sábado, 23 de novembro de 2013

Amor Pleno

O ÉDEN REVISITADO DE MALICK


 Como fã de Terrence Malick que  sou, fica difícil comentar sobre seu “Amor Pleno” (To the Wonder/EUA, 2012) sob pena de parecer indulgente demais, porém o que me tranquiliza  é que o diretor de filmes como "Terra de Ninguém"(1973), "Cinzas no Paraíso" (1978) e "A Árvore da  Vida" (2011)  nunca foi  uma  unanimidade do cinema. Neste “Amor  Pleno”, Malick  mostra sua visão muito pessoal (e com toque  autobiográfico) sobre o amor e suas  contradições e tenta esmiuçar o  significado dele através de seus personagens.
 Se no anterior “A Árvore da  Vida”, Terrence Malick também discorreu sobre  o tema amor e  perda,  neste seu “to the wonder” -  numa  tradução  livre algo  como “até  a  maravilha”- , ele volta ao  assunto e propõe uma releitura do Éden mas sem  cair  no óbvio. Nos  primeiros minutos  do  filme ainda  sentimos a  mesma atmosfera da sua “árvore”. É inevitável o aparente dejá vu no espectador, porém Malick não se repete, pelo contrário nos surpreende com o dilema do casal protagonista e do padre em conflito com a própria fé.
 Os  enamorados passeiam por lugares de paisagens oníricas e de beleza  ímpar. Parecem onipresentes através dos sucessivos  takes  rápidos e com edição ágil. Não é casual a escolha  do Monte  Saint-Michel como locação - a construção milenar, lugar-símbolo  da cultura cristã ocidental erguido em homenagem ao arcanjo Miguel. A belíssima  trilha  sonora (com temas de compositores clássicos consagrados) embala o  paraíso  amoroso  dos  personagens reforçando a ideia de um jardim de delícias para  o casal Neil (Ben  Affleck) e Marina (Olga Kurylenko) que  se conhecem em Paris, ponto de partida  do amor entre ambos. No entanto, esse mesmo amor é  colocado  à  prova com a convivência e as contingencias  da  vida a dois. A dúvida e a insegurança de ser estrangeira no país do companheiro fragilizam a relação entre Marina e Neil. Paralelamente, o conflito de convicções do padre Quintana (Javier Barden) expressa a sua busca  pelo amor divino em meio à miséria humana e social .Suas  boas obras e o exercício de  misericórdia parecem insuficientes como demonstração de sua fé em Deus.  É nesse contexto que o amor  divino e o amor humano são  colocados como   discussão principal do filme. 
 Interessante  também notar  a presença de  elementos que remetem à narrativa bíblica do pecado original: a outsider Anna (Romina Mondello) surge de repente na história  como a voz  astuciosa  que incita Marina a provar mais da liberdade, do  sonho e do prazer de ser  o que  quiser, logo  as  consequências  são desastrosas para esta. A própria caracterização do pecado da luxúria denota a ausência do belo. A natureza se  degrada, o domo celeste  que envolve o mundo perfeito quebra e se desfaz como no Éden. Todavia, a solução para o conflito  ocorre   através do perdão  como forma de redenção para que o mundo  e a ordem se restabeleçam  –  aspecto recorrente nos roteiros de Malick. 
                            
É  inegável  que o filme dialoga com alguns trechos bíblicos e em consequência disso a  abordagem de Terrence Malick sobre o amor corre o risco de ser equivocadamente taxada de limitada pelo seu forte teor  cristão  e  ocidental. A temática é universal, atinge a  todos independente  de religião ou da falta dela. Não se esgota e deixa  margem  para outras reflexões. Cinema espiritual ou  metafísico? Na  verdade o amor  pleno de Malick não é apenas um  “filme cabeça” por  assim  dizer, vai muito mais além. É  um filme  para  ser  sentido e visto com os  olhos  do  coração e não somente  com a  razão.
 
 
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

O Som ao Redor

Estado Violência
Intrigante é um adjetivo que bem se adequa a O Som ao Redor (Brasil, 2012). Em sua estreia na direção de longas Kleber Mendonça Filho assina uma história que não se encaixa no formato clássico da narrativa fílmica, tendo em vista, sobretudo, a importância dada ao tempo morto em sua mise-en-scène, o que não quer dizer, porém, que o filme se preste a assumir uma toada contemplativa e/ou silenciosa nos moldes firmados por Antonioni e Bergman, por exemplo.
Na verdade O Som ao Redor se vale de um caprichado trabalho de montagem para arquitetar num crescendo a sensação de que uma tragédia está prestes a ocorrer, o que, frise-se, visa não criar espaço para um clímax cinematográfico – até porque seu desfecho, tal qual a vida real, é deliberadamente anticlimático – e sim lembrar o público da ininterrupta sensação de insegurança experimentada pela classe média brasileira para a qual a obra tanto volta seu olhar. Por seu turno, como o próprio título sugere, a banda sonora possui papel de destaque na medida em que, através de ruídos diversos, invade os lares e cotidianos dos personagens como que a ‘ilustrar’ o medo que não mais é barrado pelas grades e portões das casas e prédios.
Uma vez esclarecido que a distinção de classes de nossa sociedade é fruto de um processo opressor de colonização, o drama direciona seu foco, como já dito, sobre a tão pouco filmada classe média e o faz de uma maneira singular porque praticamente palpável. Neste sentido, em locações pouco adulteradas pela direção de arte, Mendonça Filho espreita de modo quase documental o modo de falar e interagir das pessoas entre seus pares e subordinados e é justamente por abordar de maneira tão franca uma parcela da nação no que tange a instabilidade de seus relacionamentos, seu habitat, comportamento e temores que a realização soa tão cúmplice¹ e também tão incômodo, afinal, como qualquer brasileiro bem sabe, estamos constantemente a mercê de inimagináveis infortúnios advindos do Estado violência no qual vivemos.
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1.     Em compreensão semelhante Roberto Guerra afirma: “O filme mantém-se sustentado em pequenos acontecimentos mundanos, que se revelam ainda mais inquietantes do que aqueles vistos numa trama comum movida à ação e reação. A vida desses personagens, sua atitudes e também apatias e tédios diante das próprias existências são os responsáveis pela dinâmica asfixiante deste filme, por que não dizer, de horror. E o assustador e temerário aqui está na familiaridade que O Som ao Redor desperta na gente” (FONTE: http://www.cineclick.com.br/criticas/ficha/filme/o-som-ao-redor/id/3112. Acesso em 21.02.12).
FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Produção: Emilie Lesclaux
Elenco: Irma Brown, Sebastião Formiga, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, W. J. Solha, Lula Terra, Irandhir Santos, Waldemar José Solha, Yuri Holanda, Clébia Souza, Maria Luiza Tavares
Fotografia: Pedro Sotero                          Trilha Sonora: DJ Dolores
Estreia: 04.01.13
Duração: 131 min.
 
 Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Elena

RECONSTRUINDO ELENA

Assisti  ao  filme  “ELENA” (2012), da diretora  Petra  Costa completamente  “no escuro”,  desarmado e sem quaisquer  expectativas. Não li nem a sinopse antes. As únicas referências  que eu  tinha  era o instigante cartaz com a bela imagem da mulher de vestido florido sob as  águas esverdeadas, os comentários dos  internautas pelas  redes  sociais de que havia uma  forte carga poética e ganhara prêmios no   Festival de  Brasília.
ELENA é  muito  mais  que um  documentário biográfico. É uma  declaração de  amor e talvez uma  demonstração pessoal de como lidar  com a dor  da  saudade. Sim, saudade, pois Petra  Costa, muito  habilmente, não nos passa apenas a ideia de uma Elena que “foi embora” e nunca  mais  retorna. Pelo contrário,  o olhar  da irmã caçula Petra em relação a sua irmã mais  velha vai  amadurecendo e traz de volta a figura desta sua quase heroica  irmã Elena que  tinha  o  sonho de tornar-se  atriz. Sonho  perseguido e alcançado como nos é mostrado através  de  fragmentos de cartas-áudio gravadas em K-7, vídeos caseiros e registros de apresentações do “Grupo Teatral  Boi  Voador” do qual Elena  fez  parte.

 Nesse ritmo, Petra  constrói o grande mosaico de uma  história de vida. Sua tarefa parece desconfortável e árdua,  porém compensadora no plano das  emoções: Reconstruir Elena para  que  sua  memória não se perca entre as tragédias da  vida pessoal e as encenadas pela jovem atriz  nos palcos do teatro. Essa coragem de expor  a  fundo suas  próprias inquietações implica em reacender uma dor, tocar  nas  feridas da alma,  confrontar-se  com os porquês de uma  ausência imposta e sem explicações  convincentes. Toda  essa pluralidade de sentimentos é narrada e  traduzida com grande sensibilidade e poesia que  emocionam e ao mesmo tempo nos arremessam para a  atmosfera da alegria-triste que é a saudade  de ter convivido com alguém muito amado  e  depois ter que seguir a vida às custas  da lembrança – essa palavra  que  a gente aprendeu na escola a classificar como substantivo abstrato  mas  que  dói de  tão concreto e pesado que  é.
 
 A relação entre as irmãs foi  tão  intensa  e simbiótica – a narradora  Petra faz  questão de conjugar o verbo  no presente como se Elena ainda  estivesse neste tempo: Elena é, Elena faz, Elena está... – que suas  personas se confundem em determinado momento da narrativa. Intencional ou não, o recurso da linguagem poética aliada a  excelente edição causa-nos  essa sensação confortante e esteticamente bela.

Revisistar os lugares que Elena viveu e percorrer os mesmos caminhos que ela andou é  outra atitude de coragem  de Petra e sua mãe Li An. Tal ação ultrapassa o mero tom documental.É  como percorrer uma  via crucis dessa paixão de/por  Elena. E o ponto alto desses lugares ora reais, ora virtuais é a representação onírica das mulheres vestidas com roupas floridas submersas no riacho e levadas ao sabor da corrente. Interpretações  à  parte, essa imagem que remete à Ofélia afogada e outras  possíveis leituras  é a arte  como um lenitivo para a dor da saudade. Assim, Petra coloca sua amada Elena no status de arte.

Apaixonantemente belo e ousadamente bem feito,  Petra  Costa  mostra  que  o documentário não é  um  gênero chato ou  preso à  formulas como  muitos ingenuamente acham. Elena é um filme  para  ser  visto e revisto.
 
 
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

domingo, 18 de agosto de 2013

Depois de Maio



A Política e o Íntimo

Sim, Depois de Maio (França, 2012) é um filme político, porém, acima de tudo, é o retrato de um momento de transição em que de jovens idealistas adeptos a qualquer tipo de liberdade, passamos a ser “as pessoas da sala de jantar” cantadas pelos Mutantes, isto é, adultos responsáveis com empregos e/ou tarefas dignas de respeito – ainda que não desejadas – e capazes de pagar as contas ao fim do mês.
Dentro deste contexto, o título do longa-metragem se revela preciso na medida em que volta os olhos para o que ocorrera nos anos seguintes ao maio de 1968 e sua eclosão de revoltas. Para nós brasileiros a obra é até mais oportuna ao passo em que reflete nosso próprio e atual período de rebelião nas ruas da população, principalmente jovem, o que, no mínimo, demonstra que seja qual for o resultado e o legado do que experimentamos hoje, a História é e sempre será cíclica, tornando, portanto, a revolução uma utopia importante que jamais poderá ser considerada vã, porque necessária para alimentar o grito e o eco dos revoltosos.
Dito isso e voltando ao filme, vale frisar que em sendo o protagonista consideravelmente inspirado na figura do próprio diretor e roteirista Olivier Assayas¹, o que se vê na tela é uma abordagem íntima² e escorreita dos assuntos, afinal jamais é possível perceber de sua parte saudosismo ou romantismo³ na retomada do cotidiano de um jovem em meio a rebeldia política do instante e a descoberta da liberdade sexual e da contracultura das drogas. Neste diapasão, o prazer e as consequências são delineados sem que a toada se torne sisuda, daí que extremamente feliz fora o cineasta Walter Salles ao declarar que: “Assayas filma a matéria política com leveza, sem pedagogismos ou nostalgia, o que confere uma qualidade rara a Depois de Maio”⁴.
Por fim, merecem registro e elogios o trabalho de direção de arte simples e ao mesmo tempo certeiro, bem como o competentíssimo elenco.
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1.Segundo Walter Salles: “A raiz do filme é autobiográfica, baseada em um texto luminoso que Assayas escreveu, “Uma adolescência no pós-maio”, uma carta aberta para a viúva de Guy Debord — autor que influenciou profundamente o jovem Assayas” (FONTE: ‘Depois de Maio’, um filme apaixonante In http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-maio-um-filme-apaixonante-8254677#ixzz2avRSbPsh Acesso em 03.08.13). Neste passo, a sequência em que o protagonista faz seu primeiro estágio num estúdio de cinema faz parte da história de Olivier Assayas que assim confessa: “Essa parte é bem pessoal, de quando eu estava trabalhando em Pinewood, na Inglaterra, na equipe de montagem de Super-Homem. Estava lá quando rodaram o fim de Krypton! No estúdio ao lado, Kevin Connor estava fazendo filmes B malucos, com monstros e nazistas” (Revista Preview. Ano 3. ed. 43. São Paulo: Sampa, Abril de 2013. p. 33).
2.Olivier Assayas já havia abordado a década de 70 no elogiado projeto Carlos; segundo o cineasta, este último era “um filme sobre os anos 1970 do ponto de vista geopolítico. Senti falta de descrever aquele período de maneira mais íntima”, daí Depois de Maio ter sido realizado (Revista Preview. Ano 3. ed. 43. São Paulo: Sampa, Abril de 2013. p.32-3).
3.Em sentido parecido Mariane Morisawa conclui que “Assayas mostra tudo com pouco saudosismo, pelo contrário, com um olhar contemporâneo que aponta para a ingenuidade e questões pouco resolvidas como a desigualdade entre homens e mulheres. Acima de tudo, é uma obra moderna na forma de filmar, que oferece uma viagem àquele tempo” (Revista Preview. Ano 3. ed. 43. São Paulo: Sampa, Abril de 2013.  p.60). Por seu turno, Walter Salles complementa:Assayas filma a vibração desses anos de forma radicalmente contemporânea, a câmera solidária a seus personagens, escapando dos perigos de um “filme de época”. Não há exibicionismos, planos ou cenas desnecessários. [...] Não há, também, romantização de um momento em que só o futuro parecia interessar” (‘Depois de Maio’, um filme apaixonante In http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-maio-um-filme-apaixonante-8254677#ixzz2avRSbPsh Acesso em 03.08.13).
4.‘Depois de Maio’, um filme apaixonante In http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-maio-um-filme-apaixonante-8254677#ixzz2avRSbPsh Acesso em 03.08.13.
5.Aspecto esse em que Assayas assumira um enorme risco tendo em vista que, em busca de realismo, optara por trabalhar apenas com não atores, escolhidos enquanto o mesmo passeava pelas ruas da França, sendo que a única exceção neste sentido fora a atriz Lola Creton.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

FICHA TÉCNICA

Título Original: Après Mai
Direção e Roteiro: Olivier Assayas
Produção: Nathanael Karmitz
Elenco: Clément Métayer, Lola Creton, Félix Armand, Carole Combes, André Marcon, Léa Rougeron
Fotografia: Eric Gautier                 Edição: Luc Barnier
Estreia no Brasil: 26.04.13             Estreia Mundial: 19.09.12
Duração: 122 min.

sábado, 18 de maio de 2013

Nuvem 9

  ONDE O AMOR E A PAIXÃO NÃO CONHECEM IDADE

O tema  do amor e do  desejo na velhice  em “NUVEM 9” (Wolke 9) Alemanha/2008, de Andreas Dresen,  é tratado com extrema delicadeza pelas lentes do diretor que também assina o roteiro. O  despertar  da paixão e  de um novo amor em  uma mulher idosa depois de 30 anos  de  casamento é o ponto de partida deste  drama que nos  arremesa  junto com ela ao seu paraíso particular, a este estado de  graça que  sugere  o título do  filme. Porém há  um preço a ser pago para  entrar nele pois não se pode  desligar o sentimento dos  envolvidos nesse transito amoroso num simples apertar de botão. Vale  lembrar  que “Nuvem 9” é  anterior ao polêmico “AMOR” (2011) de Michael  Haneke que  faz a sua  versão  do amor  entre  um casal  de idosos de  forma  muito particular sem deixar  respostas para explicar  o que  é  o  próprio amor. Haneke foi considerado pessimista e doentio por  muitos, mas  eu  o considero um gênio por  não  dourar  a pílula.

 A “nuvem” de Andreas Dresen dialoga  de certa  maneira  com  o “AMOR” de  Haneke no que tange  à  discorrer  sobre  o amor na terceira idade, quando as  forças e o vigor  natural e   gradativamente se vão. Para  muitos não é nada  confortavel  (ante)ver na tela um estágio de vida  em que  todos nós passaremos, e é  nesse ponto que  também ambos os  filmes podem incomodar a platéia muito sensível ou avessa à discussão sobre a finitude da  vida.   Um filme pode parecer mais  otimista que o  outro, mas  em uma  relação a três alguém  inevitavelmente sai perdendo e é    que  a nuvem fica carregada e se transforma  em tormenta para o  casal Inge (Ursula  Werner) e  Werner (Horst Westphal), aliás  dois bons atores em atuações impecáveis.
A imagem do personagem  Werner em  ‘ver a paisagem passar pela janela  do  trem é  sempre  mais  bela  que  a paisagem da  via  expressa’  dá a sensação  de  que  além da  vida  ser muito  breve e  fugaz  as  escolhas  podem  ser  determinantes mas nunca  definitivas.  
 Assistir  ao  filme “NUVEM 9”  me fez  lembrar  do poema “Quadrilha” de Carlos  Drummond de Andrade, mas  no contexto do  filme, mesmo que esse  amor  seja triangular as  possibilidades  ficam em aberto: Werner  que  amava Inge que  amava Karl e que podem amar outrem se o tempo de  vida permitir... 
                                                   
No filme  de Andreas o Eros não se importa  com as  contingências de Cronos e nem  com os  tabus sociais. O amor  transcende sim o físico e o apelo da beleza   juvenil, pois  quando  termina  o vigor  o que  fica  é  o companheirismo, a  cumplicidade, o afeto, a humanidade  que nada mais são que a própria essência  do amor.
  
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Amor

Grito de Angústia
Os filmes de Michael Haneké são naturalmente inquietantes. Em Amor (França, Alemanha, Áustria/2012) o diretor galga novo degrau de uma escalada emotiva na medida em que desperta no espectador medos que este insiste em deixar adormecidos.
Com efeito, o drama de Haneké indica a cada um a possibilidade de um futuro (ou presente) implacável quando configurado nas agruras da velhice. Neste contexto, para quem já houver testemunhado de perto um fim de vida parecido ao engendrado por Haneké, chama a atenção a fidelidade com que o diretor e principalmente Emmanuelle Riva reproduzem o passo a passo de uma vida esvaída pela senilidade. Some-se a isso o claustrofóbico trabalho de fotografia de Darius Khondji e a presença do icônico Jean-Louis Trintignant em performance grandiosa na medida em que mescla perplexidade e resignação, e o que se tem é o retrato duro, cruel da finitude que nos aguarda e nos torna impotentes.
O final ligeiramente em aberto se enquadra numa característica comum a filmografia do cineasta embora nesse caso denote um inegável viés poético trabalhado para atenuar a dor não do público, mas sim dos personagens. Não a toa, portanto, o silêncio que acompanha a subida dos créditos finais reverbera no interior do espectador como um grito de angústia, o que permite a seguinte conclusão: Amor não faz concessões nem teme o incômodo capaz de causar. Nada mais coerente se pensarmos que a morte também assim se comporta, não desperdiçando por vezes a oportunidade de tripudiar em vagarosos passos de degradação do ser.

FICHA TÉCNICA

Título Original: Amour
Direção Roteiro: Michael Haneke

Produção: Stefan Arndt, Margaret Ménégoz

Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell, Ramón Agirre, Rita Blanco, Carole Franck, Dinara Drukarova, Laurent Capelluto, Jean-Michel Monroc, Suzanne Schmidt, Damien Jouillero, Walid Afkir

Fotografia: Darius Khondji

Estreia no Brasil: 18.01.2013          Estreia Mundial: 20.09.2012

Duração: 127 min.
 Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

sábado, 5 de janeiro de 2013

O IMPOSSÍVEL

NOS BASTIDORES DA CATÁSTROFE

O gênero  filme-catástrofe  foi  muito  explorado por Hollywood  e fez  muito  sucesso de bilheteria  nos  anos  70. São  clássicos  como “Inferno  na  Torre” (1974), “Terremoto” (1974), “O  Destino  do Poseidon” (1972) dentre  tantos  que  usaram e  abusaram da  fórmula que  recriava  o  pavor através de  imagens  grandiosas da destruição   material e  humana. Houve  uma  tentativa de retomar o gênero com “TITANIC” (1997), “O DIA DEPOIS  DE  AMANHÔ  (2004) e “2012” (2009), este   acompanhado  do marketing  das falsas  profecias sobre  o fim  do  mundo. Ficou provado que  as  catástrofes naturais ou provocadas pela soberba do homem - não  importa  se  na ficção  ou se  no  outro continente em tempo  real  do  noticiário via  satélite – ainda mexem com o imaginário do público que  vai  ao cinema  buscando  entretenimento.
“O Impossível” (2012) produção espanhola e americana do  diretor  catalão Juan A. Bayona  é  uma  dessas extraordinárias  histórias que parecem tiradas  da  seção ‘Histórias  Incríveis’ da  Reader’s  Digest . É uma  história verídica que levada às  telas do cinema vai além do entretenimento e  dá a grandiosidade e dimensão do que  ela  realmente representa  para a humanidade. Não é apenas  um  filme-catástrofe   com  cenas dantescas e efeitos  especiais de encher os  olhos. Na  verdade, os  olhos  do público se  enchem inevitavelmente de outro modo ao ver as situações limite de uma  família desmembrada violenta e dramaticamente pelo   tsunami de 2004 e que luta para não  morrer em meio ao completo caos. Talvez o  grande  mérito do  filme  seja  o foco do diretor em não  perder-se numa narrativa que se sujeitasse aos apelos  das   cenas de  devastação deixados  pelo desastre   natural  que marcou  o mundo num dia  de natal  de  2004, mas  inteligentemente ele privilegia os   bastidores do dia seguinte daquela  catástrofe  bíblica   mostrando a impotência de uma família e das centenas de  pessoas diante de um acontecimento de tal  magnitude.  Outro mérito do filme é que não se trata de uma ‘tragédia americana’, mas de um evento universal se observado como  um microcosmo onde haviam pessoas de várias partes do mundo. A  história  da  família  do casal Henry e Maria que busca se reencontrar é  apenas  uma  das  centenas de histórias  de sobreviventes da  mesma  tragédia e que  o  mundo  não ficou  sabendo. É bom  lembrar que na adaptação  para  o cinema a família de espanhóis é representada por  uma família britânica.  Dentro desse microcosmo resultado do  cataclismo  prevalece a ideia do objetivo comum do ser humano na busca e esforço mútuo em amenizar o sofrimento e a dor do próximo. Ali  todos são  iguais sejam  europeus, americanos ou asiáticos.
A sequência da chegada do tsunami não  dura talvez  mais  que  15 minutos no filme, no entanto   é de um realismo impactante. Tomadas debaixo d’água e grandes planos abertos aleatórios só tentam  mostrar o que  foi aquele  fatídico dia. Mais  uma  vez a técnica e os efeitos especiais bem dosados a  serviço de uma  boa história  é um dos segredos  do filme.   Outro  bom  momento é a curta participação de Geraldine  Chaplin como a desconhecida  sobrevivente que trava um diálogo sobre a eternidade das  estrelas  com  uma das  crianças da  família. É também uma  das poucas pausas de respiração durante o fundo  mergulho no sofrimento e dor  vividos pelos personagens principais. Vale mencionar  as  ótimas atuações de Ewan McGregor e Naomi Watts que emocionam a plateia  mesmo sem  a ajuda dos “mil violinos” da trilha  sonora que surge para intensificar  a comoção. O elenco  por si só consegue dar o tom e a atmosfera  necessários  à  cena.
"O Impossível" pode ser visto como  o milagre  da  determinação e capacidade do ser  humano de  lutar  pela sua sobrevivência  mesmo em meio a dor  e  a adversidade. E a maior demonstração de humanismo  é a da personagem Mary ao seu filho mais  velho   que  o  faz  refletir no quanto vale a pena se  colocar no lugar do  outro. "O Impossível" é  um ótimo  filme!
 Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)