domingo, 30 de maio de 2010

Rashomon


Moderno e Atual

Em Rashomon Akira Kurosawa filma a história de um triângulo amoroso envolto em intrigas e assassinato; crime esse cujas reconstituições são apresentadas mediante quatro diferentes óticas.

Graças ao esmero da montagem - que lida habilmente com as idas e vindas no tempo -, ao tom enérgico da trilha sonora e a beleza de uma fotografia composta por inteligentes enquadramentos, a obra logra êxito em expor versões de um mesmo ato que, em sendo obviamente díspares, não inspiram a menor confiança, dado o tom lisonjeiro com que cada locutor manifesta opinião a seu respeito.

Desta feita, atuando em causa própria cada personagem tenta se sobrepor aos demais explorando aquilo que para eles são suas virtudes, tornando, assim, uma triste utopia a busca pela verdade absoluta.

Neste diapasão, um elenco primoroso defende com afinco as vicissitudes de cada papel, destacando-se nesse meio o criminoso impiedoso interpretado por um Toshiro Mifune com ares esquizofrênicos.

Outrossim, embora trate de aspectos maquiavélicos da natureza humana, Kurosawa produz, através do emblemático epílogo, uma ode a redenção e a renovação da esperança, numa clara manifestação de desprezo ao egoísmo alimentado por tantos.

Por isso, é na força de sua narrativa que, apesar de produzido há 60 anos atrás, Rashomon se firma como um trabalho cinematográfico incrivelmente moderno no que tange sua linguagem técnica e infelizmente atual no que concerne a sua temática, daí não ser à toa a obra servir de “inspiração” até hoje para tantas outras produções.¹

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¹. Como, por exemplo, é o caso do mais recente Ponto de Vista (Vantage Point, EUA, 2009).


Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO: ۞۞۞۞

Ficha Técnica

Direção:Akira Kurosawa

Roteiro: Akira Kurosawa, Kazuo Miyagawa, Ryunosuke Akutagawa, Shinobu Hashimoto

Elenco: Kichijiro Ueda, Fumiko Honma, Machiko Kyô, Minoru Chiaki, Takashi Shimura, Daisuke Katô, Toshirô Mifune, Masayuki Mori

Duração: 89 minutos

sábado, 29 de maio de 2010

Cinema Paradiso




Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso)
Itália - 1988
Direção: Giuseppe Tornatore

As lembranças da infância de Salvatore di Vita (Jacques Perrin) vem à tona quando ele recebe um telefone de sua mãe dizendo que Alfredo (Philippe Noiret) está morto. Quando criança, Salvatore era conhecido como Totó (Salvatore Cascio) e tinha como melhor amigo o projecionista do cinema Paradiso, o então falecido Alfredo.

Giuseppe Tornatore escolheu contar o filme através de flashbacks (cenas do passado, alternada com cenas do presente), o que parece ter sido, sem dúvida, a melhor maneira de contar a trajetória de vida de Totó e o que o cinema representava em sua vida quando criança. Para quem é apaixonado por filmes, Cinema Paradiso é um prato cheio para emocionar e ter uma ideia do que significava assistir filmes e se encontrar em uma sala de projeção décadas atrás.

Cinema Paradiso é ambientado logo após a Segunda Guerra Mundial, portanto, antes da chegada da televisão. Por não ter outra forma de conhecer outras culturas e saber o que acontecia no mundo através de imagens, o povo daquela pequena cidade italiana fazia do encontro no Cinema Paradiso um evento social. Lá as pessoas se reuniam para namorar, encontrar prostitutas, juntar a família, dormir, ver as estrelas dos filmes e mostrar que possuiam status. É curioso ver a separação por nível social do cinema: os ricos ficavam em lugares acima dos pobres, sem precisar se misturar com a maioria da população.

Apesar de Cinema Paradiso retratar a vida de Salvatore, parece que Tornatore faz a sua declaração de amor ao cinema, fazendo referência aos filmes que mais marcaram sua vida. Fica transparente que Totó é a personificação do amor do diretor pelo mundo do cinema. E qualquer pessoa que se identifique com todo esse sentimento vai se emocionar enormemente com os rumos que esse roteiro tomou.

Este é um daqueles filmes inesquecíveis por três aspectos principais: a delicadeza de Tonatore de tratar o cinema e a amizade sem precedentes de Totó e Alfredo; mais do que amigos, eles desenvolvem uma verdadeira relação de pai e filho e a belíssima atuação desses dois atores: Salvatore Cascio e Philippe Noiret. Totó é a criança que todo mundo gostaria de ter por perto e Alfredo aquele amigo que, assim como Totó, faríamos de tudo para preservar ao lado.

Com certeza Cinema Paradiso é um filme OBRIGATÓRIO e INESQUECÍVEL na vida de qualquer pessoa; sendo apaixonada por cinema ou não.

Carolina Klautau

terça-feira, 25 de maio de 2010

O Evangelho Segundo São Mateus



O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo)
Itália - 1964
Direção: Pier Paolo Pasolini

Na hora de escolher a abordagem que iria usar em O Evangelho Segundo São Mateus, Pasolini tinha duas opções: fazer uma leitura pessoal sobre a vida de Jesus Cristo ou procurar algum fato extraordinário sobre sua vida, mas que nunca tivesse sido aproveitado pelo cinema. Então, o diretor optou por seguir fielmente as escrituras bíblicas do Evangelho de São Mateus, o que entre as duas opções, o encaixa na primeira alternativa.

O Evangelho não apresenta nenhuma grande novidade sobre a vida de Jesus Cristo; o que torna o filme realmente diferente é o modo como Pasolini cria Jesus Cristo: ele consegue aproximar o maior ícone de todos os tempos da plateia, permite que Cristo seja um homem, não um santo (como é abordado em dezenas de filmes), mostrando-o, várias vezes, em momentos de impaciência.

Além da humanização de Jesus, Pasolini também dirigiu seu filme como se estivesse escrevendo uma poesia, para isso ele abusa da subjetividade como elemento essencial para diferenciar sua obra. Não é preciso que os personagens façam longos discursos para o espectador entender quais são as emoções sentidas. Para conseguir "falar sem falar" ele usa incontáveis closes nos atores (o que poderia ser uma estratégia perigosa, pois a maioria dos atores não eram profissionais). Outro recurso utilizado na poesia de Pasolini é a trilha sonora; em alguns momentos é possível perceber uma trilha viva, marcante. Já em outras situações o silêncio é o principal recurso para agregar fidelidade ao filme.

O Evangelho Segundo São Mateus é a produção de um diretor homossexual, contestador, marxista e ateu. Ou seja, tinha tudo para ser uma leitura extremamente pessoal e crítica do catolicismo. Mas, Pasolini preferiu usar o Evangelho como base para filmar uma verdadeira poesia.


Carolina Klautau

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Robin Hood

Produto Aborrecido

Determinados a apresentar às platéias dos anos 2000 uma versão adulta e séria sobre a lenda de Robin Hood, Ridley Scott e Russel Crowe mergulharam nos aspectos político-econômicos da Inglaterra do século XII para, assim, indicar o contexto histórico no qual surgiu o herói de arco e flecha.
O problema é que tanto esforço em distanciar este Robin Hood de suas demais versões cinematográficas acaba por gerar um produto aborrecido, sem emoção nem brio, dada a falta de equilíbrio entre seus lados paradidático e folhetinesco.
Neste sentido, a produção amarra sem muita sutileza sonolentas aulas de história inglesa a uma mezo história de amor que a ninguém convence, graças a interpretações no piloto automático de Russel Crowe e Cate Blanchett.

Sim, existem cenas de ação para atrapalhar o cochilo do espectador, mas, por surgirem de forma tão deslocada e se desenvolverem com tanta rapidez, não logram êxito em atrair a simpatia da audiência, que se mantém, desta feita, saturada com o ar modorrento da obra.¹
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1. Por isso tudo, o arco e flecha de ouro permanecem com Robin e Marian, filme de 1976 dirigido por Richard Lester, cujo roteiro apresenta um Robin Hood (Sean Connery) envelhecido e cansado de suas desventuras que, ao voltar do exílio, tem de lidar com seus antigos algozes, bem como retomar sua relação com Lady Marian (Audrey Hepburn).

Dario Façanha Neto
(texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)
COTAÇÃO: ***
Ficha Técnica
Direção: Ridley Scott
Elenco: Mark Strong (Sir Godfrey)Cate Blanchett (Marian)Russell Crowe (Robin Hood)William Hurt (William Marshall)Scott Grimes (Will Scarlet)Kevin Durand (Little John)Oscar Isaac (Rei João)Vanessa Redgrave (Eleanor of Aquitaine) Matthew Macfadyen (Xerife de Nottingham)Bronson Webb (Jimoen)
Estreia: 14 de Maio de 2010
Duração: 148 minutos

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ao Lado da Pianista

O Valor da Simplicidade

Simples e eficiente. Eis as qualidades de Ao Lado da Pianista. Ao tratar da vingança em seu enredo, o longa do diretor Denis Dercourt dispensa arroubos estilísticos para centrar a tensão da trama em sutilezas advindas de gestos e olhares.
Para tanto, o filme conta com um elenco extremamente competente, no qual se mostra imperioso destacar a presença de Déborah François que, com uma atuação não menos que brilhante, extrai da introspecção a profundidade de sua vingativa personagem, num processo lento e gradual de revelação de facetas que emulam ares ora de Lolita ora de femme fatale sem que isso implique na banalização do papel.
Longe de qualquer preocupação ou pretensão inovadora, como sugerido acima, a obra em comento brinca com os elementos do gênero para, dentro dessa proposta, apresentar vertentes que acabam por diferenciá-la das demais, o que é conseguido com folga graças a um roteiro que recusa concessões a fórmulas prontas, deixando o espectador, por conseguinte, em crescente expectativa acerca dos rumos a serem tomados pelos planos revanchistas da protagonista.
Neste passo, a música acompanha com maestria a evolução de um suspense acima de tudo psicológico; afinal, os raros toques trocados entre as personagens expressam, na verdade, um carinho deveras ambíguo que nada tem a ver com a violência física que, via de regra, permeia enredos de temática semelhante.
Ao Lado da Pianista, um filme para ser degustado sem pressa, tal qual o tradicional prato que se come frio.
Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)
COTAÇÃO: ****
Ficha Técnica
Título Original: La Torneuse de Pages
Direção: Denis Dercourt
Elenco: Jacques Bonnaffé (Monsieur Prouvost) Clotilde Mollet (Virginie) Caroline Mathieu (Lawyer) Catherine Frot (Ariane Fouchécourt) Déborah François (Mélanie Prouvost)Michèle Ernou (Monique)Martine Chevallier (Jackie Onfray)Christine Citti (Madame Prouvost) Antoine Martynciow (Tristan Fouchécourt)André Marcon (Werker)Pascal Greggory (Jean Fouchécourt)Xavier De Guillebon (Laurent)Julie Richalet (Mélanie Prouvost enfant)
Duração: 85 minutos
Curiosidade:
Além de diretor, Denis Dercourt é também músico erudito e professor do Conservatório Nacional de Strasburgo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Juiz Priest

Juiz Priest (Judge Priest)
Estados Unidos - 1934
Direção: John Ford

A trama de Juiz Priest é simples: um juiz tenta proteger as minorias de uma pequena cidade no sul dos Estados Unidos. Apesar da simplicidade, não é o enredo em si o que realmente importa para o diretor John Ford; mas sim o modo como o juiz se comporta e seus valores. Priest (Will Rogers) é uma autoridade incomum: na sua concepção o pobre é inocente e o rico é o culpado.

John Ford abusa de sentimentalismos para construir a personalidade do juiz: Priest e os habitantes de sua cidade convivem harmoniosamente com os negros, se tornando até cúmplices algumas vezes, e dá um certo poder de manipulação para o juiz; um dos principais componentes de sua personalidade e, com certeza, uma inovação para época.

Todos esses artifícios são usados pelo diretor para exaltar os sulistas; tendo em vista que John Ford localiza o filme logo após a Guerra de Secessão, que teve os nortistas como vencedores. Essa exaltação é estampada nos discursos dos personagens, no modo como convivem na pequena cidade e no tema das canções apresentadas no filme.

Além do recurso musical, Ford também aposta no bom-humor dos atores. Além de Will Rogers, que está fantástico no papel de Priest, outro destaque é o comediante negro Stepin Fetchet, interpretando Jeff Poindexter, escravo do juiz. Entre eles há a melhor relação negro/senhor apresentada no filme.

Juiz Priest é um filme divertido de assistir por vários motivos: primeiramente, por deixar claro a exaltação que o diretor pretendia fazer do sul; por criar uma relação de cumplicidade entre negros e senhores e por usar como arma fundamental de atração, o bom-humor.

sábado, 15 de maio de 2010

Por Um Punhado de Dólares

Por Um Punhado de Dólares (Per un pugno di dollari)
Itália - 1964
Direção: Sergio Leone

Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito fazem parte da trilogia do Homem Sem Nome, western spagetti dirigido por Sergio Leone e com atuação de Clint Eastwood. Os western spagetti eram filmes de faroeste produzidos na Europa e que possuiam baixo orçamento. Por Um Punhado de Dólares foi o responsável por tornar o faroeste europeu conhecido internacionalmente e solidificar a carreira de Clint Eastwood e do próprio diretor, Sergio Leone.

Um pistoleiro estrangeiro (Eastwood) chega a uma pequena cidade comandada por duas famílias rivais: os Baxter e os Rojos. O forasteiro percebe que pode ganhar bastante dinheiro ao se juntar a um dos grupos nessa disputa pelo poder. O roteiro do filme não é dos mais originais, tendo em vista que Por Um Punhado de Dólares é, praticamente, uma refilmagem do japonês "Yojimbo", de Akira Kurosawa.

Apesar deste primeiro filme ser o mais fraco da trilogia, já é possível perceber os traços de Leone como diretor: os planos-sequência, o grande número de closes nos atores e objetos, o uso do silêncio como elemento tão importante quanto a trilha sonora, a excelente criação de um clima de suspense antes de começar qualquer disputa entre os personagens, entre outras características que viriam a ser marcar registrada do diretor.

Fica claro que em Por Um Punhado de Dólares, todos esses elementos estavam em uma fase "experimental", pois não são empregados com tanta maestria como nos outros filmes de Leone, inclusive nas sequências de o Homem Sem Nome.

Junto com as características do diretor, outro elemento do filme ainda precisava de lapidação: a atuação de Clint Eastwood. Parece que neste caso, ator e diretor caminharam e evoluiram juntos. No último filme da trilogia, Três Homens em Conflito, o personagem de Eastwood é completamente seguro de si, não que neste filme sua atuação não seja convincente, mas a melhora que o ator conseguiu em pouco tempo foi extremamente significativa.

Sergio Leone é um dos maiores nomes do cinema italiano. E é incrível ver como ele consegue aperfeiçoar sua estética em apenas um ano; Por Uns Dólares a Mais é um filme de 1965 e já mostra os elementos característicos do diretor bem mais desenvolvidos e seguros.

Toda pessoa que gostar de cinema, boas atuações e quiser conhecer uma fotografia e manejo de câmera bastante características de um diretor, precisa assistir toda a trilogia do Homem Sem Nome. Clint Eastwood e Sergio Leone dão a impressão de que são a dupla perfeita quando se trata de faroestes. E claro, sem contar com a sempre fabulosa trilha sonora de Ennio Morricone, que acompanha o diretor nesta trilogia e em vários outros filmes.


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Um Dia Qualquer




Um Dia Qualquer (Um Dia Qualquer)
Brasil – 1962
Direção: Líbero Luxardo

Líbero Luxardo foi o responsável pelo primeiro longa-metragem paraense e o primeiro diretor a usar atores, fotógrafos e editores locais. Porém, em 1962, ao contrário do que acontecia no Brasil, o Pará ainda era um estado bastante deficiente de recursos para realizar filmes. O país via surgindo o “Cinema Novo”, que foi sucessor das “Chanchadas”, enquanto o Pará ainda tentava realizar cinema de qualidade à duras penas.

Um Dia Qualquer é o primeiro longa-metragem autenticamente paraense e foge do tipo de cinema que estava sendo feito no Brasil. O diretor Líbero Luxardo buscou inspiração no movimento francês de cinema “Nouvelle Vague” para realizar o pioneiro longa do Pará.

O filme conta a aflição de Carlos (Hélio Castro) que perdeu sua esposa, Maria de Belém (Lenira Guimarães), devido a complicações no parto. O diretor escolheu pontos turísticos marcantes da cidade para filmar, o que mais parece uma homenagem à Belém; lembrando que Líbero Luxardo era paulista, mas chegou à Belém em 1939 e acabou se apaixonando pela cidade.

Também se percebe os costumes da década de 60 cultivados pela cidade: função da mulher na sociedade, as práticas do candomblé, o Círio, o lado profano da periferia, a prostituição como uma das profissões mais marcantes, entre outros.
Apesar da contribuição histórica que Líbero Luxardo realizou para o cinema paraense, Um Dia Qualquer não é uma experiência muito agradável. Os efeitos do baixo orçamento, a deficiência do estado para fazer cinema foi notável; existem falhas graves na montagem e na dublagem do filme, ou seja, dois dos aspectos que conferem ao cinema características únicas. Outro ponto falho são as atuações. Um caso curioso desse filme é que as atrizes disponíveis para um dos papéis se negaram a fazê-lo quando souberam que teriam que aparecer nuas. Para resolver o problema, a produção contratou uma prostituta para filmar.

Porém, nada é tão ruim que não se possa tirar proveito. Um Dia Qualquer serve para mostrar aos paraenses o tipo de cinema que era feito no estado. Já para os mais jovens, serve para expor os costumes da cidade e as diferenças culturais e físicas que Belém passou.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Homem de Ferro 2

Hype

É fato que as sequências dos filmes de super-heróis trazem em seu bojo um bônus e um ônus, quais sejam, representando o primeiro, a liberdade adquirida para contar uma história nova após o cumprimento do obrigatório relato sobre a origem do protagonista, bem como, fazendo as vezes do segundo, a necessidade de apresentação ao público de elementos novos e a mais, o que é explicado tanto pela mega exposição do filão, quanto pelas exigências de fãs de quadrinhos que, através de boca-a-boca (agora mais virtual do que presencial), contribuem de forma indiscutível para o sucesso ou fracasso comercial da produção.
Sam Raimi, por exemplo, conseguiu conter a inclusão de elementos em demasia na primeira continuação de Homem-Aranha, o que lhe permitiu concentrar-se não só no ritmo da aventura como também nas definições das personalidades dos personagens, razão pela qual obteve o êxito de gerar uma obra fiel quanto a sua gênese e primorosa no que atine a sua dramaturgia. Já em Homem-Aranha 3, suas qualidades artísticas e a calorosa recepção de platéias do mundo todo para com os filmes anteriores não foram suficientes para impedir famigeradas exigências dos produtores que obrigaram, assim, o cineasta a incluir na trama dessa última parte da trilogia um número avantajado de personagens novatos – no que fora incluso Venon, um vilão das novas gerações que por sua essência caricata fora sumariamente rejeitado pelos fãs mais antigos do aracnídeo, rol no qual se inclui o próprio Raimi – o que acabou por resultar em um filme deveras irregular, caracterizador de um final indigno à trajetória cinematográfica de Peter Parker capitaneada por aquele diretor.
Homem de Ferro 2 segue a regra do ônus e do bônus, mas, surpreendentemente, manipula tais fatores em proveito próprio com inegável competência, isso porque aproveita seu enredo para oferecer, principalmente ao público mais jovem, bem-vindas reflexões acerca das intragáveis corridas armamentistas tradicionalmente apoiadas por Estados em conluios com a iniciativa privada, estratégia essa concretizada mediante o exemplar atrelamento das cenas de ação hypadas e dos inevitáveis novos personagens a um roteiro redondo e homogêneo que, além de não deixar qualquer ponta solta, ainda planta sementes para o que virá pela frente com Os Vingadores, vide a impagável cena envolvendo o escudo do Capitão América, bem como a sequência mostrada após o término dos créditos da obra em comento – o que, aliás, revela a formação de uma curiosa característica dos filmes protagonizados pelo Iron Man.
Dentro deste contexto, novato ou veterano, cada personagem da trama ganha não só o tempo em tela milimetricamente exato – o que para alguns representa, inclusive, um “pouco” necessário – como também felizes personificações entregues pelos integrantes do elenco – exceto, é claro, por Gwyneth Paltrow, insossa como de costume – num visível comprometimento e carinho para com o material original e para com a saga que está sendo solidificada nos cinemas.
Isto posto, é extremamente prazeroso ser agraciado com cada novo trabalho de Robert Downey Jr. que, na pele de Tony Stark, esbanja carisma e confiança – tal como, ressalte-se, demonstrou em todas as demais produções em que participou desde sua vitória pessoal sobre a dependência química. Seja como um Sherlock Holmes bom de briga, seja como o ator amalucado e preconceituoso de Trovão Tropical, Downey Jr. aplica tanta naturalidade a seus papeis que em cena sequer lembramos que o artista está em um set de filmagem, visto que, na verdade, ao espectador mais parece que o artista está no quintal de sua casa brincando de interpretar – no melhor sentido do termo – tamanha sua segurança e desenvoltura no manejo de interpretações que jamais se confundem, apesar do característico tom informal e mordaz das mesmas.¹
Não fosse o bastante dispor de:
· script bem amarrado que também se permite ser cômico,
· direção esperta quanto a concatenagem das idéias apresentadas,
· trilha rockeira a pontuar as cenas com o som de bandas como AC/DC, The Clash e Beastie Boys,
· elenco engajado para com o produto,
Homem de Ferro 2 ainda presenteia os fãs do herói – principalmente no que tange sua ala masculina – com a estonteante presença de Scarlett Johansson a qual, como Viúva Negra, exala sensualidade, seja distribuindo socos e pontapés, seja dirigindo olhares sedutores a um Tony Stark que se vê obrigado a reconhecer que ninguém é de ferro. Nem ele.

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1. Sem se deixar influenciar negativamente pela pressão e expectativa de êxito comercial que acompanham seus blockbusters, Robert Downey Jr. completou uma curiosa transição do posto de ator menos confiável de Hollywood – dada suas freqüentes recaídas quando ainda era preso ao vício que lhe acometia – para a posição de artista xodó dos estúdios e cineastas, num reconhecimento de que seu nome agrega, além de padrão de qualidade, um status cool a qualquer produção.

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)

COTAÇÃO: ****

Ficha Técnica
Título Original: Iron Man 2
Direção: Jon Favreau
Produtores: Kevin Feige
Elenco: Mickey Rourke (Ivan Vanko)Scarlett Johansson (Natasha Romanoff) Robert Downey Jr. (Tony Stark)Don Cheadle (James Rhodes)Gwyneth Paltrow (Pepper Potts)Samuel L. Jackson (Nick Fury)Sam Rockwell (Justin Hammer)
Estreia: 30 de Abril de 2010
Duração: 124 minutos

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Deixa Ela Entrar

VAMPIRISMO E CINEMA SUECO ATACAM O CINEMA MORDERNO

let the ring on                   O cinema sueco tem marcado presença com suas produções mundo afora, e não só pelas influências de Ingmar Bergman, considerado pai do cinema existencialista, como também no quesito das produções independentes temos alguns nomes que nos últimos dez anos se consolidando no circuito audiovisual colocado a Suécia na rota das produções audiovisuais.

                   Filmes como, Funny Games (1997) que teve direito a uma refilmagem de produção americana intitulada Violência Gratuita (2007); Fucking Amäl (1998), traduzido para o português como Amigas de colégio que ganhou projeção por abordar uma relação amorosa entre duas estudantes, escrito e dirigido pelo até então iniciante, Lukas Modysson, e por fim o tocante Todas as coisas são belas (1995), fazem parte da safra do cinema moderno na Suécia.

                  Agora a projeção da vez é o filme de Tomas Alfredson, que conta a história de uma vampira de doze anos (Eli) recém-chegada no interior de Estolcomo, lugar no qual conhece Oskar, tímido garoto que mora no apartamento ao lado e sofre bulling dos colegas da escola. Os criam uma relação de proximidade e enquanto Eli ensina o garoto a se defender, ele a ensina o valor da amizade.

                  A primeira vista parece que a moda dos vampiros chegou à Suécia, entretanto, ao contrário do que possa parecer, “Deixa ela entrar” subverte os padrões clássicos do gênero e cria uma narrativa original com movimentos de câmera bem estruturados e personagens complexos.deixa ela entrar1               O drama ambientado nos anos 80 tem um ritmo narrativo peculiar, sem cortes bruscos. Todos os movimentos acompanham a velocidade do local, refletindo o ritmo de vida no pequeno interior, cercado por neve e com um clima de frio intenso. A atmosfera é lenta, longe do agito das grandes cidades e do fluxo intenso de pessoas.

               Entretanto o diretor não conta só com os artifícios de câmera, mas também com o trabalho dos atores iniciantes, Kåre Hedebrant (Oskar) e Lina Leandersson (Eli) que roubam a cena e conseguem trazer veracidade aos seus personagens. Em especial Lina Leandersson, que tem nas mãos o papel de uma vampira misteriosa com um passado longo e oculto, já que não fica claro como ela surgiu, e nem o que antecedeu sua chegada até ali.

             Outro aspecto bem sucedido na produção do longa é a fotografia cheia de segundos planos, desfoques e closes. Cada detalhe cuidadosamente elaborado para acompanhar a composição das cenas e criar o clima sombrio que compõe as seqüências. Detalhe muito bem utilizado não só pelo enriquecimento dos planos, como também, pela subjetividade expressa no roteiro.

             “Deixa ela entrar” torna-se interessante não só pelos seus aspectos técnicos, como também por abordar de forma incomum o tema do primeiro amor, traduzindo sentimentos e reflexões em olhares e pequenos gestos documentados por movimentos de câmera, sutilmente, montados pelo diretor.

              Tem-se então uma história complexa que mistura o fantástico e o humano de forma tocante e paradoxal, onde o simples e complexo se misturam. Complexo, pois a relação entre os dois se transforma em dependência, ligando os personagens de forma absoluta, onde se completam e necessitam um do outro, e ao mesmo tempo simples, pois ambos têm sentimentos e ações infantis como o frisson da primeira paixão, a lealdade e a amizade.

             Acompanhamos então, a trajetória de Eli e Oskar que lutam contra seus “demônios” para conseguir sobreviver aos seus medos e desejos. Inserido nesse contexto há o encontro com o sobrenatural; o choque entre o terror do submundo e a tênue mudança da infância para a pré-adolescência, tão real quanto qualquer outra fase da vida. Dois mundos que se chocam e se completam em meio ao caos, o amor e a morte.

            Tem-se então o cenário perfeito para um filme de terror, que muito bem dirigido por Tom Alfredson acaba seguindo outro rumo sem deixar de dar ao expectador leves pitadas de terror trash mas mantendo-se fiel à sua característica inicial que é construir um filme em que o drama do mundo real se mistura ao fantástico. Criando-se o equilíbrio exato e deixando uma mensagem que vai muito além da simples matança das clássicas histórias vampirescas.

             Por fim, “Deixa ela entrar” pode ser caracterizado como um bom filme que se destaca não só pelo roteiro original, como também pelo bom trabalho dos atores, dentre outros fatores pode-se dizer que o diretor acertou na dosagem dos elementos envolvidos. Agora é torcer para que cresça cada vez mais o número de produções nórdicas de qualidade no circuito.

COTAÇÃO ****

Natascha Silva.