Retorno as Origens
O cinema de Pedro Almodóvar é dividido em duas fases, sendo a primeira composta por obras kitsch, espalhafatosas, nas quais o escracho ditava o tom de histórias bizarras e carregadas de erotismo, como é o caso, por exemplo, de Matador (1986) e Kika (1994). Já a partir de A Flor do Meu Segredo (1995), a atividade do espanhol sofreu uma inversão de predominâncias, daí o melodrama passar a ser a bola da vez em filmes como Fale com Ela (2002) e Abraços Partidos (2009), produções essas que embora ainda trouxessem uma ou outra das excentricidades típicas do diretor, se portavam em grande parte do tempo como trabalhos deveras sisudos.
Após uma fracassada tentativa de retorno àquele universo inicial de sua carreira – qual seja o fraco Volver (2006) – eis que Almodóvar, através de A Pele que Habito (Espanha, 2011), finalmente retorna, em excelente forma, para aquele estilo de narrativa que lhe fora tão peculiar e que lhe alçara ao sucesso de público e crítica. Dentro deste contexto, após décadas sem filmar com Antonio Banderas, o cineasta recruta, não a toa, o ator símbolo daquele período para protagonizar o longa-metragem, escolha essa que se mostra bastante acertada eis que, além de cair como uma luva na pele um médico à la Dr. Frankestein, as fraquezas de seu personagem ainda estimulam uma prazerosa lembrança para com o seqüestrador também por ele interpretado em Ata-me! (1990).
Quanto ao roteiro¹, cabe dizer que A Pele que Habito denota sim algumas pontas soltas, escorregões esses que, entretanto, não diminuem o brilho de um conteúdo, em sua completude, tão perverso quanto Oldboy (Coréia do Sul, 2003) e tão sexy quanto Instinto Selvagem (EUA, 1992). Neste sentido, amor e morte caminham lado a lado numa trama que além de fomentar relevantes reflexões sobre bioética, ainda revela um senso de humor que a primeira vista pode até parecer involuntário ou deslocado, mas que, na verdade, fora deliberadamente pensado para tornar a experiência ainda mais incorreta e amoral².
Não obstante suas diversas qualidades, A Pele que Habito tem sido incorreta e surpreendentemente subestimado pela crítica especializada que não tem comprado a idéia do filme ser, também, uma espécie de incursão de gênero do cineasta espanhol, mais especificamente pelo terror. Tal recepção, vale dizer, representa um injusto passo atrás na carreira de um profissional tão acostumado a receber prêmios e elogios; tomara que essas opiniões não sejam relevantes ao ponto de fazê-lo novamente abandonar seu antigo modo de fazer filmes.
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1.Como sabido, o roteiro foi reescrito nove vezes.
2.Imprevisível e impactante em reviravoltas cuidadosamente musicadas, A Pele que Habito apresenta, por fim, um happy end ao melhor estilo Almodóvar, tamanha a malícia com que o absurdo é tratado.
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
COTAÇÃO - ۞۞۞۞
Ficha Técnica
Título Original: La Piel que habito
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado no livro Tarantula de Thierry Jonquet
Produção: Agustín Almodóvar, Pedro Almodóvar
Elenco: José Luis Gómez, Eduard Fernández (Fulgencio)Bárbara Lennie, Jan Cornet (Vicente)Elena Anaya (Vera)Susi SánchezFernando CayoRoberto Álamo (Zeca)Antonio Banderas (Ledgard)Teresa Manresa (Casilda)Isabel Blanco, Marisa Paredes (Marilia)Blanca Suárez (Norma)Ana Mena (Norma)
Música: Alberto Iglesias
Fotografia: José Luis Alcaine
Direção de Arte: Carlos Bodelón
Figurino: Paco Delgado
Edição: José Salcedo
Estreia no Brasil: 4 de Novembro de 2011
Estreia Mundial: 17 de Agosto de 2011
Duração: 117 min.
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