Cinema
Super e Subestimado
“um paradigma, por ter sido substituído, não perde a
sua validade científica, ele apenas deixa de ser utilizado, cai em desuso. Em
arte (...) a obra não deixa de ter valor por ter sido executada sob
perspectivas passadas. A diferença (...) é que em ciência o pesquisador
descarta mais rapidamente a sua história, os paradigmas são substituídos e
esquecidos mais rapidamente. O referencial histórico tem, nesse sentido um
valor menor, enquanto em arte esse valor histórico é de suma importância, sendo
fundamental para a formação de qualquer artista”¹
Considerado
um marco do romantismo no cinema,
Bonequinha de Luxo (EUA, 1961) ditou moda e estabeleceu um ícone na
filmografia de Audrey Hepburn, qual seja a sofisticada, mas fútil Holly Golightly. Passados mais de cinqüenta desde
seu lançamento, o filme permanece tanto reunindo legiões de fãs quanto gozando
de prestígio entre os críticos, circunstância essa que enseja o seguinte
questionamento: é merecido ainda hoje tamanho sucesso?
Por
certo não, afinal, se as suavizações ao romance de Truman Capote poderiam ser necessárias
em 1961 - época em que o aspecto comportamental da sociedade americana ainda
estava atrelado aos bons costumes da década anterior; quando, portanto, a revolução
sexual e a contracultura das drogas ainda eram realidades distantes -, hoje a
superficialidade com que a história original é abordada depõe imensamente contra
o produto final.
Neste
sentido, embora um certo ar de ambigüidade flutue pelo longa-metragem no que diz
respeito as formas com que o casal de protagonistas garante seu sustento, tal sugestão, vale dizer, é sempre amenizada através
das inserções ora de cenas de puro pastelão ora por diálogos moralistas
indicando peso na consciência dos personagens.
Desta
feita, a prostituta e o gigolô nunca se assumem como tais, preferindo, assim, a
imagem de meros receptores de favores financeiros, o que, infelizmente faz com
que
- os conflitos soem
rasos;
Assim,
tudo é arquitetado para tornar a experiência palatável a um gosto mediano e pouco
interessado em polêmicas², daí a toada infantilóide da direção de Blake
Edwards.
Logo, é possível concluir que Bonequinha de
Luxo mantém uma relevância estética que, infelizmente, não encontra
correspondência quanto a seu conteúdo, isso porque é inegável o abismo de
diferença qualitativa entre a obra e, por exemplo, o hoje esquecido Disque Butterfield 8 (EUA, 1960) que, abordando semelhante tema, compõe um retrato
denso e adulto sobre a vida de uma garota de programa no que tange os reflexos
psicológicos, familiares e afetivos da profissão.
Não fosse o bastante os diferentes
tratamentos dados ao tema em termos de roteirização e direção, a distância
entre projetos a princípio tão próximos quanto ao assunto abordado é acentuada em
razão das diametralmente opostas interpretações de suas respectivas atrizes, visto
que, ao contrário da interpretação abobalhada e fofinha de Audrey Hepburn, Butterfield 8 conta com a exuberante e
melancólica performance de Elizabeth Taylor - laureada na ocasião com seu
primeiro Oscar.
Apesar de lançado apenas um ano
antes de Bonequinha de Luxo, Disque Butterfield 8 não
fincou seus pés no passado como aquele, optando, desse modo, por olhar para
frente e apostar nas reviravoltas sociais que o futuro traria logo adiante. Eis
o injusto caso de obras, respectivamente, super e subestimadas.
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1. ZAMBONI, Sílvio. A Pesquisa em Arte:
Um Paralelo Entre Arte e Ciência. São Paulo: Autores Associados, 1998. P. 36-7.
2.“No romance [original], Holly (...)
tem, por exemplo, uma ‘aventura’ com outra mulher. Os produtores do filme
acharam que tais atributos não eram apropriados à imagem de Hepburn e esses
foram, então, omitidos” (FONTE: 501
Filmes que Merecem Ser Vistos. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009. P. 299.
COTAÇÕES:
Bonequinha de Luxo - ۞۞
Disque Butterfield 8 - ۞۞۞۞
Ficha Técnica – Bonequinha
de Luxo
Título Original: Breakfast at Tiffany's
Direção:
Blake Edwards Produção: Martin Jurow e Richard Shepherd Roteiro:
George Axelrod
Elenco: Darryl Alan Reed (Sally Tomato) Audrey Hepburn (Holly Golightly) Beverly Powers (Miss Beverly
Hills)Annabella Soong (Chinese Party
Guest)Helen Spring (Party Guest)Dorothy Whitney (Mag Wildwood) Stanley Adams (Rusty Trawler) Joseph J. Greene (Mr. O'Shaunessy) Claude Stroud (Sid Arbuck)Patricia Neal (2-E (Mrs.
Failenson))Buddy Ebsen (Doc Golightly)Martin Balsam (O. J. Berman)Mickey Rooney (Mr. Yunioshi) George Peppard (Paul 'Fred'
Varjak)
Música: Henry Mancini Fotografia:
Franz Planer e Philip H. Lathrop Direção
de Arte: Roland Anderson e Hal Pereira
Figurino:
Hubert de Givenchy e Pauline Trigere Edição:
Howard A. Smith
Estreia Mundial: 13.11.1961 Duração: 115
minutos
Ficha Técnica – Disque
Butterfield 8
Título
Original: Butterfield 8
Direção:
Daniel
Mann Roteiro: John
Michael Hayes e Charles Schnee, baseado em livro de John O'Hara
Produção: Pandro S. Berman
Elenco: Elizabeth Taylor, Laurence Harvey, Eddie Fisher, Dina Merrill, Mildred Dunnock, George Voskovec, Susan Oliver, Kay Medford, Jeffrey Lynn, Betty Field
Fotografia: Charles Harten e Joseph Ruttenberg Direção
de Arte: George W. Davis
e Urie McCleary
Edição: Ralph E. Winters Figurino:
Helen Rose
Estreia Mundial: 04.11.1960 Duração:
109 min.
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
Adoro Bonequinha de Luxo, acho um clássico irretistivel, com uma narrativa encantadora.
ResponderExcluirhttp://avozdocinefilo.blogspot.com.br/