sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Passo Suspenso da Cegonha

A POESIA DE THEO ANGELOPOULOS

 
“O Passo Suspenso da Cegonha” (Grécia/ França / Inglaterra, 1991) do cineasta grego Theodoros Angelopoulos é , além de um belo filme, a poesia concebida por meio de palavras e imagens. O título da obra já desperta a curiosidade  do que podemos esperar de uma história sobre buscas, reencontros e desencontros. Entendamos  aqui a busca não apenas pelo outro – um misterioso homem (Marcello Mastroianni) considerado um desaparecido  político, - mas  também a busca por si próprio dentro de um espaço físico adverso e desconhecido, na disposição íntima em obter respostas e  sentido à vida.


O tema  sobre a busca é recorrente na obra  de Theo Angelopoulos assim como a questão do espaço. Os lugares das histórias de Theo são as fronteiras, as demarcações, os limites, as pontes que  separam territórios  distintos e onde habitam ou transitam pessoas rejeitadas ou consideradas como ‘refugo humano’, ou seja, aquelas não aceitas  seja  por questões étnicas, religiosas ou políticas. Portanto, vemos a presente figura dos exilados e expatriados nos espaços fílmicos de Angelopoulos. Neste “espaço suspenso” de Angelopoulos (co)existem gregos, curdos, albaneses, islâmicos, fugitivos haitianos, crianças e mulheres; todos são  personagens na cena do filme e esta problemática  ultrapassa o caos social, a complexa topografia e geo-política, mas   converge  para  questões pessoais e de ressonância universal.

 
O jovem jornalista Alexandre (Gregory Patrikareas) personifica  este eu inconformado com a desarmonia do mundo, parece que ele  sempre  está tentando colocar ou achar a peça que falta  no quebra-cabeça da vida e que  pode ser a busca ou reencontro entre pessoas, a (in)tolerância entre os diferentes, as divergências político-ideológicas  ou até um país em conflito. Uma tarefa por  vezes inglória  e ainda que não resolvida a bom termo, deixa a reflexão sobre o assunto para nós. 
 
A suposta mulher do exilado (Jeanne Morreau) é apenas  uma  das pistas do mistério que  Alexandre tenta  desvendar. Um ponto de contato mesmo que  obscuro, mas que vai conduzindo a  trama até a  marcante cena do reencontro com o homem desconhecido. Será que ele  era realmente o ex-marido a quem ela tanto procurava ou ele  mudou  tão radical e profundamente que nem mesmo ela o reconhecia mais? Paira  essa icógnita. Angelopoulos  não dá respostas, apenas deixa-nos em passo suspenso para  uma reflexão sobre o que  pode vir após a vontade do eu, ou de uma simples tomada  de  decisão a partir do livre arbítrio.
 
Suas  longas sequências conferem  uma beleza ímpar, poética e minuciosamente trabalhadas, ora  silenciosas, ora  permeadas  de  música ou compostas de diálogos  igualmente poéticos que só prendem a atenção.A exemplo disto, a cerimônia de casamento realizada dos dois lados opostos das margens de um rio fronteiriço, sob o temor da patrulha militarizada. Por  outro lado, a poesia se expressa através de cenas cruéis e impactantes de silêncio eloqüente: o travelling  mostrando os vagões  abandonados  de trens improvisados como moradia    dos  refugiados, os rostos sofridos e apáticos  remetem ao holocausto – o que  não deixa  de  ser a visão de um povo sendo sacrificado.
Angelopoulos demonstra  predileção por  ambientes frios e cinzentos com neve, neblina e chuva  em seus filmes, e  essa atmosfera parece igualmente  acentuar a introspecção que  ele  nos sugere. O frio pede aconchego,  contrai  o corpo e nos  voltamos para dentro em todos os sentidos. Será proposital ou coincidência? Ou um simples toque sensorial do diretor?


Angelopoulos sai bruscamente de cena, justamente num período da história mundial em que os conflitos atuais foram magistralmente tratados em seus filmes ora de modo delicado e lírico, ora de forma crua e realista. O cineasta grego fica eternizado em sua  obra como  um  poeta da imagem em movimento e da eloqüência do silêncio. 
  

                                           Theodoros Angelopoulos        * 1935  /  + 2012


Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

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