quarta-feira, 27 de julho de 2011

Era Uma Vez no Oeste

Era uma vez no Oeste, é basicamente um western sobre vingança. Logo no começo do filme é possível identificar Harmonica (Charles Bronson), que chega às imediações da cidade de Flagstone procurando por Frank (Henry Fonda, em seu primeiro papel de ‘vilão’), atrás de vingança; em fez de Frank, encontra com três capangas seus que tentam eliminá-lo, sem sucesso. Enquanto isso, o verdadeiro Frank encontrava-se na fazenda dos McBain, assassinando toda a família:Brett, Maureen, Patrick e até mesmo o pequeno Timmy, e ainda plantando falsas pistas para acusar Cheyenne (Jason Robards); o que ele não contava era com a chegada da recém-casada (e recém-viúva), Jill McBain (Claudia Cardinale), à cidade. A partir deste fato é que os personagens se encontram, mudando a vida de todos eles.
Apesar de ser um filme sobre vingança, não pode ser, de modo algum, reduzido apenas a vingança; com o desenrolar da trama, conhecendo os personagens, observando suas ações, acaba-se se revelando não somente um embate pessoal entre Frank e Harmonica, mas um grandioso embate entre um velho e um novo oeste, um embate entre o progresso que seria levado pelas ferrovias, com os sonhos e desejos pessoais de cada personagem e a natureza dura e selvagem da região. Durante todo o filme tem-se a clara impressão de construção: tanto de uma nova vida para os personagens como para uma nação inteira.
A história passa-se na cidade de Flagstone, em Utah, (sempre com muitas obras, a cidade ainda sendo construída, expandindo-se), na fazenda dos McBain, “Sweet Water”,(um símbolo do “velho” Oeste que passa de inóspito, desértico e pouco habitado para se tornar movimentado, rico: a chegada da ferrovia), e nas pradarias do Oeste, ainda selvagens.
Os personagens principais são: Harmonica, homem misterioso, ninguém sabe de onde veio ou para onde vai. Seu único e verdadeiro objetivo vai ficando claro a medida que o filme avança na trama: vingar-se de Frank, porém não se sabe o motivo e assim o espectador fica no escuro até o clímax da história. No caminho acaba por “se juntar”, se é podemos dizer isso, a Cheyenne para ajudar Jill a não perder a propriedade herdadado marido recém-assassinado como parte dosesquemas de Mr. Morton e Frank.
Cheyene, o típico bandido que, no final das contas, possui um bom coração; ajuda Jill e Harmonica em planos contra ferrovia. É um personagem simples, porém fascinante na sua honestidade e código de honra ;representa, de certa forma, o “velho” oeste que está lentamente desaparecendo; nada ou pouco se sabe sobre o seu passado, em sua primeira cena, aparentemente, escapa de um comboio que o levaria para a prisão;particularmente, é meu personagem preferido.
Jill McBain tenta começar uma nova vida no Oeste, deixando Nova Orleans para trás (e logo sabemos, a prostituição também), casa-se com Brett McBain, procurando tranquilidade e paz ao lado do marido e de sua nova família, contudo esbarra nos esquemas de Frank e Mr. Morton antes de conseguir realizar o sonho de Brett: construir uma cidade ao redor da estação em Sweet Water; “A remarcable woman”, diz Harmonica citando Cheyenne, em relação a Jill.
Frank pode ser caracterizado como o bandido degenerado que não vê obstáculos que não possam ser eliminados do seu caminho; tem a ambição de ser tornar sócio ou mesmo tomar o lugar de Mr. Morton e virar um “homem de negócios”, um homem de ação que deseja ser homem de negócios.Poderia simbolizar a mudança, adaptação do velho oeste para o novo ao tenta mudar seus “métodos”,todaviaacaba por não ter sucesso, tendo o passado, na forma de Harmonica, voltado para se vingar. Ao ser perguntado, no final do filme, sobre o que era, responde: “Just a man”, “An ancient race”, Harmonica completa, momentos antes do embate final.
Morton é o homem doente e aleijado, porém rico que controla a construção da ferrovia. Necessita e ao mesmo tempo, despreza Frank; sonha em ver o mar pela última vez da janela de seu vagão particular.Lentamente, vê Frank tomando as rédeas de seus negócios, controlando-o. O homem de negócios que Frank nunca será.
O filme inteiro é como um incessante confronto entre o velho e o novo; entre o velho oeste com seus homens indomáveis e violentos e o novo, com sua modernidade, ferrovias e homens de negócio. Há diferenças nos usos da violência: no velho há um código de conduta e honra (como quando Cheyenne diz que nunca mataria uma criança), no novo, apenas o dinheiro dita as regras (como na cena em que Mr. Morton pede para jogar com os capangas de Frank e em vez de cartas, distribui notas de 100 doláres); o desafio seria progredir com honra e dignidade, o que seria o exemplo de Jill. Este embate (velho e novo), pode ser personificado no embate entre Cheyenne e Morton, do qual Cheyenne, representando um velho oeste, sem ferrovias ou lei, mas com um código de honra próprio, que acaba por morrer lentamente e sozinho no deserto, eMr. Morton, o homem do progresso e negócios, morre, também sozinho, ao lado de seu vagão moderno e luxuoso, porém sem conseguir realizar seu último sonho: ver o mar pela última vez.
A morte de Cheyenne parece particularmente carregada de significados: assim que este morre, ouve-se um apito estridente, vemos um trem surgindo no horizonte, trazendo vários novos trabalhadores, negros, chineses e brancos, a trilha de Morricone se eleva: o trem traz não somente progresso, mas esperança; o velho oeste morre e é imediatamente seguido pelo novo, cheio de promessas e desejos dos mais variados tipos de homens. Jill sai da casa e vai oferecer água aos trabalhadores, como Cheyenne lhe disse para fazer, a câmera faz uma panorâmica e vemos os trabalhadores se juntando em volta de Jill e, com o movimento de câmera para a direita, vamosao encontro de Harmonica se afastando com o corpo de Cheyenne, rumando para o deserto, para longe do trem, de Jill, penetrando cada vez mais fundo no oeste selvagem; e assim a câmera permanece, contrastando a imensidão da paisagem com estes dois homens que vão se distanciando, ficando cada vez mais pequenos, sendo absorvidos pelo oeste, até que a música acaba, a tela fica negra e o filme termina.
É uma películapermeada de sarcasmo e de um humor ácido; a morte está sempre presente, ali na espreita e, apesar disso, das cenas de tiroteios e corpos, não é um filme violento: é essencialmente um filme de vingança, mas ao mesmo tempo de esperança, uma esperança sutil e melancólica, uma esperança nesse futuro inevitável, impossível de se fazer frente, uma esperança no progresso, talvez. A obra-prima de Leone, um clássico.
Parte 2
Mesmo se passando no interior das terras dos EUA, onde seria povoado por vários grupos indígenas, as únicas presenças indígenas notadas no filme inteiro são bem poucas: logo nos minutos iniciais, quando os capangas de Frank (disfarçados de capangas de Cheyene), vão até a estação “receber” o Harmonica, e na estação há uma indígena que aparentemente trabalha auxiliandoum velho senhor que toma conta do local; logo após a chegada de Jill na estação de Flagstone, pode-se ver alguns indígenas desembarcando do trem sendo chamados de “índios guerreiros” (red skined warriors), aparentemente estão trabalhando em algo, descarregando o trem; ou mesmo no esconderijo de Frank nas montanhas; sempre aparecem pouco, sem chamar atenção, como se fossem mero enfeite, não afetam na história como um todo, são figurantes. Papel este que foi delegado durante muitos anos na história dos EUA, somente mudando em meados do século XX.
Assim como os indígenas, isto também acontece com os negros: como um dos matadores que trabalham para Frank, alguns carregadores na estação, no pequeno bar/hospedaria na beira da estrada: sempre em trabalhos braçais;os chineses, estes aparecem trabalhando meio que em um esquema de exploração na lavanderia de Flagstone, a Chinese Laundry; e mexicanos, como os que integram o bando de Cheyenne. São personagens de várias etnias, várias culturas diferentes, aparecendo misturados sempre executando trabalhos braçais.
Pode-se perceber também a presença de imigrantes brancos, europeus: como os McBain que são irlandeses, na imigração familiar para pequenas propriedades rurais, imigração esta destinada a povoar as novas regiões ao norte e oeste. Percebe-se aqui o “melting pot” pelo qual a sociedade americana passou no século XIX, principalmente no pós-Guerra Civil, que é uma das marcas da população dos Estados Unidos até hoje.
Mesmo que o filme não seja marcado por datas, estimo que esta história se passe após a Guerra Civil americana quando, após anos de batalha interna, o norte vence e terminamas escaramuças sobre a escravidão e outros temas. Penso assim, pela grande facilidade de locomoção que Jill apresenta para sair de Nova Orleans, cidade ao sul, umabig east city”, para o interior do país, de trem e seu espirito, já bastante burguês, de largar a cidade em busca de riquezas nas terras do Oeste.
Esta forte presença de trens e ferrovias e o intenso trabalho na sua construção é uma marca do século XIX nos EUA; são cidades inteiras crescendo ao redor de ferrovias, cidades que nascem grudadas aos trilhos e tem sua conexão com o mundo a partir dos trens.  A maravilhosa trilha sonora, ajuda nessa impressão, essa sensação que se tem durante o filme de progresso, principalmente nas tomadas de paisagens (aqui novamente, a belíssima fotografia de Delli Colli), seja nas cidades, ou nos desertos, uma inevitável sensação de progresso, de movimento de algo que não se pode parar: as ferrovias estão chegando, e logo estarão ali ligando todos os cantos do país.
O crescimento das linhas férreas, mesmo começando em 1830, ganha força, poder de destruição e rapidez principalmente após a já citada Guerra Civil. A partir daí, o país começa a ser cortado por ferrovias que ligam as cidades do Leste ao Oeste e ao Sul dos EUA; partindo-se deste T em malha ferroviária, crescem ao redor e partir dele, diversas outras linhas férreas em todas as direções e para todos os locais da América, como é possível observar no mapa abaixo de 1890, das linhas férreas nos Estados Unidos.

(imagem retirada do Site da Vassar College Libraries).
Contudo, estas ferrovias não trazem somente esperança e progresso, o filme também nos mostra a violenta especulação fundiária que acontecia, antes mesmo que a ferrovia chegasse até o local e suas consequências catastróficas para colonos como McBain: assassinatos, expulsão das terras, ameaças. Esta especulação fundiária que inclusive dá o ponta pé inicial da trama: quando Jill se pergunta o motivo da morte de sua nova família, depara-se com esquemas e interesses diversos de pessoas muito mais poderosas que seu marido.
Isto não somente comos colonos, mas também em grande escala com os indígenas, fato que não tratarei em consequência do filme escolhido não explorar este tema, contudo tal processo existiu e foi muito mais cruel com os povos indígenas que com os colonos, pois enquanto os colonos eram expulsos das terras que compravam, os indígenas eram expulsos de terras que pertenciam às suas tribos e grupos há gerações inteiras, destruindo não somente seus meios de vida (como o bisonte), mas seu modo de vida, mudando suas relações entre si e com a natureza.
Enfim, em razão da expansão da malha ferroviária pelo interior dos EUA, o controle de muitas terras, que antes pertenciam aos colonos, passam para as ferrovias e/ou são instaladas estações, muitas vezes por meios não ortodoxos; são adotadas estratégias de “assustar” os moradores das terras que estão altamente cotadas no mercado ou que em breve estarão (como no caso dos McBain) para “remover pequenos obstáculos do caminho”, como diz Frank em conversa com Mr. Morton, e a estratégia de assustar os possíveis compradores destas terras, e assim, compra-las por preços muito baixos e depois enriquecer com a valorização destes locaisem consequência de construção de estações, ou somente pelo fato de passar uma linha férrea na propriedade. Esta estratégia de assustar compradores e moradores fica ilustrada na cena do leilão da propriedade dos McBain, quando Jill está sendo manipulada pelos capangas de Frank e estes assustam possíveis compradores das terras que querem dar lances no leilão. Aqui a corrupção, lei do dinheiro, a lei que Morton conhece, a lei da modernidade, também consequência da chegada das ferrovias.
Assim, por meio de Era uma vez no Oeste, é possível se observar os fenômenos da imigração europeia para os EUA, o “melting pot” que é a sociedade americana, o crescimento e florescimento das ferrovias pelo interior do país e ainda, suas consequências nefastas para os colonos (e para os indígenas), divido a agressiva politica de especulação fundiária ao redor de terras importantes estrategicamente para estas ferrovias.

Samy Twist. 


* Texto dedicado ao Professor e historiador Décio Guzmán, excelente professor e ser humano.


Dados sobre o filme.
Nome: Era uma vez no Oeste (Once upon the time in the West, em inglês; C’era una Volta il West, em italiano).
Direção: Sergio Leone
Produção: Fluvio Morsella
Produção executiva: Bino Cicogna
Roteiro: Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Sergio Donati, Sergio Leone, Mickey Knox.
Fotografia: Tonino Delli Colli
Edição: Nino Baragli
Trilha sonora: Ennio Morricone
Elenco: Henry Fonda (Frank), Claudia Cardinale (Jill McBain), Jason Robards (Cheyenne), Charles Bronson (Harmonica, oficialmente sem nome), Gabriele Ferzetti (Mr. Morton).
Ano: 1968 (lançamento na Itália e nos Estados Unidos).
Duração: 165 min (2h45min e 8s).
Idioma: Inglês.
EUA (Paramount, Safran, San Marco). Technicolor.
Filmado na Cinecitta Studios com locações na Espanha e no Monument Valley nos Estados Unidos.

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