Não é exagero dizer: (EUA, 2011) representa para o cinema deste novo século aquilo que Taxi Driver (EUA, 1976) representou no passado. Neste passo, os filmes apresentam narrativas bastante semelhantes cujas reflexões fomentadas traçam, porém e felizmente, trajetórias paralelas.
No filme de Martin Scorcese o protagonista Travis Bickle (Robert De Niro) é um ser solitário que ocupa as noites de insônia trabalhando como motorista de taxi. Ao volante do carro, Bickle convive com aquilo que para ele sintetiza a escória da sociedade americana: prostitutas, ladrões, viciados, cafetões, traficantes e afins, realidade essa que aos poucos transforma a letargia do personagem em repulsa - sensação, aliás, agravada após sua fracassada tentativa de contato com membros da classe social privilegiada, no que se inclui, sobretudo, o interesse romântico afastado em razão do temperamento bruto do motorista.
Convicto de que a cidade toda constitui um esgoto a céu aberto, Bickle deixa que a pscicopatia lhe tome conta e começa a montar um arsenal capaz de exterminar considerável parcela do que lhe desagrada. Curioso, dentro deste contexto, é que sua explosão de violência tem como fim um ato de solidariedade, qual seja o resgate de uma adolescente que se prostituía sob a égide de um inescrupuloso amante. Assim, o que poderia ser compreendido como um ato de barbárie ganha contornos heróicos pela mídia, acarretando, por conseguinte, a aclamação de Bickle e o interesse por parte daqueles que antes lhe voltavam as costas.
Em Drive o motorista lacônico e sem nome interpretado por Ryan Gosling pode a primeira vista parecer diferente do verborrágico Travis, todavia, a solidão enfrentada pelos dois é um fator que lhes aproxima, tal qual o cotidiano violento por eles testemunhado. O personagem de Gosling, por seu turno, assume de imediato uma vida dupla ao trabalhar em meio período como dublê de motorista para produções cinematográficas e outro restante do dia como ‘chofer’ de assaltantes. O contato nutrido com esses tipos criminosos leva o protagonista a aceitar um serviço apenas pela generosidade de livrar de apuros o marido da mulher por quem o primeiro se apaixonara. Logo, é também em razão da bondade que a violência atinge seu ápice em Drive - que, ao contrário de Taxi Driver, não garante ao término redenção de qualquer grau ao personagem principal.
Em ambos os filmes a violência é pontual, irrompendo, não raro, sem aviso explícito. Sua função atinge, contudo, destinos distintos, eis que na obra de Scorcese se busca estudar o comportamento de toda uma sociedade a partir da ótica de uma pessoa, enquanto na produção dirigida por Nicolas Winding Refn a abordagem, em permanecendo restrita aos personagens principais e coadjuvantes, não almeja reflexões sobre o coletivo, daí a distinção entre os términos: Travis Bickle vira herói graças a ignorância ou omissão de um povo quanto a suas próprias mazelas, ao passo que o homem anônimo de Drive segue sendo o ninguém de antes, sem passado e provavelmente sem futuro.
Frise-se, ainda, que os dois longas-metragens vão descortinando camadas e gêneros. Iniciam-se como dramas, adotam, em seguida, a toada do suspense para, já no clímax, transitarem com a faceta do horror, sem largar mão, vale dizer, de uma linguagem pop. Scorcese, por exemplo, imita Hitchcock aparecendo em determinadas sequências e, indo além, coloca nas mãos de Robert de Niro um objeto expressivo como a Magnum 44 e em sua cabeça um icônico corte de cabelo moicano¹. Por sua vez, N. W. Refn, veste seu trabalho com uma roupagem vintage a moda anos 80 e seu ator principal com uma jaqueta reluzente que as costas traz um enorme escorpião, composição visual essa a qual se soma uma palito de dentes pendurado entre os lábios do personagem e um martelo por ele utilizado com tanta crueldade quanto o fez o protagonista de OLDBOY (Coréia do sul, 2003).
No que se refere especificamente a Drive é possível concluir que é justamente ao trabalhar com idéias não necessariamente originais que N. W. Refn demonstra seu talento, afinal, resta nítida sua habilidade em criar emoções novas a partir de plots não inéditos. A tensão, desta feita, é construída com fulcro nos três elementos da trilha sonora – fala, música e ruídos – o que torna este filme de golpe uma experiência tão superlativa quanto o trabalho de Martin Scorcese.
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1.Segundo Paul Schrader não havia qualquer referência a esse corte de cabelo em seu roteiro. Neste sentido, Martin Scorcese teria tomado tal decisão na véspera da filmagem da primeira cena em que Travis Bickle aparece com esse visual, após receber de um veterano do Vietnã a informação de que os soldados adotavam tal corte sempre que pressentiam que não retornariam da missão a ser executada nem volta.
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
Drive - ۞۞۞۞
Taxi Driver - ۞۞۞۞۞
Ficha Técnica – Drive
Direção: Nicolas Winding Refn Roteiro: Hossein Amini, James Sallis
Produção: Adam Siegel, Gigi Pritzker, John Palermo, Marc E. Platt, Michel Litvak
Elenco: Tiara Parker (Cindy) Albert Brooks (Bernie Rose)Oscar Isaac (Standard Guzman)Cesar Garcia (Jose / waiter)Bryan Cranston (Shannon) Chris Muto (Jack)Christina Hendricks (Blanche)Carey Mulligan (Irene)Ryan Gosling (Driver) Russ Tamblyn (Doc)Ron Perlman (Nino) Kaden Leos (Benicio)John Pyper-Ferguson (Bearded Redneck) Jeff Wolfe (Tan Suit)James Biberi (Chris 'Cook')
Estreia Mundial: 16.09.2011
Duração: 95 min.
Ficha Técnica – Taxi Driver
Direção: Martin Scorcese Produção: Michael e Julia Phillips
Roteiro: Paul Schrader Música: Bernard Hermann
Elenco:Albert Brooks (Tom) Peter Boyle (Wizard) Bob Maroff (Mafioso)Robert De Niro (Travis) Harvey Keitel ('Sport' Matthew) Jodie Foster (Iris Steensma)Norman Matlock (Charlie T) Leonard Harris (Senador Charles Palantine) Martin Scorsese (Homicidal Passenger in Travis' Cab) Peter Savage (The John)Cybill Shepherd (Betsy)Maria Turner (Angry Hooker)
Estreia no Brasil: 22.03. 1976. Estreia Mundial: 08.02.1976
Duração: 114 min.
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