quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

2 Coelhos

             COELHOS AO MOLHO TARANTINO

 
A nova safra de diretores brasileiros surgida  nos  últimos anos tem buscado inovar através da linguagem e da técnica, e o público parece  tomar gosto pelo cinema made in Brazil. Foi assim com “Cidade de Deus” (2002) de Fernando Meirelles, talvez o maior exemplo desse fenômeno. Esta linguagem e  técnica comum nas produções  americanas, agora utilizados para contar nossas histórias,  arrancam do espectador frases ingênuas do tipo: “nem parece filme brasileiro!!” Se isso é  bom ou ruim, não cabe a mim aqui julgar, mas se o público puder deixar o preconceito de lado com nosso cinema  e prestigiar mais o produto nacional nem que  seja por meio da linguagem empregada , já  é válido.
 
“Dois Coelhos” (Brasil, 2012), do diretor estreante  em longa-metragem Afonso Poyart é um filme de ação que chama atenção pelo visual colorido dos grafismos e cultura pop,  efeitos especiais e a frenética edição combinados com a trilha sonora predominante do Radiohead na cadencia de um roteiro  mirabolante que lembra, entre  outros  filmakers estrangeiros, o irreverente Tarantino.  Há quem identifique influencias do diretor Zack Snyder (Sucker Punch – Mundo Surreal/2011) e Guy Ritchie (Snatch – Porcos e Diamantes/2000), aquele um tanto fantasioso  e este com canos fumegantes  a mais – não chega a ser o caso do nosso coelho.  Bem, a comparação quase inevitável é uma questão de leitura, mas ao mesmo tempo pode sugerir que o produto nacional perde um pouco no quesito originalidade.
Influências à parte, todos estes elementos  incrementam a  narrativa em off sobre a trajetória de Edgar (Fernando Alves Pinto) um bon vivant viciado em sexo e vídeo-game que torna-se um anti-herói em crise existencial e busca redimir-se de suas desenfreadas (literalmente falando) trombadas pela vida. A misteriosa ligação entre a personagem Julia (Alessandra Negrini) e os demais vai se desenrolando ao sabor da narrativa não-linear – estratégia apropriada que consegue  amarrar o espectador  até o desfecho da trama justificando os fins e os meios pretendidos por Edgar. Por outro lado, ficam  algumas lacunas no roteiro que, por exemplo, não deixa claro o papel de Sophia (Aldine Muller), a esposa do deputado corrupto.

 
Com tomadas sofisticadas de uma câmera por vezes  nervosa, e uso frequente  de slow motion,  o filme segura o suspense e o jogo de gato e rato dos envolvidos na trama,  alternadamente  arrancando risos com os diálogos insólitos (tipicamente tarantinescos) somados ao linguajar entre bandidos e mocinhos com pitadas de filosofia. Aliás, aqui bandido e mocinho “é tudo farinha do mesmo saco”, pois as motivações de cada um não justificam um propósito nobre ou heróico. No contexto do filme ladrão que  rouba ladrão não merece  perdão.E a piada maior (e sem graça) é  mostrar como ainda se mantém impune, atuante e bem articulada a corrupção que apodrece as diferentes esferas das instituições brasileiras.
Não se pode negar que “Dois Coelhos” tem um ótimo elenco (destaque para Caco Ciocler e Marat Descartes) e consegue conquistar o público mais jovem pelos seus méritos visuais. No mais é eficiente naquilo que proporciona: entretenimento e a compensação de podermos ver na tela um pouco do Brasil de hoje mesmo que através de uma concepção técnica bem acabada  tipo exportação. 

Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra

O RESGATE DO SOLDADO JOEY

 
Não é  de  hoje que Hollywood  rende-se aos encantos do mundo animal. Vale  lembrar, pelo menos, de alguns  bichinhos com halo de bondade que o cinema americano (re)criou e nessa leva de produções tivemos, por  exemplo, “Bambi” (1942) dos estúdios Disney, “A Coragem de Lassie” (1946) de  Fred Wilcox ,  “O Corcel Negro” (1979), de Carroll Ballard  e também os mais recentes da simpática matilha que inclui  Dálmatas,  Beethoven e Marley. De qualquer forma, todos ganharam status de estrela e caíram no gosto do público.

“Cavalo de Guerra” (2011), de Steven Spielberg, não foge ao cânone animal de Hollywood, e ainda soma o bônus de trazer um animal como protagonista roubando as melhores sequências do filme. Quase um “ator” em cena, o cavalo Joey é  bem dirigido graças ao impecável apuro técnico do midas Spielberg e sua equipe.


Ambientado na Inglaterra (mas nem por isso o filme deixa de ter um forte  americanismo), durante o período da Primeira Guerra Mundial, retrata as desventuras do garoto Albert (Jeremy Irvine)  que tem seu  cavalo de estimação enviado aos campos de  batalha e no caminho vai passando  pelas mãos de vários donos, e sua saga para honrar o nome do pai e reaver o seu animal. E esta empreitada, todos nós, intuitivamente, sabemos como vai terminar. A narrativa vai soltando as pistas da previsibilidade para o espectador. A idéia central do filme é a  força da amizade entre o garoto Albert Narracott e o equino que ele  vê nascer no curral da fazenda -  até  então este primeiro momento de atmosfera bucólica e de paz ameaçada dará lugar ao cenário de horror e crueldade da guerra. Aliás, as sequências de combate entre ingleses e alemães são  grandiosas e bem realizadas com a mesma qualidade – porém com menos sangue e vísceras! – que Spielberg dirigiu  em seu “O Resgate do Soldado Ryan” (1998). 
                                                                                                                                                                       
O cavalo milagroso é colocado num patamar elevado ao ponto de parar o confronto nas trincheiras para que os inimigos, juntos, numa breve trégua, pudessem livrá-lo da morte em meio à centenas de baixas. Parafraseando Umberto Eco, as batalhas do filme deram-se “nos bosques da ficção”, mas ainda assim causa um certo estranhamento a quem assiste a cena. E como numa fábula, o cavalo Joey passa incólume pela linha de tiro até encontrar seu destino final. Triunfalismo americano camuflado? Talvez. 
“Cavalo de Guerra” é um daqueles filmes que cativam pela exuberância da fotografia e das sequências de batalha e comovem pelo conteúdo emotivo e pela bela trilha sonora. Olhos e  coração são fundamentais para completar o filme na sua recepção. Por fim, é inevitável lembrar do clássico “...E o Vento Levou” (1939) nas cenas  finais do filme. Automaticamente vem à mente o Tema de  Tara que eternizou o filme de Victor Fleming em nossas retinas. Propositadamente ou não, uma bela  homenagem ao cinema da era de ouro de Hollywood. 
 
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Pele que Habito

Retorno as Origens
O cinema de Pedro Almodóvar é dividido em duas fases, sendo a primeira composta por obras kitsch, espalhafatosas, nas quais o escracho ditava o tom de histórias bizarras e carregadas de erotismo, como é o caso, por exemplo, de Matador (1986) e Kika (1994). Já a partir de A Flor do Meu Segredo (1995), a atividade do espanhol sofreu uma inversão de predominâncias, daí o melodrama passar a ser a bola da vez em filmes como Fale com Ela (2002) e Abraços Partidos (2009), produções essas que embora ainda trouxessem uma ou outra das excentricidades típicas do diretor, se portavam em grande parte do tempo como trabalhos deveras sisudos.
Após uma fracassada tentativa de retorno àquele universo inicial de sua carreira – qual seja o fraco Volver (2006) – eis que Almodóvar, através de A Pele que Habito (Espanha, 2011), finalmente retorna, em excelente forma, para aquele estilo de narrativa que lhe fora tão peculiar e que lhe alçara ao sucesso de público e crítica.  Dentro deste contexto, após décadas sem filmar com Antonio Banderas, o cineasta recruta, não a toa, o ator símbolo daquele período para protagonizar o longa-metragem, escolha essa que se mostra bastante acertada eis que, além de cair como uma luva na pele um médico à la Dr. Frankestein, as fraquezas de seu personagem ainda estimulam uma prazerosa lembrança para com o seqüestrador também por ele interpretado em Ata-me! (1990).
Quanto ao roteiro¹, cabe dizer que A Pele que Habito denota sim algumas pontas soltas, escorregões esses que, entretanto, não diminuem o brilho de um conteúdo, em sua completude, tão perverso quanto Oldboy (Coréia do Sul, 2003) e tão sexy quanto Instinto Selvagem (EUA, 1992). Neste sentido, amor e morte caminham lado a lado numa trama que além de fomentar relevantes reflexões sobre bioética, ainda revela um senso de humor que a primeira vista pode até parecer involuntário ou deslocado, mas que, na verdade, fora deliberadamente pensado para tornar a experiência ainda mais incorreta e amoral².
Não obstante suas diversas qualidades, A Pele que Habito tem sido incorreta e surpreendentemente subestimado pela crítica especializada que não tem comprado a idéia do filme ser, também, uma espécie de incursão de gênero do cineasta espanhol, mais especificamente pelo terror. Tal recepção, vale dizer, representa um injusto passo atrás na carreira de um profissional tão acostumado a receber prêmios e elogios; tomara que essas opiniões não sejam relevantes ao ponto de fazê-lo novamente abandonar seu antigo modo de fazer filmes.
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1.Como sabido, o roteiro foi reescrito nove vezes.
2.Imprevisível e impactante em reviravoltas cuidadosamente musicadas, A Pele que Habito apresenta, por fim, um happy end ao melhor estilo Almodóvar, tamanha a malícia com que o absurdo é tratado.
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO - ۞۞۞۞
Ficha Técnica
Título Original: La Piel que habito
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado no livro Tarantula de Thierry Jonquet
Música: Alberto Iglesias
Fotografia: José Luis Alcaine
Direção de Arte: Carlos Bodelón
Figurino: Paco Delgado
Edição: José Salcedo
Estreia no Brasil: 4 de Novembro de 2011
Estreia Mundial: 17 de Agosto de 2011
Duração: 117 min.