segunda-feira, 20 de junho de 2011

Meia-Noite Em Paris


   A sinopse do último filme de Woody Allen “Meia-Noite Em Paris” (Midnight in Paris, 2011), não deixa pista alguma a cerca da bela surpresa que nos espera. Com uma extensa carreira, de mais de quarenta anos e uma dinâmica produção, com lançamentos anuais, o próprio Woody Allen diz não se considerar um artista, pois afirma não ter a profundidade e a substância requeridas, principalmente se seu trabalho for comparado com nomes como Bergman, Fellini, Buñuel ou Kurosawa, por exemplo. Mas afirma saber fazer filmes, sendo que alguns deles saem bons, outros saem melhores e alguns piores, e quando o assunto é a longevidade de sua carreira, afirma apenas ter sorte.

   “Meia-Noite Em Paris” nos conquista mesmo antes dos cinco minutos de projeção, mostrando uma Paris encantadora seja sob sol, chuva ou ao cair da noite, acompanhada ainda de uma trilha sonora tipicamente parisiense. E como se ainda fosse possível, o filme só cresce e nos envolve de maneira que os cem minutos de duração do longa, passam de maneira tão agradável que deixam um gostinho de quero mais. E aos amantes de arte em geral, sobretudo cinema e literatura, fica a certeza da competência de Woody Allen, ao escrever e dirigir um filme encantador e cheio de surpresas, que só nos deixa mais ansiosos para as cenas que se seguem.
     O longa nos apresenta a Gil Pender, vivido por Owen Wilson, ator pouco celebrado pelos fãs de Woody Allen, mesmo com sua já fidelizada parceria com o diretor Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums; O Fantástico Senhor Raposo), um dos grandes nomes do cinema atual norte-americano. Em “Meia-Noite Em Paris”, Owen Wilson tem a responsabilidade de desenvolver o já consagrado personagem dos filmes de Woody Allen, antes interpretado pelo próprio. E Owen Wilson não decepciona e nos coloca diante do escritor frustrado - porém mais contido, pouco tagarela - fascinado pela cidade de Paris, sobretudo quando chove, para desgosto de sua noiva Inez (Rachel McAdams) que de maneira alguma pensa em deixa Nova York para viver em Paris, como deseja Gil.
     Após uma longa seqüência de cortes que nos permitem passear por lugares encantadores da cidade de Paris, Woody Allen nos coloca diante da paisagem retratada nas deslumbrantes pinturas de Monet e Gil visita ainda por duas vezes a escultura em bronze “O Pensador” de Rodin. Talvez por se identificar com uma das esculturas mais famosas do mundo, que pretende retratar um homem em meditação que luta contra uma poderosa força interna. E como em um conto de fadas as avessas, após a meia-noite, Gil pode reviver a Paris da década de 1920, encontrando figuras as quais admira como os escritores Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e sua esposa Zelda Fitzgerald, o músico Cole Porter, os surrealistas Salvador Dalí, Luis Buñuel e Man Ray, o pintor Pablo Picasso e sua musa e amante Adriana (Marion Cotillard), ex-amante dos pintores Modgliani e Braque, diga-se de passagem.
    Gil logo se vê encantado pela bela Adriana e busca formas de conquistá-la. Adriana por sua vez, é fascinada pela Belle Epóque, e quando ambos retornam para 1890, encontrando figuras como Toulouse Lautrec, Adriana se vê tão encantada de maneira a decidir que ali deseja permanecer. Todo deslumbre anterior é questionado a partir da bela constatação sobre a insatisfação das pessoas, sobretudo os jovens, com sua própria geração. E em meio à moda vintage, retrô, kitsch... mas também de maneira bastante otimista, Woody Allen mais uma vez nos faz refletir sobre nós mesmos. Com uma fotografia deslumbrante, uma trilha sonora impecável, como já é de praxe na rica filmografia de Woody Allen, e um elenco afiado e completamente entrosado, Woody Allen nos permite sonhar e a desejar infinitamente uma meia-noite em Paris como as de Gil Pender, mas também nos faz reconhecer que a realidade pode ser igualmente maravilhosa.


Salma Nogueira.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Os Nomes do Amor

A Politização da Comédia Romântica

Imagine uma comédia romântica que reúne assuntos díspares como anti-semitismo, pedofilia, gripe aviária, xenofobia, obsolescência tecnológica, eleições presidenciais, guerras e política de imigração. Pouco provável? Pois essa é justamente a proeza que o cineasta Michel Leclerc alcança em Os Nomes do Amor (França, 2010).
Lançando mão de um tom leve e alto-astral, Leclerc conta a improvável história de amor vivida entre os antagônicos Arthur Martin e Bahia (não, o nome não é brasileiro), sem se privar de levantar assuntos mais sérios que, felizmente, são apresentados com naturalidade suficiente para evitar que a obra adote qualquer ar sisudo.
Para tanto, o diretor se vale de um inteligente trabalho de edição amparado por sacadas inteligentes como os monólogos dos protagonistas perante a câmera/espectador, bem como as interações entre as versões adultas e mirins/adolescentes dos mesmos personagens, concedendo ao filme, desta feita, um frescor que lhe faz driblar a mesmice típica do gênero.
Neste sentido, colabora também para o satisfatório resultado final do longa-metragem a gostosa química entre os atores Jacques Gamblin e Sara Forestier - com especial destaque para esta última que, de maneira desinibida, encarna com alegria uma personagem adepta, literalmente, do lema “faça amor, não faça guerra”.
Eis, portanto, uma produção que graças a seu humor ácido diverte e, pasmem, enseja reflexões. Recomendadíssimo!  
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO: ۞۞۞

FICHA TÉCNICA
Título original: Le Nom des Gens
Direção: Michel Leclerc
Roteiro: Michel Leclerc, Baya Kasmi
Produção: Caroline Adrian, Fabrice Goldstein e Antoine Rein
Elenco: Jacques Gamblin (Arthur Martin)Adrien Stoclet (Arthur Martin adolescent)Camille Gigot (Arthur Martin enfant )Laura Genovino (Bahia Benmahmoud enfant )Rose Marit (Annette enfant)Youari Kime (Mohamed Benmahmoud enfant)Yann Goven (pianista)Sara Forestier (Bahia Benmahmoud)Zinedine Soualem (Mohamed Benhmamoud)Carole Franck (Cécile Delivet Benmahmoud) Jacques Boudet (Lucien Martin) Michèle Moretti (Annette Martin)Zakariya Gouram (Hassan Hassini )Julia Vaidis-Bogard (Annette à 30 ans)Nabil Massad (Nassim)
Música: Jérôme Bensoussan e David Everte
Fotografia: Vincent Mathias
Edição: Nathalie Hubert
Estreia no Brasil: 10 de Junho de 2011
Duração: 102 min.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Copacabana/Sem Pé Nem Cabeça

Isabelle Huppert em Copacabana, Sem Pé Nem Cabeça!!!

 

Na  minha humilde  opinião, considero Isabelle Huppert talvez  a melhor atriz do cinema francês da atualidade (pelo menos das que eu conheço atuando no cinema francófono), pois ela  ainda consegue surpreender-me em suas atuações  geniais. Desde que a vi pela primeira vez em “MADAME  BOVARY” de 1991, e “MULHERES DIABÓLICAS” (La Céremonie, 1995) ambos de Claude Chabrol, e o instigante “A PROFESSORA DE PIANO” (La Pianiste, 2001) de Michael Haneke,  qualquer  filme que tivesse  Isabelle Huppert  no elenco  - fosse como protagonista ou coadjuvante  -  já chamava atenção e era sinônimo de bom filme.
Na  Mostra deste ano  ela aparece em duas produções francesas (sensacionais pra variar!), “COPACABANA” e “SEM PÉ NEM CABEÇA”, o primeiro uma comédia  e o segundo um drama.
No comédia - com pitadas de drama - ela é Babou, uma mulher cinqüentona e divorciada que vive a vida livre de qualquer convenção  ou  regra social e que está  momentaneamente  desempregada. Seu estilo de vida transgressor e criativo gerou uma relação de conflitos  e  indiferença com a filha Esméralda (Lolita Chammah) que decide casar-se e não convida  a mãe por vergonha. A partir de então, Babou decide sair em busca de mudanças para tentar reconciliação com a filha. Ela aceita o desafio de trabalhar numa espécie de resort em um  balneário na Bélgica para ganhar dinheiro, refazer sua vida, conquistar  o respeito da filha e concretizar o sonho de viajar para o Rio de Janeiro, em especial Copacabana.
Babou é a personificação da liberdade e carrega consigo todas as qualidades, virtudes e defeitos de um ser humano. É o tipo de personagem que reúne tantos elementos, tantas facetas que é inevitável não nos identificarmos com pelo menos um deles ou todos! É uma personagem humana ao extremo, apesar de suas idiossincrasias. Daí a dificuldade de uma relação estável no âmbito social ou afetivo e até familiar. Portanto, o enfoque do filme está nesta difícil relação entre mãe e filha que vai se harmonizando à medida que Babou consegue primeiro ‘’arrumar a sua própria casa  para depois arrumar a dos outros”.
O roteiro é pródigo em mostrar situações de conflitos nas relações interpessoais e o aprendizado de Babou e,  por tabela, nosso também,  chega a soluções surpreendentes.
Com uma estrutura que  pode, à primeira vista, lembrar uma comédia ao estilo comum e previsível do cinema americano, “COPACABANA” tem o diferencial no modo como trata do delicado tema do desmembramento da  família que pode ocorrer tanto pela  formação de outros núcleos, como pela morte ou outras vias naturais.
Texto inteligente, equilíbrio entre drama e comédia, um humor refinado, mas nem por isso difícil de entender,  “COPACABANA” ainda conta com um trilha sonora recheada de música brasileira principalmente bossa nova.
No drama - com pitadas de comédia – ela é Alice Bergerac, uma mulher culta formada em Artes que  largou o magistério e passa a  ganhar a vida como prostituta de luxo atendendo aos mais  diversos tipos de clientes que por sua vez manifestam o desejo de realizar as mais inimagináveis fantasias.  Até que um dia Alice confronta-se com seus medos e incertezas depois de um cliente ameaçá-la. Ela decide procurar um psicólogo.
O filme mostra duas personagens que estão à deriva e frustrados com a vida que levam. O psicólogo Xavier Demestre (Bouli Lanners) é a demonstração maior da aflição e desespero diante da falta de respostas e incapacidade em tratar de assuntos da alma - dos quais ele deveria estar apto a responder e indicar caminhos. Esta situação pontua como o  maior paradoxo do filme, despertando em nós medos e dúvidas sobre a figura deste profissional.  A cena em que a prostituta Alice passa de profissional do sexo para a posição de terapeuta do terapeuta é de despertar risos nervosos,  pois sinaliza que os conflitos pessoais e as questões da alma não respeitam  nem  mesmo quem leu ou conhece toda obra de Freud, Jung et alli.
As personagens desta história convergem numa teia invisível de cooperação que chega a ser  praticamente uma terapia de grupo às avessas, pois os principais personagens se ajudam sem saber.
Estes dois filmes são, por assim dizer, grandes ensaios sobre as relações humanas com a impecável  atuação de Isabelle Huppert.

"COPACABANA" (Idem) França - 2010  Direção: Marc Fitoussi

"SEM PÉ NEM CABEÇA" (Sans Queue ni Tête) frança - 2010  Direção: Jeanne Labrune

Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Fitzcarraldo

Uma Megalomaníaca Declaração de Amor

Conforme esclarece o glossário do livro ... Ismos – Para entender o Cinema, mise-em-scéne é “a composição e a colocação de elementos dentro de um enquadramento individual”¹. Tal conceito, portanto, se funde a noção de decupagem, considerando que esta constitui a etapa da produção na qual são determinados os planos, o quê e de que forma será registrado pela câmera².
Isto posto, a compreensão das referidas técnica e nomenclatura se mostra fundamental para a melhor absorção e análise de Fitzcarraldo (Alemanha Ocidental/Peru, 1982), afinal é justamente através do requinte com que compõe as tomadas – auxiliado, é claro, por seu diretor de fotografia e colaborador habitual Thomas Mauch – que Werner Herzog demonstra que o controle sobre a obra jamais escapara de suas mãos – não obstante o caos que imperava nas gravações, em plena mata, do processo de transporte de uma embarcação de 160 toneladas por sobre uma montanha.
Sim, pessoas morreram durante as filmagens – que, vale frisar, não possuem qualquer retoque ou ajuda do hoje rotineiro chroma key³ – doenças e deslizamentos de lama impunham interrupções e atrasos nas filmagens, índios se ofereciam para dar cabo do endiabrado Klaus Kinski, recursos financeiros passaram a ter de ser levantados pelo próprio diretor, entre diversos outros problemas. Todavia, ainda que a beira de um colapso, Herzog conseguiu manter pulso firme não permitindo, assim, que tantos reveses falassem mais alto que a qualidade deste trabalho cuja natureza épica-obsessiva-megalomaníaca se confunde com o próprio calvário do protagonista, daí, tal qual o amor de Fitzcarraldo pela ópera, o cineasta lograr o êxito de superar todo e qualquer desafio para, ato contínuo, entregar uma declaração de amor a arte e, em especial, ao cinema.
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1.    BERGAN, Ronald. ... Ismos – Para entender o Cinema. São Paulo: Globo, 2010. p. 146.
2.    Para Noel Burch o filme deve ser entendido como uma série de fatias de espaço (o enquadramento de cada plano, fixo ou em movimento) e de tempo (a duração de cada plano), daí poder ser construído um significado cumulativo para a noção de decupagem que, dessa forma, há de ser compreendida como: (a) a planificação por escrito de cada cena do filme, com indicações técnicas detalhadas; (b) o conjunto de escolhas feitas pelo realizador quando da filmagem, envolvendo planos e possíveis cortes; (c) a feitura mais íntima da obra acabada, resultante da convergência das decupagens sobre as fatias de tempo e de espaço. Neste sentido, BURCH, Noël. Práxis do Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1969.
3.    Técnica de processamento de imagens voltada a eliminar o fundo de uma cena para isolar os personagens ou objetos de interesse que posteriormente são combinados com outro cenário.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO۞۞۞۞۞

Ficha técnica
Direção e Roteiro: Werner Herzog
Produção: Werner Herzog e Lucki Stipetic
Elenco: Klaus Kinski, Claudia Cardinale, José Lewgoy, Miguel Ángel Fuentes, Grande Otelo, Milton Nascimento
Fotografia: Thomas Mauch
Música: Popol Vuh
Duração: 157 minutos