quinta-feira, 28 de julho de 2011

As Confissões de Schmidt


A maioria das pessoas encara a aposentadoria como uma libertação para se dedicar aquilo que realmente goste. Mas existem aquelas que encaram o momento em que param de trabalhar de uma forma angustiante: é como se elas não tivessem mais lugar no mundo. Este é o caso de Warren Schmidt (Jack Nicholson).

A aposentadoria de Schmidt vem acompanhada da morte da esposa. Com os dois acontecimentos, a vida de Warren fica deslocada de um sentido. Ele precisa buscar algum motivo para viver e para não deixar a vidar cair na monotonia. Então, Schmidt resolve partir em seu trailer rumo ao Nebraska para ajudar nos preparativos do casamento da filha, com um homem que ele não aprova. Mas todos os passos que Warren dá, rumo a uma nova vida, parecem estar errados. Tudo sai da maneira totalmente contrária como ele planejou. Já desacreditado em um futuro melhor, Schmidt se corresponde por meio de cartas com um garoto da Tanzânia - que ele ajuda com doações de 73 centavos por dia - e passa a expor toda a sua vida ao menino desconhecido.

Já é possível perceber o foco de "As Confissões de Schmidt" desde os primeiros minutos do filme: a busca de um homem pelo sentido da vida. Para incrementar essa busca, o diretor Alexander Payne não usa nenhum artifício inovador, nem tramas mirabolantes. O que realmente conta nesse filme é a simplicidade. Os personagens são interessantes, mas não são fantásticos - no sentido de serem apenas uma ideia do homem. O que acontece com Warren pode acontecer com qualquer pessoa que busca um algo a mais na vida. Um motivo que talvez tenha sido responsável por esse apoio na simplicidade, é a questão do orçamento. Comparado com os filmes atuais, "As Confissões de Schmidt" teve o "singelo" custo de pouco mais de 30 milhões de dólares.

Apesar de tentar explorar a comédia, o filme não consegue passar uma mensagem de felicidade. "As Confissões de Schmidt" tem um ar meio que desesperado e deslocado de um universo comum. Com todas essas características, parece não haver ator melhor para interpretar Warren que Jack Nicholson. Ele consegue fazer com que o espectador reflita em todos os momentos do filme, inclusive quando a produção acaba e resta aquela dúvida de "será que tenho aproveitado a vida?".

"As Confissões de Schmidt" é um dos melhores road movies feitos recentemente e vale ser lembrado como um dos filmes mais marcantes da década. Alexander Payne consegue reunir e revelar todas as dúvidas da sociedade moderna em uma produção que deixa o espectador pensando no que tem feito até hoje.


Ficha Técnica:

As Confissões de Schmidt (About Schmidt)
Estados Unidos - 2002
Direção: Alexander Payne
Produção: Michael Besman e Harry Gittes
Roteiro: Alexander Payne e Jim Taylor
Fotografia: James Glennon
Trilha Sonora: Rolfe Kent
Elenco: Jack Nicholson, Kathy Bates, Hope Davis, Dermont Mulroney, June Squibb, Howard Hesseman, Harry Groener, Connie Ray, Len Cariou, Mark Venhuizen, Cheryl Hamada, Phil Reeves, Matt Winston, James M. Connor, Jill Anderson.
Duração: 125 minutos

             Carolina Klautau

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Era Uma Vez no Oeste

Era uma vez no Oeste, é basicamente um western sobre vingança. Logo no começo do filme é possível identificar Harmonica (Charles Bronson), que chega às imediações da cidade de Flagstone procurando por Frank (Henry Fonda, em seu primeiro papel de ‘vilão’), atrás de vingança; em fez de Frank, encontra com três capangas seus que tentam eliminá-lo, sem sucesso. Enquanto isso, o verdadeiro Frank encontrava-se na fazenda dos McBain, assassinando toda a família:Brett, Maureen, Patrick e até mesmo o pequeno Timmy, e ainda plantando falsas pistas para acusar Cheyenne (Jason Robards); o que ele não contava era com a chegada da recém-casada (e recém-viúva), Jill McBain (Claudia Cardinale), à cidade. A partir deste fato é que os personagens se encontram, mudando a vida de todos eles.
Apesar de ser um filme sobre vingança, não pode ser, de modo algum, reduzido apenas a vingança; com o desenrolar da trama, conhecendo os personagens, observando suas ações, acaba-se se revelando não somente um embate pessoal entre Frank e Harmonica, mas um grandioso embate entre um velho e um novo oeste, um embate entre o progresso que seria levado pelas ferrovias, com os sonhos e desejos pessoais de cada personagem e a natureza dura e selvagem da região. Durante todo o filme tem-se a clara impressão de construção: tanto de uma nova vida para os personagens como para uma nação inteira.
A história passa-se na cidade de Flagstone, em Utah, (sempre com muitas obras, a cidade ainda sendo construída, expandindo-se), na fazenda dos McBain, “Sweet Water”,(um símbolo do “velho” Oeste que passa de inóspito, desértico e pouco habitado para se tornar movimentado, rico: a chegada da ferrovia), e nas pradarias do Oeste, ainda selvagens.
Os personagens principais são: Harmonica, homem misterioso, ninguém sabe de onde veio ou para onde vai. Seu único e verdadeiro objetivo vai ficando claro a medida que o filme avança na trama: vingar-se de Frank, porém não se sabe o motivo e assim o espectador fica no escuro até o clímax da história. No caminho acaba por “se juntar”, se é podemos dizer isso, a Cheyenne para ajudar Jill a não perder a propriedade herdadado marido recém-assassinado como parte dosesquemas de Mr. Morton e Frank.
Cheyene, o típico bandido que, no final das contas, possui um bom coração; ajuda Jill e Harmonica em planos contra ferrovia. É um personagem simples, porém fascinante na sua honestidade e código de honra ;representa, de certa forma, o “velho” oeste que está lentamente desaparecendo; nada ou pouco se sabe sobre o seu passado, em sua primeira cena, aparentemente, escapa de um comboio que o levaria para a prisão;particularmente, é meu personagem preferido.
Jill McBain tenta começar uma nova vida no Oeste, deixando Nova Orleans para trás (e logo sabemos, a prostituição também), casa-se com Brett McBain, procurando tranquilidade e paz ao lado do marido e de sua nova família, contudo esbarra nos esquemas de Frank e Mr. Morton antes de conseguir realizar o sonho de Brett: construir uma cidade ao redor da estação em Sweet Water; “A remarcable woman”, diz Harmonica citando Cheyenne, em relação a Jill.
Frank pode ser caracterizado como o bandido degenerado que não vê obstáculos que não possam ser eliminados do seu caminho; tem a ambição de ser tornar sócio ou mesmo tomar o lugar de Mr. Morton e virar um “homem de negócios”, um homem de ação que deseja ser homem de negócios.Poderia simbolizar a mudança, adaptação do velho oeste para o novo ao tenta mudar seus “métodos”,todaviaacaba por não ter sucesso, tendo o passado, na forma de Harmonica, voltado para se vingar. Ao ser perguntado, no final do filme, sobre o que era, responde: “Just a man”, “An ancient race”, Harmonica completa, momentos antes do embate final.
Morton é o homem doente e aleijado, porém rico que controla a construção da ferrovia. Necessita e ao mesmo tempo, despreza Frank; sonha em ver o mar pela última vez da janela de seu vagão particular.Lentamente, vê Frank tomando as rédeas de seus negócios, controlando-o. O homem de negócios que Frank nunca será.
O filme inteiro é como um incessante confronto entre o velho e o novo; entre o velho oeste com seus homens indomáveis e violentos e o novo, com sua modernidade, ferrovias e homens de negócio. Há diferenças nos usos da violência: no velho há um código de conduta e honra (como quando Cheyenne diz que nunca mataria uma criança), no novo, apenas o dinheiro dita as regras (como na cena em que Mr. Morton pede para jogar com os capangas de Frank e em vez de cartas, distribui notas de 100 doláres); o desafio seria progredir com honra e dignidade, o que seria o exemplo de Jill. Este embate (velho e novo), pode ser personificado no embate entre Cheyenne e Morton, do qual Cheyenne, representando um velho oeste, sem ferrovias ou lei, mas com um código de honra próprio, que acaba por morrer lentamente e sozinho no deserto, eMr. Morton, o homem do progresso e negócios, morre, também sozinho, ao lado de seu vagão moderno e luxuoso, porém sem conseguir realizar seu último sonho: ver o mar pela última vez.
A morte de Cheyenne parece particularmente carregada de significados: assim que este morre, ouve-se um apito estridente, vemos um trem surgindo no horizonte, trazendo vários novos trabalhadores, negros, chineses e brancos, a trilha de Morricone se eleva: o trem traz não somente progresso, mas esperança; o velho oeste morre e é imediatamente seguido pelo novo, cheio de promessas e desejos dos mais variados tipos de homens. Jill sai da casa e vai oferecer água aos trabalhadores, como Cheyenne lhe disse para fazer, a câmera faz uma panorâmica e vemos os trabalhadores se juntando em volta de Jill e, com o movimento de câmera para a direita, vamosao encontro de Harmonica se afastando com o corpo de Cheyenne, rumando para o deserto, para longe do trem, de Jill, penetrando cada vez mais fundo no oeste selvagem; e assim a câmera permanece, contrastando a imensidão da paisagem com estes dois homens que vão se distanciando, ficando cada vez mais pequenos, sendo absorvidos pelo oeste, até que a música acaba, a tela fica negra e o filme termina.
É uma películapermeada de sarcasmo e de um humor ácido; a morte está sempre presente, ali na espreita e, apesar disso, das cenas de tiroteios e corpos, não é um filme violento: é essencialmente um filme de vingança, mas ao mesmo tempo de esperança, uma esperança sutil e melancólica, uma esperança nesse futuro inevitável, impossível de se fazer frente, uma esperança no progresso, talvez. A obra-prima de Leone, um clássico.
Parte 2
Mesmo se passando no interior das terras dos EUA, onde seria povoado por vários grupos indígenas, as únicas presenças indígenas notadas no filme inteiro são bem poucas: logo nos minutos iniciais, quando os capangas de Frank (disfarçados de capangas de Cheyene), vão até a estação “receber” o Harmonica, e na estação há uma indígena que aparentemente trabalha auxiliandoum velho senhor que toma conta do local; logo após a chegada de Jill na estação de Flagstone, pode-se ver alguns indígenas desembarcando do trem sendo chamados de “índios guerreiros” (red skined warriors), aparentemente estão trabalhando em algo, descarregando o trem; ou mesmo no esconderijo de Frank nas montanhas; sempre aparecem pouco, sem chamar atenção, como se fossem mero enfeite, não afetam na história como um todo, são figurantes. Papel este que foi delegado durante muitos anos na história dos EUA, somente mudando em meados do século XX.
Assim como os indígenas, isto também acontece com os negros: como um dos matadores que trabalham para Frank, alguns carregadores na estação, no pequeno bar/hospedaria na beira da estrada: sempre em trabalhos braçais;os chineses, estes aparecem trabalhando meio que em um esquema de exploração na lavanderia de Flagstone, a Chinese Laundry; e mexicanos, como os que integram o bando de Cheyenne. São personagens de várias etnias, várias culturas diferentes, aparecendo misturados sempre executando trabalhos braçais.
Pode-se perceber também a presença de imigrantes brancos, europeus: como os McBain que são irlandeses, na imigração familiar para pequenas propriedades rurais, imigração esta destinada a povoar as novas regiões ao norte e oeste. Percebe-se aqui o “melting pot” pelo qual a sociedade americana passou no século XIX, principalmente no pós-Guerra Civil, que é uma das marcas da população dos Estados Unidos até hoje.
Mesmo que o filme não seja marcado por datas, estimo que esta história se passe após a Guerra Civil americana quando, após anos de batalha interna, o norte vence e terminamas escaramuças sobre a escravidão e outros temas. Penso assim, pela grande facilidade de locomoção que Jill apresenta para sair de Nova Orleans, cidade ao sul, umabig east city”, para o interior do país, de trem e seu espirito, já bastante burguês, de largar a cidade em busca de riquezas nas terras do Oeste.
Esta forte presença de trens e ferrovias e o intenso trabalho na sua construção é uma marca do século XIX nos EUA; são cidades inteiras crescendo ao redor de ferrovias, cidades que nascem grudadas aos trilhos e tem sua conexão com o mundo a partir dos trens.  A maravilhosa trilha sonora, ajuda nessa impressão, essa sensação que se tem durante o filme de progresso, principalmente nas tomadas de paisagens (aqui novamente, a belíssima fotografia de Delli Colli), seja nas cidades, ou nos desertos, uma inevitável sensação de progresso, de movimento de algo que não se pode parar: as ferrovias estão chegando, e logo estarão ali ligando todos os cantos do país.
O crescimento das linhas férreas, mesmo começando em 1830, ganha força, poder de destruição e rapidez principalmente após a já citada Guerra Civil. A partir daí, o país começa a ser cortado por ferrovias que ligam as cidades do Leste ao Oeste e ao Sul dos EUA; partindo-se deste T em malha ferroviária, crescem ao redor e partir dele, diversas outras linhas férreas em todas as direções e para todos os locais da América, como é possível observar no mapa abaixo de 1890, das linhas férreas nos Estados Unidos.

(imagem retirada do Site da Vassar College Libraries).
Contudo, estas ferrovias não trazem somente esperança e progresso, o filme também nos mostra a violenta especulação fundiária que acontecia, antes mesmo que a ferrovia chegasse até o local e suas consequências catastróficas para colonos como McBain: assassinatos, expulsão das terras, ameaças. Esta especulação fundiária que inclusive dá o ponta pé inicial da trama: quando Jill se pergunta o motivo da morte de sua nova família, depara-se com esquemas e interesses diversos de pessoas muito mais poderosas que seu marido.
Isto não somente comos colonos, mas também em grande escala com os indígenas, fato que não tratarei em consequência do filme escolhido não explorar este tema, contudo tal processo existiu e foi muito mais cruel com os povos indígenas que com os colonos, pois enquanto os colonos eram expulsos das terras que compravam, os indígenas eram expulsos de terras que pertenciam às suas tribos e grupos há gerações inteiras, destruindo não somente seus meios de vida (como o bisonte), mas seu modo de vida, mudando suas relações entre si e com a natureza.
Enfim, em razão da expansão da malha ferroviária pelo interior dos EUA, o controle de muitas terras, que antes pertenciam aos colonos, passam para as ferrovias e/ou são instaladas estações, muitas vezes por meios não ortodoxos; são adotadas estratégias de “assustar” os moradores das terras que estão altamente cotadas no mercado ou que em breve estarão (como no caso dos McBain) para “remover pequenos obstáculos do caminho”, como diz Frank em conversa com Mr. Morton, e a estratégia de assustar os possíveis compradores destas terras, e assim, compra-las por preços muito baixos e depois enriquecer com a valorização destes locaisem consequência de construção de estações, ou somente pelo fato de passar uma linha férrea na propriedade. Esta estratégia de assustar compradores e moradores fica ilustrada na cena do leilão da propriedade dos McBain, quando Jill está sendo manipulada pelos capangas de Frank e estes assustam possíveis compradores das terras que querem dar lances no leilão. Aqui a corrupção, lei do dinheiro, a lei que Morton conhece, a lei da modernidade, também consequência da chegada das ferrovias.
Assim, por meio de Era uma vez no Oeste, é possível se observar os fenômenos da imigração europeia para os EUA, o “melting pot” que é a sociedade americana, o crescimento e florescimento das ferrovias pelo interior do país e ainda, suas consequências nefastas para os colonos (e para os indígenas), divido a agressiva politica de especulação fundiária ao redor de terras importantes estrategicamente para estas ferrovias.

Samy Twist. 


* Texto dedicado ao Professor e historiador Décio Guzmán, excelente professor e ser humano.


Dados sobre o filme.
Nome: Era uma vez no Oeste (Once upon the time in the West, em inglês; C’era una Volta il West, em italiano).
Direção: Sergio Leone
Produção: Fluvio Morsella
Produção executiva: Bino Cicogna
Roteiro: Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Sergio Donati, Sergio Leone, Mickey Knox.
Fotografia: Tonino Delli Colli
Edição: Nino Baragli
Trilha sonora: Ennio Morricone
Elenco: Henry Fonda (Frank), Claudia Cardinale (Jill McBain), Jason Robards (Cheyenne), Charles Bronson (Harmonica, oficialmente sem nome), Gabriele Ferzetti (Mr. Morton).
Ano: 1968 (lançamento na Itália e nos Estados Unidos).
Duração: 165 min (2h45min e 8s).
Idioma: Inglês.
EUA (Paramount, Safran, San Marco). Technicolor.
Filmado na Cinecitta Studios com locações na Espanha e no Monument Valley nos Estados Unidos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

De Tanto Bater Meu Coração Parou


"De Tanto Bater Meu Coração Parou" foi - merecidamente - mencionado na lista dos 100 melhores filmes da década, feita pelo jornal britânicoThe Times. Dualidade, escolha, destino e caráter são os principais elementos da produção do diretor francês Jacques Audiard.

Baseado no filme americano "Fingers", de 1978, o cenário deixa de ser Nova York e se muda para Paris, onde uma estória pesada, mas cheia de esperança, toma lugar. Thomas Seyr (Roman Duris) trabalha com o pai no ramo imobiliário. Eles não têm pena de expulsar os inquilinos devedores de maneira violenta e nem de agredir eventuais invasores dos imóveis que tomam conta. Apesar de ter esse exemplo do pai, Thomas tem uma outra metade herdada da mãe, que morreu há muitos anos: ele é um excelente pianista, mas foi deixando a música de lado, para entrar no lucrativo negócio do pai. Mas Thomas começa a deixar transparecer o lado sensível, quando o ex-professor da mãe o encontra e convida para uma audição. Agora, ele precisa voltar a estudar piano, se quiser levar a nova carreira adiante. Uma professora chinesa, que não fala nenhuma palavra de francês, está à frente dessa missão.

Thomas Seyr é um personagem com dois lados bem definidos. Enquanto não mede esforços para levar o negócio da família adiante, se envergonha da maneira corrupta e brutal como as coisas são feitas. A música tem na vida do personagem uma função de fuga, de evasão. É no momento em que está tocando piano, que Thomas parece se conhecer e aceitar o que realmente gostaria de estar fazendo na vida. É a música também a responsável por tornar o personagem uma pessoa determinada e com muito mais personalidade. Ele enfrenta a oposição dos sócios e do pai, abre mão diversas vezes do trabalho para poder ter as aulas de música e até aprende a ter paciência e ultrapassar dificuldades, já que a professora escolhida e ele precisam encontrar um jeito de se comunicar.

Audiard tem uma maneira muito especial de mostrar que a música é uma linguagem universal. A relação da professora chinesa e de um aluno francês só poderia dar certo com algo muito forte para os unir. Para retratar a maneira vazia com que Thomas viveu durante esses 28 anos, Audiard utiliza as cores do filme: nada é vibrante e colorido. As roupas do personagem principal e os locais onde ele frequenta tem aquela aparência meio suja e mórbida. Um dos únicos locais onde o diretor utiliza cores quentes e uma ambientação mais limpa é na casa da professora chinesa.

"De Tanto Bater Meu Coração Parou" é um filme que retrata o drama de milhares de pessoas que ficam divididas entre o que fazer com a razão e a emoção; que precisam escolher entre dois caminhos extremamente diferentes para seguir e, principalmente, como superar as dificuldades e ter coragem para assumir um dos dois caminhos.


Ficha Técnica:
De Tanto Bater Meu Coração Parou (De Battre Mon Coeur S'arrêté)
França - 2005
Direção: Jaques Audiard
Produção: Pascal Cacheteux
Roteiro: Jacques Audiard e Tonino Belacquista, baseado em roteiro de James Toback
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Fotografia: Stéphanie Fontaine
Elenco: Roman Duris, Neils Arestrup, Jonathan Zaccai, Giles Cohen, Linh Dan Pham, Aure Atika, Emanuelle Devos, Anton Yokovlev, Mélanie Laurent, Agnés Aubé
Duração: 108 minutos

terça-feira, 19 de julho de 2011

Anatomia de um Crime

O Encontro do Cinismo com a Ambiguidade

Dentre os inúmeros exemplos que compõem a categoria dos ‘filmes de tribunais’, Anatomia de um Crime (EUA, 1959) é facilmente percebido como o mais pulsante e bem sucedido resultado do gênero, o que, vale dizer, se deve ao primoroso trabalho de Otto Preminger, cuja direção logra êxito tanto na condução do elenco quanto na forma de abordagem do roteiro.
Dentro deste contexto, nada parece ser o que de fato é em Anatomia; afinal, além de ressaltar a ambigüidade do comportamento de determinados personagens, Preminger opta por jamais mostrar qualquer imagem do estupro e do assassinato que embasam o julgamento encenado, levando o espectador, portanto, a não apenas imaginar os eventos relatados como também a tecer seu próprio juízo de valor acerca da culpabilidade do réu – afinal, a Justiça exercida pelo Estado pode, como em qualquer caso concreto, vir a se manifestar como um ato falho embasado numa utópica busca pela verdade real.
Repleto de diálogos cínicos, o longa-metragem conta com a cumplicidade de atores em estado de graça: James Stewart, como de praxe, mostra grande talento ao enveredar por uma toada nervosa que nas mãos de outra pessoa poderia rapidamente resvalar no exagero, Ben Gazarra com seu semblante duro e boçal entrega o devido tom de mistério pedido pelo papel do acusado, enquanto George C. Scott constroi sem dificuldade a figura do prepotente procurador que tanto contrasta com o advogado boa praça de Stewart. Tantos nomes masculinos de peso, entretanto, são engolidos pela arrebatadora atuação de Lee Remick que transita com imensa sinceridade entre a sensualidade, a falta de caráter, a ousadia, a inocência e a dor, compondo uma personagem de complexidade superior, isso porque sua Laura Manion é quem mais representa a natureza nada é o que parece ser outrora mencionada.
Apesar de suas quase três horas de duração, Anatomia de um Crime é um filme de deliciosa degustação seja em razão dos méritos supracitados seja em virtude da atenção dispensada para os banais e corriqueiros acontecimentos aos quais uma Corte fica sujeita - aspecto esse que, ressalte-se, agrega um bem vindo tom de comicidade a trama.  Para muitos a conclusão da história pode parecer deveras abrupta quando comparada ao seu extenso desenvolvimento, porém, considerando que a intenção de Preminger é deixar o público se questionando sobre a qualidade do veredicto obtido pelos jurados, tal “escorregão” logo se revela justificável, ainda mais se pensarmos que para o cineasta o que importa não é o fim, mas o meio, isto é, a forma com que fatos vão sendo descobertos, bem como a presença ou ausência de ética com a qual são apresentados, daí porque Anatomia de um Crime confere generosa dose de realismo a estrutura narrativa clássica do cinema americano.

COTAÇÃO ۞۞۞۞

Ficha Técnica

Título Original: Anatomy of a Murder
Direção e Produção: Otto Preminger
Elenco: Brooks West (Mitch Lodwick)Ben Gazzara (Lt. Frederick Manion)Duke Ellington (Pie Eye)James Stewart (Paul Biegler)Ned Wever (Dr. Raschid)Lee Remick (Laura Manion)Kathryn Grant (Mary Pilant)Severn Darden (Maida Rutledge) Royal Beal (Sheriff Battisfore)Orson Bean (Dr. Matthew Smith)Russ Brown (George Lemon)Murray Hamilton (Alphonse Paquette)Joseph Kearns (Lloyd Burke)Joseph N. Welch (Juiz Weaver) Brandon Ross (Duane 'Duke' Miller)Jimmy Conlin (Clarence Madigan)Alexander Campbell (Dr. W. Gregory Harcourt)Lloyd Le Vasseur (Court Clerk)Ken Lynch (Sgt. James Durgo)Howard McNear (Dr. Dompierre)Arthur O'Connell (Parnell Emmett McCarthy)John Qualen (Sulo) George C. Scott (Claude Dancer)
Duração: 160 minutos
Curiosidade: Além de Anatomia de um Crime, o designer de cartazes e de abertura de filmes Saul Bass trabalhou em outras duas obras de Otto Preminger: Carmen Jones (1954) e O Homem do Braço de Ouro (1955).
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Ilha de Bergman

Solidão que Nada

Quatro anos antes da morte de Ingmar Bergman a jornalista Marie Nyreröd logrou a proeza de ser recebida pelo cineasta em sua casa situada na ilha de Fårö, no Mar Báltico - costa da Suécia, para a realização de uma série de entrevistas. Originalmente o projeto foi composto por três filmes distintos que juntos somavam quase três horas de duração – material esse que no Brasil chegou a ser apresentado em uma das edições da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Posteriormente, a trilogia fora compactada numa versão de cerca de noventa minutos voltada para o mercado de home-video, sendo esta, portanto, a fonte dos comentários a seguir tecidos.
Como bem sugere o título, A Ilha de Bergman (Suécia, 2004) aborda o amor do diretor pelo lugar no qual viveu por décadas. Neste sentido, Fårö e seu bucolismo permitiram ao artista a prática de um estilo de vida recluso, solitário, no qual o silêncio lhe servia num primeiro plano como plataforma para a libertação de sua criatividade¹ e num segundo instante como palco para os embates travados em sua consciência. Por isso, longe de ser uma simples menção a uma devoção de natureza geográfica, o documentário é um retrato da própria ilha na qual Bergman se transformou,² afinal, enquanto para muitos a solidão seria encarada com pesar, o sueco a via como instrumento de satisfação das suas mais fundamentais necessidades, daí porque nenhum tom melancólico é associado - seja pela entrevistadora, seja pelo entrevistado - a imagem do ancião vivendo – o que hoje sabemos serem seus últimos anos – em absoluta falta de companhia.³
Face o caráter revelador dos depoimentos, Bergman aproveita para comentar obras suas natural e intrinsecamente relacionadas a momentos de sua trajetória pessoal, razão pela qual o filme também funciona como um tour, dos mais prazerosos, sobre a carreira do artista no cinema, no teatro e na televisão. Por fim, no que tange o método utilizado para a captação das imagens, prevalece o formato que antropólogos-cineastas convencionaram chamar de antropologia/cinema partilhado, eis que a tela é dividida tanto por quem pergunta quanto por quem responde, acarretando, desta feita, uma interação entre as partes responsável por garantir os graus de descontração e de intimidade necessários para que defesas pessoais do homem registrado fossem esquecidas e este se desnudasse perante as câmeras, contribuindo, assim, para A Ilha de Bergman se firmar como um fascinante painel sobre um dos mais complexos e cultuados profissionais com o qual a sétima arte já dialogou.
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1.     Não à toa Jean-Luc Godard escreveu: “Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é encontrar as respostas. Nada poderia ser mais classicamente romântico" (Bergmanorama in Cahiers du cinéma, Julho – 1958).
2.     Em certa fala sua, por exemplo, o diretor afirma ter grande apreço pelos moradores da região, dado o respeito manifestado por estes para com sua reclusão, fato esse comprovado pelas mentiras contadas pelos vizinhos quando perguntados sobre o endereço do diretor.
3.     Mesmo assumindo, por exemplo, sua negligência perante filhos e ex-esposas, Bergman não clamava por piedade nem por compreensão, reconhecendo, assim, que o martírio por ele armazenado jamais poderia ser maior que a dor causada aos outros.
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO: ۞۞۞۞
Ficha Técnica
Título Original: Bergman Island
Direção: Marie Nyreröd
Duração: 84 minutos