem sem nome"), é praticamente uma refilmagem de Yojimbo, alterando apenas alguns detalhes. Já Kill Bill usa a luta de espadas como principal acessório das lutas entre os personagens. Vale a pena assistir o filme de Leone para perceber as semelhanças entre as duas produções.

Carolina Klautau

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O Código Tarantino

Saborosa Metalinguagem

Para deleite de qualquer simpatizante da sétima arte, a metalinguagem volta e meia rende saborosos frutos a serem degustados. Desde clássicos como Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, EUA, 1950), até obras mais contemporâneas como Rebobine, Por Favor (Be Kind, Rewind, EUA, 2008), o cinema falando de si próprio se mostra como algo deveras interessante e, por que não (?), divertido.
O Código Tarantino se insere no contexto abordado ao apresentar uma simples conversa de mesa de bar, cujo assunto gira em torno dos trabalhos daquele cineasta. Ocorre que, por ir muito além da obviedade, o bate-papo, na verdade, nada tem de simplório, afinal, o que se desenrola na tela é a revelação de uma não imaginada ligação entre os filmes dirigidos e/ou roteirizados pelo diretor.
À moda de Quentin Tarantino, este curta-metragem brasileiro é deliciosamente verborrágico, valendo-se para tanto das descoladas interpretações de Seu Jorge e Selton Mello os quais, na pele de amigos imbuídos de certa alma nerd, desfilam suas teorias e opiniões sobre o cinema tarantiniano.
Pop, ágil, cômico e envolvente, assim é O Código Tarantino, mas, ora, os filmes dele também não o são?

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

COTAÇÃO: ****

Ficha Técnica
Direção: 300 ML
Elenco: Selton Mello e Seu Jorge
Duração: 14 minutos


Segue abaixo o link para visualização do filme.

http://www.youtube.com/watch?v=op4byt-DtsI

domingo, 25 de abril de 2010

O Desinformante

o-desinformante-poster O filme O Desinformante, baseado no livro de Kurt Eichenwald, retrata uma estória real de um mentiroso vice presidente de uma companhia norte-americana enganando a todos que se relaciona. Does seus próprios pais ao FBI. Mark Whitacre (Damon) aborda o FBI para revelar o envolvimento de executivos da empresa em que trabalha, incluindo ele próprio, com encontros com empresas rivais sobre os ajustes dos preços de um determinado aminoácido (Lysine) utilizado na produção dos produtos de sua empresa Archer Daniels Midland. Whitacre então concorda em participar na investigação federal com a intenção de supostamente cooperar buscando informações valiosas.

Merecemos chamar a atenção para a atuação memorável de Matt Damon, que constrói uma personalidade singular em cada personagem que aborda. Damon com este papel chegou a ser indicado ao Globo de Ouro deste ano (2010) e demonstra uma carreira já bem versátil e ainda bastante promissora. A tarefa de representar um mentiroso não é fácil. No caso deste filme o personagem de Damon é, não só um mentiroso, como um mestre da manipulação. Ele acredita e se envolve nas mentiras que cria de tal maneira que seria difícil alcançar um nível de originalidade que Damon trouce para a estória.

A direção de Steven Soderbergh ( Che Partes 1 e 2 e Confissões de uma Mente Perigosa) trás um poder visual importante para a película. A acertada escolha por filtros por vezes amarelados e um brilho especial em exagero tornam a fotografia bastante original. Vale também chamar a atenção para a audácia de montar um filme com um roteiro adaptado (de Scott Z. Burns)  bastante complexo. E foi aí que Soberbergh e Burns caíram em uma zona perigosa. O filme em si tem uma idéia simples, porém parece que o fato do personagem contar muitas mentiras e confundir a todos, por alguns momentos nós também temos a sensação de que estamos confusos, mais pela direção - e é aí que entra a crítica ao trabalho de Soberbergh - que a estória toma, do que pela idéia geral.

O Desinformante, em geral é interessante para vermos aonde uma mente que mente pode chegar. Para conferirmos uma boa atuação de Matt Damon. Uma identidade visual interessante e uma direção de Soberbergh, que apesar de já ter feito muitas coisas melhores para o cinema, não chega a desagradar.

por Marcelo Lobo.

Ficha Técnica

Título Original: (The Informant)

Lançamento: 18 de Setembro, 2009.

Produção:  Gregory Jacobs, Jennifer Fox, Michael Jaffe, Howard Braunstein, Kurt Eichenwald.

Direção: Steven Soderbergh

Roteiro: Scott Z. Burns, Kurt Eichenwald (Livro)

Atores: Matt Damon, Scott Bakula, Joel McHale, Melanie Lynskey.

País: EUA.

Língua: Inglês.

Duração: 119 min.

Gênero: Comédia(Humor Negro).

Trailer

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Substitutos

Ostracismo Futurista

Munidos de justificativas como a diminuição da violência, a devolução da capacidade locomotora a paralíticos, bem como a pura e simples possibilidade de rejuvenescimento e/ou embelezamento, homens e mulheres praticamente não saem mais às ruas, preferindo, assim, comandar, do “conforto” de suas casas, as sexies versões robóticas de suas personas.
Partindo desta premissa, Substitutos (EUA, 2009) adapta a graphic-novel de Robert Venditti para contar uma nova história de embate entre Davi e Golias, o que desta vez é feito sob a ótica de uma ficção científica que, mesmo sofrendo visíveis tropeços – Bruce Willis com seus maneirismos é um deles –, se revela hábil a, em meio a tiros e explosões, levantar curiosas discussões éticas acerca do ostracismo deliberadamente adotado pelos seres humanos após a admitida assunção, por máquinas, de seus deveres profissionais e de suas relações sócio-afetivas. (1)
Neste passo, ainda que lamentavelmente o potencial desses dilemas não seja explorado em sua plenitude, a mera citação desses elementos, se não garante o nascimento de um novo Blade Runner, inegavelmente descaracteriza o longa-metragem como a aventura descerebrada que ameaçava ser, premiando-lhe, ao fim, com um agradável quê de surpresa.

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(1) Dada a similitude funcional existente entre os avatares da obra dirigida por James Cameron e os robôs substitutos da produção em comento, é possível imaginar o grande filme que aquele primeiro poderia ter sido caso dispusesse de uma dramaturgia menos rasa e não fosse tão arduamente empenhado em ser mera arte do espetáculo em versão natureba-infanto-juvenil.

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

COTAÇÃO: ☼☼☼

Ficha Técnica
Título Original: Surrogates
Direção: Jonathan Mostow
Estreia: 24 de Setembro de 2009
Duração: 94 minutos

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Manhattan




Manhattan (Manhattan)
Estados Unidos - 1979
Direção: Woody Allen

Manhattan é a definitiva declaração de amor de Woody Allen por Nova York (porém longe de ser a última). É neste filme que ele exalta a cidade de Manhattan como sua alegria diária, como um de seus maiores amores. E realiza essa declaração optando por usar o preto e branco e uma fotografia brilhante!
Logo no começo do filme, ele tenta de várias formas demonstrar tudo aquilo que sente pela cidade, usando como a frase inicial do livro que seu personagem, Isaac Davis, está escrevendo.
Isaac é a consolidação dos personagens neuróticos de Woody Allen. Ele é um judeu de 42 anos, tem uma namorada de 17, que não ama, uma ex-esposa lésbica que está escrevendo um livro falando do fracasso de seu casamento e se vê completamente apaixonado pela amante de seu melhor amigo. Sua namorada é Tracy (Mariel Hemingway), a ex-esposa é Jill (Meryl Streep) e a amante é Mary (Diane Keaton).
Manhattan é um filme cheio de afirmações: como já foi dito antes, da paixão por Nova York e da neurose de seus personagens. Mas afirmou-se também a enorme química existente entre ele e Diane Keaton, a parceria entre fotógrafos, roteiristas, produtores etc.
Há também uma característica que se tornou marca registrada dos filmes de Woody Allen: a referência a escritores, filósofos, músicos e cineastas. A partir de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, parece que não há quase nenhum filme que o diretor não faça referência à artistas que admira. Em Manhattan, por exemplo, ele cita Kafka, Ingmar Bergman, Groucho Marx, entre outros.





Carolina Klautau

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nome Próprio

A minha dor em eterna exposição

A letra: “Ainda sinto por dentro toda dor dessa ferida/Mas o pior é pensar que isso um dia vai cicatrizar/Eu queria manter cada corte em carne viva/A minha dor em eterna exposição/E sair nos jornais e na televisão/Só pra te enlouquecer até você me pedir perdão”.
A música: 50 Receitas de Roberto Frejat e Leoni.

De forma desproposital, Frejat e Leoni - expoentes do movimento BRock dos anos 80 - revelam em versos contemporâneos aspectos atinentes as diferenças comportamentais de gerações que se sucedem. Enquanto para eles a concretização máxima da exposição de uma dor se daria, por exemplo, através de transmissão televisiva ou publicidade jornalística, os adolescentes e recém-adultos de hoje dispensam meios de tão difícil acesso para dar manchete a suas neuroses e problemas íntimos.
O motivo: as múltiplas redes sociais espalhadas pela Internet. Orkut, facebook, twitter, messenger, fotologs e blogs se mostram, assim, como ferramentas práticas o suficiente para a apresentação de angústias próprias e alheias.
Desse modo, muitos passaram a se contentar e a enxergar a mera exposição virtual de seus sentimentos e de seus corpos como verdadeira solução para eventuais ou habituais problemas. A família, o sexo, o trabalho, o amor, tudo agora pode e merece ser objeto de domínio público, num processo de letargia aliciador tanto de quem produz quanto de quem consume, eis que os eventos mais banais do dia-a-dia são capazes de sair do plano da privacidade para, ato contínuo, despertar um inútil interesse em quem quer que seja.
Ocorre que, por certo, o cotidiano de cada um é marcado por minutos, horas e até dias caracterizados por um vazio, por uma ausência de novidades, de tragédias e de felicidades. Por isso, na falta do que ser exposto, apela-se ao nada em detrimento do raciocínio e do pensamento.
Nome Próprio (Brasil, 2008) tateia o assunto ao contar a história da blogueira Camila (alter-ego da escritora gaúcha Clarah Averbuck), uma mulher na faixa etária dos vinte anos que se porta como verdadeira bomba-relógio em seu constante flerte com a decadência.
Em resposta a sua inércia quanto a busca de soluções garantidoras de uma maior qualidade de vida ,Camila aplaca todo e qualquer mal que lhe aflige em urgentes postagens de blog que não aguardam crises de choro nem de vômito.
Neste contexto, rompimentos de relacionamentos, trocas de farpas e demais desabafos virtuais passam a ocupar a escrita da protagonista e a estimular sua sede pelo declínio, eis que, em seu pensar, o livro que tanto almeja escrever requer para sua narrativa a manutenção de sua vida em estado de aceleração máxima ao invés da sustentação de uma velocidade de cruzeiro tediosa.
Captando esse espírito intrépido e ao mesmo tempo melancólico de sua personagem, Leandra Leal entrega uma atuação visceral, como poucas vezes visto no cinema nacional, deixando de lado qualquer pudor ou inibição capazes de limitar a personificação das nuances de seu papel.
Por sua vez, Murilo Salles, diretor da produção, faz uso de uma fotografia intrusa capaz de retirar o espectador de sua zona de conforto para jogá-lo - através da captação de closes e de imagens em primeiro plano - de encontro a crueza que permeia as cenas do filme.
Assim, apesar de situado tão perto dos personagens, o público fica, de igual forma, afastado dos mesmos, dado o exercício de neutralidade nitidamente trabalhado pelo cineasta supracitado; afinal, su
a perícia na condução da platéia não é atrelada a qualquer insinuação opinativa, ficando para a audiência, desta feita, toda e qualquer emissão de juízo de valor acerca do que é apresentado, o que – mesmo na presença de uma atriz em estado de graça e da perspicaz utilização de recursos técnicos e cenográficos – não impede o despertar de uma contraditória e incômoda falta de empatia pela protagonista da trama, dada a questionabilidade de seu temperamento perante a ausência de motivos concretos para atos que, de tão extremos, são incapazes de serem justificados apenas por seu abstrato anseio de produção literária.
Eis uma obra de corpo escultural, mas desprovida de carisma. Um filme imperfeito como Camila, as redes sociais, as gerações e a vida também são.

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

COTAÇÃO: ***

Ficha Técnica
Direção: Murilo Salles
Elenco: Leandra Leal (Camila)Luciana Brites (Aurora)Paulo Vasconcelos (Charles) Gustavo Machado (Daniel)Munir Kanaan (Márcio)Ricardo Garcia (Rodrigo) Alex Disdier (Henri) David Cejkinski (Guilherme)Juliano Cazarré (Felipe) Frank Borges (Leo)Martha Nowill (Mari)
Estreia: 18 de Julho de 2008
Duração: 120 minutos

Festim Diabólico




Festim Diabólico (Rope)
Estados Unidos - 1948
Direção: Alfred Hitchcock

Festim Diabólico é uma aula de como fazer cinema: da iluminação até a direção do filme, tudo é feito com maestria por Alfred Hitchcock. Do ponto de vista técnico, ele realiza um dos maiores sonhos de alguns cineastas: fazer um filme como uma peça de teatro, usando apenas planos-sequências (técnica usada por diretores que não usa cortes, as cenas são filmadas como sequências ininterruptas. E do ponto de vista mais emocional, ele obteve uma interpretação fantástica de James Stuart e o roteiro enigmático.
O filme conta a estória de um assassinato que dois amigos de colégio realizam só para provar que são capazes de cometer um crime perfeito. Os amigos são Brandon Shaw (John Dall) e Philip Morgan (Farley Granger), na verdade supõem-se que eles sejam um casal homossexual, e a vítima é David Kentley (Dick Hogan).Apesar de que Philip age muito mais influenciado por Brandon do que por vontade própria. Após o crime, eles escondem o corpo do antigo amigo de escola em um baú e resolvem dar uma festa para mostrar como são inteligentes e competentes. O jantar é servido em cima do baú com o corpo de David. Os dois só não contavam com a perspicácia de seu antigo professor Rupert Cadell (James Stuart).
No desenrolar dos fatos, o professor vai ficando desconfiado da ausência de David, que supostamente deveria estar na festa, e começa a interpretar sinais que os dois amigos fornecem; um, por ser seguro demais, e o outro, por ser apavorado demais.
Outra prova da maestria do diretor é o modo que ele consegue direcionar a atenção do espectador. Em uma das cenas mais tensas do filme, há um diálogo ao fundo, mas a concentração de quem assiste ao filme fica centrada apenas da imagem, sem nem notar no que as pessoas estão conversando.
Festim Diabólico também é um filme extremamente ideológico. A teoria do personagem de James Stuart é que os seres superiores deveriam matar os inferiores para "purificar" a sociedade. Tendo em vista que o filme foi filmado em 1948, 4 anos após o fim da 2º Guerra Mundial e na iminência do começo da Guerra Fria, a ideia do professor é uma mensagem direta para a sociedade mundial.
Filme ideológico, filmado com a perfeição de uma orquestra, com atuações inesquecíveis, um roteiro de deixar qualquer espectador extremamente apreensivo e usando a subjetividade para expressar os pontos de vista do diretor foram os ingredientes que Hitchcock usou para produzir essa obra prima do cinema.


Carolina Klautau

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Tesouro de Sierra Madre




O Tesouro de Sierra Madre (The Treasure of the Sierra Madre)
Estados Unidos - 1948
Direção: John Huston

Dois aventureiros contratados por um empresário desonesto juntam-se a um velho explorador de minas, que lhes convence a subir as montanhas do México em busca de ouro. Os três vão juntos nessa aventura que promete muitas surpresas.
Os dois aventureiros são Humphrey Bogart (Dobbs), Walter Huston (pai do diretor, que interpreta o velho Howard) e Tim Holt (Curtin).
O filme é baseado no livro homônimo de Berwick Traven Torsvan e faz um fina crítica ao capitalismo, mostrando a ganância dos personagens, a forma como se enganam para conseguir o ouro e as desconfianças que vão surgindo ao longo da aventura; por isso o autor do livro teve receios na adaptação de John Huston para o cinema.
Um dos maiores prazeres do filme é assistir Humphrey Bogart, que sempre é muito elegante em seus papéis, transformando-se em um ser decadente na busca busca do ouro. Seu personagem, Dobbs, é, de longe, o mais fanático por dinheiro, o mais desconfiado e o mais ambicioso.
Durante esse filme, perde-se a imagem do fino Rick Blane (de Casablanca) e somos deparados com uma pessoa paranóica, suja e desesperada. A atuação de Bogart é uma das melhores do filme, ao lado de Walter Huston.
John Huston e Humphrey Bogart já haviam trabalhado juntos no noir: O Falcão Maltês (1941), que, curiosamente, também abordava a ganância como elemento principal da trama.
Outro aspecto muito interessante do filme é a forma como a personalidade dos personagens são construídas e logo depois desconstruídas. Enquanto Dobbs representa o homem chegando ao "fundo do poço" e o velho Howard é a personificação da experiência, Holt simboliza a crença de Huston no caráter dos homens.
Apesar de ter momentos brilhantes, O Tesouro de Sierra Madre também tem momentos em que o espectador não consegue acompanhar a trama por ser lenta ou então prolongada sem necessidade.

O Tesouro de Sierra Madre foi premiado no Oscar de 1949 nas categorias:
Melhor Ator Coadjuvante - Walter Huston
Melhor Diretor - John Huston





Carolina Klautau

sábado, 17 de abril de 2010

Os Brutos Também Amam



As Esporas de Jack Palance

A cena: de um lado lama, do outro a aridez do velho oeste. De um lado o pistoleiro contratado para matar, do outro o colono que tenta defender suas terras.
Na tentativa de ser superior à lama, o pistoleiro Wilson, magistralmente interpretado por Jack Palance, caminha sobre a fachada de um saloon aguardando enquanto Frank Torrey, o colono, hesitante, tenta atravessar o lamaçal.
Sua dificuldade em vencer as poças de lama revela naquele instante a incompatibilidade dos personagens, afinal aquele senhor, ex-combatente da guerra civil americana, que agora labuta em seu pedaço de terra nada teria de equivalência nem de inferioridade comparado ao jovem pistoleiro frio e calculista.
Contudo, como a lei que fala mais alto é a das armas e da violência, quem acaba por ficar em posição superior para o início de um duelo é o bandido que, do alto da fachada daquele saloon, desfere um disparo certeiro no peito do colono o qual, por sua vez, termina sua vida desabado sobre a lama.
O filme: Os Brutos Também Amam (Shane, 1953) de George Stevens.
Mas, afinal, onde entram as tais esporas?
Como cinema nem sempre é só imagem, outro recurso é manejado com perfeição para atribuir ainda mais tensão à cena descrita. O som.
Enquanto Jack Palance caminha minutos antes do início daquele arremedo de duelo escutamos o tilintar de suas esporas se sobrepor a todos os demais barulhos.
São passos lentos, calmos, mas que passam ao espectador todo tipo de possibilidade.
Assim, tem-se a infeliz superioridade do pistoleiro Wilson demonstrada numa inteligente fusão de imagem, som e, por fim, interpretação, afinal, o simples sorriso estampado no rosto de Palance é o bastante para sugerir todo o prazer de matar nutrido por seu personagem.
A conclusão: não obstante a excelência como um todo que um filme possa ter, por vezes uma única cena é capaz de mostrar o quão rica em símbolos e detalhes uma tomada cinematográfica pode ser, bem como o quanto, na condição de arte coletiva de técnicas e de profissionais, o cinema pode dar ao público experiências inesquecíveis.
Por isso, Os Brutos Também Amam ostenta um merecido status icônico, afinal, como esquecer as esporas de Palance? Ou como deixar de lembrar-se do cachorro que sai com o rabo entre as pernas toda vez que surge em sua frente o pistoleiro mal encarado? É difícil, muito difícil...

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

COTAÇÃO: *****


Ficha Técnica
Título Original: Shane
Direção: George Stevens
Elenco:Douglas Spencer (Axel 'Swede' Shipstead)John Dierkes (Morgan Ryker)Alan LaddBen (I) Johnson (Chris Calloway)Van Heflin (Joe Starrett)Chester W. Hannan (Ryker man)Emile Meyer (Rufus Ryker)Paul McVey (Sam Grafton)Martin Mason (Ed Howells)John (XX) Miller (Will Atkey, bartender)Clayton Moore (Ryker)Jack Palance (Walter Jack Palance)Helen Brown (Martha Lewis)Jean Arthur (Marian Starrett)Leonard Strong (Ernie Wright)Elisha Cook Jr. (Frank 'Stonewall' Torrey)Brandon De Wilde (Joey Starrett)Charles Quirk (Clerk)Nancy Kulp (Mrs. Howells)Edith Evanson (Mrs. Shipstead)Ellen Corby (Mrs. Liz Torrey)Janice Carroll (Susan Lewis)Beverly Washburn (Ruth Lewis))Edgar Buchanan (Fred Lewis) (Shane)


quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Temática do Isolamento


A temática do isolamento como fomento aos mais diversos instintos primitivos de sobrevivência já fora por alguma vezes abordada tanto pelo cinema quanto pela literatura.
No início da década de 60, por exemplo, Luis Buñuel incomodou a muitos ao filmar um roteiro de sua lavra chamado O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, México, 1962), cuja trama retrata um jantar da alta burguesia marcado pelo fato dos convidados não conseguirem se retirar da festa por qualquer razão que desconhecem nem conseguem entender, o que culmina em dias de isolamento nos quais as convenções, as etiquetas vão pouco a pouco sendo postas de lado em favor do desespero, da fome e do individualismo.
Utilizando o tradicional viés surrealista que marcaria sua carreira, Buñuel aproveita para, com maestria, explorar os meandros da hipocrisia humana e, por tabela, lançar suas tradicionais “tijoladas” contra a burguesia – centrada exclusivamente em seus interesses particulares – e contra a Igreja católica, dada – no entender do cineasta – sua confortável passividade perante os problemas sociais criados pelo homem e em decorrência da fragilidade de seus dogmas e de suas simbologias perante situações de crise extrema.
Já no ano de 2008 os cinemas brasileiros receberam duas outras produções cinematográficas que voltaram a abordar o assunto: Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness) de Fernando Meirelles e O Nevoeiro (The Mist) de Frank Darabont.
O primeiro exemplo, como sabido, envolve a adaptação da obra literária de José Saramago, cuja história envolve a autêntica viagem ao inferno a qual moradores de uma cidade são submetidos após um surto de cegueira. Isolados em quarentena os protagonistas do enredo testemunham o afloramento da podridão do comportamento humano – sobretudo, por exemplo, nas pessoas que já eram cegas, dada sua natural capacidade de adaptação, o que lhes concede inevitável vantagem sobre os demais.
Assim, enquanto convivem em meio a seus próprios excrementos, os homens não se furtam a tirar proveito da fome alheia nem a praticar todo tipo de violência sexual contra as mulheres.
De modo semelhante ao adotado por Buñuel em sua obra supracitada, Saramago não se preocupa em dar motivos ao surgimento da peste branca, preferindo se concentrar nas conseqüências do isolamento, o que, sob sua batuta, dispensa a ótica do surreal, dada a plausibilidade da degradação do comportamento humano, o que acaba por dispensar metáforas e/ou alusões religiosas, afinal, na concepção do autor português, o inferno literalmente são os outros.
Talvez por exigência comercial, a adaptação cinematográfica Blindness infelizmente se revela um tanto quanto contida nas cenas de violência e de escatologia, quando, na verdade, este é o tipo de filme que exigia cenas cruas e explícitas – ao estilo de Park Chan-Wook – capazes de passar ao espectador o grau de baixeza ao qual o homem é capaz de chegar. Por conta disso, a produção terminou ficando aquém da qualidade do livro, cuja retratação daquilo que chamamos de trevas permanece inigualável.
Por fim, O Nevoeiro adapta com ousadia o conto homônimo de Stephen King presente na compilação Tripulação de Esqueletos, isso porque, apesar de lançar mão da fantasia para justificar o isolamento de suas personagens, o roteiro explora com enorme eficácia, por exemplo, a questão do fanatismo religioso como forma de manipulação das massas.
Neste sentido, The Mist pode até ser um filme de monstros, contudo, seu final antológico, infeliz, melancólico e diverso ao da obra literária vai de encontro a qualquer padrão formulaico de Hollywood, deixando bem claro, assim, que seu aspecto fantasioso não passa de mero pretexto para o levantamento de discussões éticas e morais bem mais profundas.
Embora não sejam exemplos exclusivos de abordagem pela arte acerca do isolamento e suas conseqüências, as três obras analisadas, mesmo dispensando complementações umas para com as outras, oferecem, através da mescla do surrealismo, da fantasia e do realismo por si só, uma visão abrangente e analítica sobre diversos aspectos de um mesmo tema.
Não é à toa o cinema ser considerado a arte mais completa de todas.


COTAÇÕES:
O ANJO EXTERMINADOR - *****
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA - ***
O NEVOEIRO - ****

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

Fichas Técnicas
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness)
Roteiro: Don McKellar
Elenco: Julianne Moore (Esposa do médico)Martha Burns (Mulher com insônia)Yoshino Kimura (Esposa do primeiro cego)Mark Ruffalo (Médico)Alice Braga (Garota com óculos escuros)Yusuke Iseya (Primeiro homem cego), Scott Anderson (Presidiário obediente)Gael García Bernal (Vigilante)Danny Lebern Glover (Velho com o tapa-olho/Narrador)Don McKellar (Ladrão)Maury Chaykin (Contador)Mitchell Nye (Garoto estrábico)Joe Cobden (Policial)
Estreia: 12 de Setembro de 2008
Duração: 120 minutos

O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, Espanha, 1962)
Direção e Roteiro: Luis Buñuel
Elenco: José Baviera (Leandro Gomez)Augusto Benedico (Carlos Conde; Doctor)Enrique Rambal (Edmundo Nobile)Claudio Brook (Julio, Mayordomo; Steward)Antonio Bravo (Sergio Russell)Jacqueline Andere (Alicia de Roc)César del Campo (Alvaro, Coronel; Colonel)Rosa Elena Durgel (Silvia)Lucy Gallardo (Lucía de Nobile)Enrique García Álvarez (Alberto Roc)Ofelia Guilmáin (Juana Avila)Nadia Haro Oliva (Ana Maynar)Tito Junco (Raúl)Silvia Pinal (Leticia 'La Valkiria')Xavier Loya (Francisco Avila)
Duração: 95 minutos

O Nevoeiro (The Mist, EUA , 2007)
Direção e Roteiro: Frank Darabont
Elenco: Thomas Jane, Marcia Gay Harden, Laurie Holden, Andre Braugher, Toby Jones, William Sadler, Nathan Gamble
Duração: 126 min.