terça-feira, 26 de abril de 2011

O Sonho de Cassandra

   Em seu terceiro filme produzido em Londres, Woody Allen reafirma e ao mesmo tempo inova, seu peculiar estilo cinematográfico, aprimorado a cada novo filme de seus mais de quarenta anos de carreira. Reafirma quando nos apresenta a personagens extremamente bem desenvolvidos e que no caso desse filme, apresentam total entrosamento ao desenvolver personagens complexos. Reafirma ainda, ao colocar como plano de fundo a bela cidade de Londres, o filme é basicamente feito em locações externas, acompanhado de uma trilha sonora que não deixa a desejar, bem ao estilo Woody Allen. Mas desde “Scoop – O Grande Furo” (2006), primeiro filme rodado em Londres e último filme no qual Woody Allen atuou, mesmo com o ar cômico de seu personagem habitual, já podemos sentir um ar sombrio que tem rondado seus filmes desde então.
    Com uma filmografia tão extensa, Woody Allen se reinventa a cada novo filme e tem a total liberdade de experimentar e ousar o quanto quiser, poucos tem essa vantagem, e ele sabe utilizá-la muito bem, isso é inegável. A seqüência “Match Point” (2005), “O Sonho de Cassandra” (2007) e “Vicky Cristina Barcelona” (2008), são filmes com extrema carga emocional, e no que diz respeito a construção de personagens, Woody Allen é mestre. Já em seus dois últimos filmes, “Tudo Pode Dar Certo” (2009) e “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010), o ar sombrio que rondava seus filmes desde seu primeiro longa rodado em Londres, dá lugar a um humor leve e delicado, presente no cotidiano de personagens, que de uma maneira ou de outra, buscam a felicidade, querem acertar, aprender com os erros, são como nós, espectadores.
   A obra em questão nos coloca diante dos irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell), os quais unindo suas economias e a longas prestações, logram adquirir um barco de segunda mão, o qual denominam aleatoriamente de “O Sonho de Cassandra”, que simbolicamente nos remete ao mito grego de Cassandra, a mulher que recebeu o dom de prever o futuro ao mesmo tempo em que é castigada com infelicidade de que ninguém jamais acreditaria em seus presságios. Os irmãos tem objetivos e estilos de vida distintos, sendo que Ian ajuda o pai (John Benfield) a administrar o restaurante da família, mas sonha alto, sempre almejando carros de luxo, viagens e ambiciosos investimentos, tudo ganha uma  dimensão ainda maior quando Ian conhece a bela atriz iniciante Angela Stark (Hayley Atwell). Já Terry, trabalha em uma oficina mecânica e cultiva modestos sonhos ao lado da namorada Kate (Sally Wawkins), mas paralelo a isso, Terry é viciado em jogos de azar, sendo sua sorte, visivelmente instável. 
    Mesmo com todas as diferenças e a seu modo, os irmãos padecem do mesmo mal, querem mais do que podem ter. E isso se agrava à medida que Terry perde o controle sobre o vício do jogo e Ian deixa-se envolver cada vez mais por Angela. Como única saída os irmão buscam a ajuda do bem sucedido tio Howard (Tom Wilkinson), que de tão mencionado até nos remete ao filme "Meu Tio da América" (Alain Resnais, 1980), parecendo esse mais um ideal, uma utopia do que um ser real de fato. Tão real que dá rumos significativos e perturbadores a vida dos irmãos Ian e Terry.
    Obtendo sucesso de maneira ilegal, Howard teme ser desmascarado e sentindo-se ameaçado, em troca da ajuda financeira proposta pelos sobrinhos, Howard pede que esses eliminem Martin Burns (Philip Davis), o sócio que ameaça sua credibilidade, frente aos negócios. É então que Woody Allen começa a questionar os conceitos de moral das personagens e os nossos próprios, aliando isso à aceleração rítmica do filme. E como Terry diz ao irmão:  "Isso é um caminho sem volta". Os caminhos são distintos e irreversíveis de fato, o que nos leva a um desfecho de certa forma, sombrio e pessimista, mas também único e inesperado. É cinema, é Woody Allen e só isso já são pré-requisitos para não esperar nada menos que um ótimo filme.

Salma Nogueira.
    

 *Texto dedicado a Samy Twist.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lixo Extraordinário

Interpretações em Leque

O produtor e diretor Zelito Viana em seu artigo Nosso Espelho tece a seguinte opinião:
“insistimos em querer combater a desigualdade social encarando o problema como econômico, social ou político. Acontece que nós somos desiguais por um problema de natureza cultural. A desigualdade é, nada mais nada menos, fruto de uma herança comportamental, de natureza cultural, que recebemos de nossos avós e tetravôs (...).
Enquanto ficarmos discutindo economia, superávit primário, balança comercial, dívida externa e/ou esbravejando ‘tudo pelo social’ (...) não conseguiremos mudar um milímetro da nossa tremenda desigualdade social (...).
De que adiante a educação formal e informativa sem cultura? Só o desenvolvimento cultural da imensa maioria da população pode nos tirar deste abismo.
(...) a cultura tem se constituído na única ferramenta capaz de ganhar o inconsciente dos jovens da periferia das grandes cidades, afastá-los do tráfico (...). É com o Teatro, a Dança, o Vídeo (...) que podemos devolver a auto-estima aos nossos jovens (...)
Quem sabe, nos próximos trinta anos a cultura esteja efetivam,ente na pauta da preocupação de todos nós?”¹.

Corroborando a tese de Viana, o artista plástico Vik Muniz realizou ao longo de quase três anos uma experiência na qual confeccionou obras a partir de matérias-primas extraídas do aterro sanitário de Jardim Gramacho (RJ) por catadores profissionais de lixo, aspecto esse no qual residiu o principal objetivo de Vik: utilizar tais pessoas como elementos de retratação e de intervenção no trabalho artístico, para, assim, mostrar-lhes uma realidade diversa da pobreza do dia-a-dia.
Considerando que Lixo Extraordinário (2010) não se funda em eventos preexistentes, o que se vê é o desenrolar de um projeto que não raro transita com o risco de fracasso financeiro e/ou ideológico, viés esse no qual, vale frisar, reside o momento mais marcante do documentário: entusiasmados com o novo mundo para eles descortinado, os catadores revelam a angústia sentida ao perceberem que não só o término das gravações se aproxima como também o dia em que terão de retornar para a rotina de outrora. Preocupado, Vik discute com seus colaboradores sobre até que ponto as boas intenções poderiam, perante seres tão vilipendiados pelo Estado, resultar num choque cultural de natureza irremediavelmente prejudicial².
Neste diapasão, os intertítulos finais de Lixo Extraordinário demonstram que, mesmo tendo sido inevitável a interrupção da convivência entre a equipe de produção e os catadores, as vidas destes últimos quando não foram atingidas por certo grau de melhoria financeira foram, pelo menos, presenteadas com um novo sentido, passando tais pessoas a se enxergar com mais valor, dignidade e orgulho.
Não obstante o louvável altruísmo de Vik Muniz, algumas questões, vale dizer, se mostram inafastáveis quanto a análise de seu ato e do registro cinematográfico feito. Assim:
·      Muito embora seja esta uma produção internacional, haveria necessidade dos diálogos entre o artista e seus colaboradores, também brasileiros, serem travados em inglês? Afinal, por mais que o longa-metragem tenha como pano de fundo temáticas universais – quais sejam o combate a pobreza e o incentivo a reciclagem – sua abordagem não está entrelaçada ao prisma de uma realidade nacional?
·      O início e o término desenvolvidos a partir de cenas do programa do Jô poderiam ser descartados em benefício de uma edição mais criativa?
·      O registro cinematográfico do projeto seria um meio de difusão e de estímulo a solidariedade ou, por outro lado, traria em si indícios de autopromoção de Vik Muniz?
·      A antropologia partilhada³ do experimento resta maculada pelo viés por vezes maniqueísta do filme?
·      A cultura se posta acima de aspectos sociais políticos e/ou financeiros constitui elemento suficiente de transformação de realidades?
Todas essas são perguntas marcadas pela interdisciplinaridade, daí suas respostas não se esgotarem numa única análise, caracterizando, portanto, trabalho não só para profissionais da sétima arte como também das ciências sociais e da psicologia. Por isso, goste-se ou não, Lixo Extraordinário merece todos os aplausos a ele dirigidos, afinal são poucas as obras capazes de dialogar com uma soma tão vasta de assuntos.
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1.    FONTE: Contente em Ler – Cineastas – Crônicas, Contos e Recordações. Brasília: Usina de Letras, 2010. p. 129-33.
2.    Dentro da história do cinema brasileiro tal discussão fora propagada quando do assassinato de Fernando Ramos da Silva, ator que mesmo após interpretar o papel principal do filme Pixote (Brasil, 1980) voltou para as ruas e teve um trágico fim.
3.    Método pelo qual o objeto de estudo é manipulado, desenvolvido tanto por quem pesquisa quanto por quem é pesquisado.

COTAÇÃO۞۞۞۞

Dario Façanha Neto (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com)

Ficha Técnica

Título Original: Waste Land
Direção: Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley
Fotografia: Duda Miranda
Edição: Pedro Kos
País de Origem: Reino Unido; Brasil
Estreia no Brasil: 21 de Janeiro de 2011
Duração: 94 minutos

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O Efeito Ripley

O cinema brasileiro vem alcançando  timidamente um lugar respeitável nas salas exibidoras ao lado dos grandes lançamentos blockbuster do cinema estadunidense. Não sei se isto deve-se ao fato de grandes atores da teledramaturgia encabeçarem o elenco das produções brasileiras ou se o público teve outra motivação menos suspeita, o fato é que de alguma maneira temos, hoje, bons filmes nacionais e um bom público. Foi o que percebi na exibição de “VIP’s” ontem durante uma sessão com mais de 40 pessoas.

O filme “VIPs” (2010) do diretor Toniko Melo  é baseado no livro “VIPS – Histórias Reais de um Mentiroso”, escrito por Mariana Caltabiano que conta a história de vida do jovem Marcelo Nascimento da Rocha que enganou meio-mundo de gente com  a habilidade diabólica  de uma mente doentia e  criativa até onde sua astúcia podia levá-lo e a alienação alheia podia deixar.                                                               
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

A vida de um rapaz de classe média com sonhos e desejos megalômanos e com problemas de autoaceitação parece pouco interessante para ser mostrada nas telas pois todos os dias encontramos por aí algum projeto mal ajambrado de alpinista social, mas conseguir a proeza de driblar situações e pessoas cercadas de luxo e segurança no mundo aparentemente impenetrável do jet set brasileiro é no mínimo extravagante. Ainda mais quando ele se faz passar pelo herdeiro da companhia aérea GOL. Talvez este seja o diferencial na história de vida deste maluco carismático  que desperta um pouco de pena em nós pessoas, digamos, tão normais.

O filme cresce à medida que vai mostrando como engenhosamente se constrói o mundo de mentiras de Marcelo em suas  várias identidades até  chegar ao ápice quando ele  torna-se, por algumas horas, um milionário da alta roda das celebridades e herdeiro de um império da aviação civil. Wagner Moura no papel principal é realmente impecável ao transmitir toda a sedução da mentira e o carisma típico de um “figurão”. Marcelo não deixa nada a dever se comparado ao “Talentoso Ripley” (1999) de Anthony Minghella, no perfil psicológico e na meticulosidade em pensar seus crimes. Ripley mentiu, roubou e matou enquanto que Marcelo mente, rouba e se autodestrói. Como diz o dito popular “mentira tem pernas curtas” e ambos caminham até onde estas podem levá-los.

A trilha sonora é  bem oportuna quando o personagem canta e imita Renato Russo com a canção “Será” um sucesso do "Legião Urbana". E sem querer superinterpretar a cena, os versos “...nos perderemos entre monstros de nossa própria criação...” parecem traduzir o mundo obscuro e bizarro em que Marcelo  - e suas outras personas - mergulhou de cabeça.

As atuações de  Gisele Fróes (Silvia) como a mãe de Marcelo e Arieta Correia (Sandra) como a socialite depressiva que toma tarja preta são de uma verdade gritante:  de um lado a luta para tentar salvar um filho perdido e de outro o vazio angustiante gerado pelo excesso de ter.

                                                                                     
Naqueles tempos idos em que Marcelo fez suas traquinagens (2001) não eram tão comuns as redes sociais e os canais  virtuais de comunicação em tempo real que esbanjam velocidade na propagação de escândalos e superexpõe a vida privada do high societ, talvez , nos dias atuais, com esses recursos, ele fosse desmascarado em tempo mais que real, entretanto não podemos  subestimar a capacidade de um criminoso desse porte que poderia facilmente aprender a arte de criar perfis e conteúdos fakes  no pouco seguro mundo  virtual.
                                                                                      
Na roda da fortuna em que Marcelobrincou durante sua breve incursão no mundinho fechado dos ricos fica a nítida impressão da fragilidade dos muros que cercam estes castelos de sonhos e riquezas e os separam da realidade de um país ainda “cronicamente inviável” como diria Sergio Bianchi. Num país onde tradição e sociedade são conceitos relativos e equivocados, contar vantagens e viver de aparências ainda engana e impressiona muita gente.

O desfecho do filme não poderia ser melhor: numa festa de carnaval onde impera a lei do prazer e libera-se de todas as amarras, onde “todos são iguais” – o rico e o pobre – e brincam a celebração da cultura popular e da tradição da sociedade brasileira. É aí que  as máscaras de Marcelo caem  e ele se vê tão humano, tão perdido e tão vil.

“VIPS” é  um ótimo trabalho que não engana, só satisfaz ao contar a história de um homem que foi considerado o maior mentiroso do Brasil. O cara que  tinha “ um papo de derrubar avião”, mas que ironicamente na verdade derrubou a si  mesmo.

Elias Neves Gonçalves. 

Feliz Natal

    Em “Feliz Natal”, o primeiro longa-metragem de Selton Mello como diretor e roteirista cinematográfico, filme de 2008, ao contrário do que muitas pessoas podem achar, Selton Mello não quer nos mostrar o drama que é passar o Natal em família, nem o quanto entende de cinema  com uma câmera sempre inquieta, a perder tempo retratando o aparentemente banal, diálogos sem sentido, com closes e planos detalhes que buscam a dor e a desgraça das personagens. Na verdade ele se utiliza desses recursos para nos apresentar a personagens terrivelmente solitários que são obrigados a conviver uns com os outros, mas que ao mesmo tempo não demonstram empatia alguma. Recursos esses, brilhantemente utilizados também por Sofia Copolla (As Virgens Suicidas; Encontros e Desencontros), o que por vezes acaba dando ao filme um ar chato e monótono, mas que ao longo da projeção se justificam perfeitamente, nos apresentando as personagens e seus vazios cotidianos.
   Por colocar em foco um drama familiar, os mais pessimistas podem concluir que a intenção é demonstrar a família como uma instituição falida e desgastada, ledo engano. A família é colocada aqui, como uma metáfora da sociedade, pessoas que de alguma maneira devem coexistir, devido a convenções sociais ou mesmo infelizes necessidades, mas apenas se suportam. Cada personagem apresenta seu drama próprio e todos são fundamentais na obra. A mãe (Darlena Glória) que busca no álcool a fuga de uma vida infeliz, demonstrando também, por vezes, uma relação insestuosa com o filho Caio (Leonardo Medeiros), personagem condutor da trama, dono de um ferro velho no interior, que volta a cidade para rever a família e os amigos noa noite de natal. Tal contato nos revela o quanto Caio levava uma vida desregrada no passado, buscando no presente, a remição consigo mesmo. Caio apresenta um claro conflito com o pai (Lúcio Mauro), o qual relaciona-se com uma pessoa mais nova, de maneira a buscar uma reafirmação pessoal, mas sem dar muita importância a essa relação, demonstrando ainda uma forte aversão à ex-mulher. Há ainda, os dois irmãos de Caio e suas respectivas famílias, compostas por suas esposas e filhos, dando mais força aos conflitos interpessoais desenvolvidos ao longo dos 100 minutos de projeção.
   Com uma sólida carreira como ator, com interpretações inesquecíveis como em “O Auto da Compadecida”, “O Cheiro do Ralo”, entre outras obras maravilhosas protaginizadas por Selton Mello, em “Feliz Natal” ele demonstra que não é apenas um excelente ator. Mesmo abordando um tema já amplamente visitado por filmes memoráveis como o estranhamente belo “Vocês, os Vivos” do sueco Roy Andersson, ou mesmo diretores imortais como Michelangelo Antonioni em sua trilogia sobre a incomunicabilidade (A Aventura; A Noite; O Eclipse) e Ingmar Bergman, em praticamente toda sua obra, mas sobretudo na trilogia do silêncio (Através de um Espelho; Luz de Inverno; O Silêncio), Selton Mello nos permite ver que as relações humanas são sempre temas instigantes e ricos em significados, que variam de acordo com o espectador. Compondo um filme cheio de desencontros e questionamentos que podem ser simplificados na fala de uma das personagens do belo filme “As Lágrimas Amargar de Petra Von Kant” do alemão Rainer Werner Fassbinder: “O ser humano não nasceu para viver só, mas ainda não aprendeu como viver junto”.



*Texto dedicado a Dario Façanha.                                   


                                                                                                                          Salma Nogueira.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Viver

O Sentido da Vida

 

Kanji Watanabe é um funcionário público cujas ambições profissionais de outrora acabaram sucumbidas pela morosidade e burocratização da Administração Pública. Trinta anos após sua admissão Watanabe é conhecido tão somente por ser aquele que jamais acumulou uma falta ao trabalho. Convencido de que protegera seu cargo durante tanto tempo em prol do sustento de seu filho, Watanabe começa a questionar a apatia de seu comportamento após ter um câncer de estômago diagnosticado.

Sem amigos, viúvo e menosprezado pelo filho já adulto, Watanabe, num impulso niilista, passa a se ausentar do emprego para ocupar seus dias com noitadas e bebedeiras, rotina desregrada essa que o homem não tarda a perceber como algo não imprescindível para seus últimos dias neste plano.

Determinado a ajudar seus próximos, Watanabe volta ao trabalho para desafiar todas as barreiras e entraves burocráticos do sistema administrativo em benefício da realização de serviços de saneamento básico e de construção de um parque infantil conforme pleiteado há tempos pela comunidade.

É dessa maneira, portanto, que o protagonista encontra aquilo que muitos nunca encontram: o sentido da vida; de forma que a inauguração do espaço de recreação se revela como a aurora do personagem, o momento em que, qualquer que fosse sua missão, viver já teria valido a pena.

Viver (Japão, 1952) é uma tocante produção de Akira Kurosawa, um drama intimista que teria tudo para soar melancólico ou deprimente, mas que não é nada disso graças aos leves toques de humor empregados pelo diretor, bem como ao otimismo – ainda que ingênuo – caracterizador da mensagem final.

Uma vez que se trata de um filme de personagem, Kurosawa extraiu da interpretação de Takashi Shimura toda a emoção da qual a obra dependia. Interpretando um homem que aparenta carregar o peso do mundo na costa, Shimura se afasta de qualquer ar piegas, dispensando a piedade do público para com o personagem.

Assim, manejando sentimentos com delicadeza, diretor e ator logram êxito em demonstrar como a arrogância é capaz de tornar-nos cegos, ignorantes e inaptos a compreender a beleza de algo a princípio tão simples como solidariedade.

 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)


COTAÇÃO: ۞۞۞۞

 

Ficha Técnica

Título Original: Ikiru
Direção: Akira Kurosawa
Elenco: Atsushi Watanabe (Patient)Yûnosuke Itô (Novelist)Masao Shimizu (médico)Isao Kimura (Intern)Takashi Shimura (Kanji Watanabe)Makoto Kobori (Kiichi Watanabe, Kanji's Brother)Kamatari Fujiwara (Sub-Section Chief Ono)Nobuo Nakamura (Deputy Mayor)Minoru Chiaki (Noguchi)Haruo Tanaka (Sakai)Shinichi Himori (Kimura)Miki Odagiri (Toyo Odagiri, employee)Bokuzen Hidari (Ohara)Nobuo Kaneko (Deputado)
Duração: 143 minutos