A cidade
sempre foi e acredito que sempre será significativa no cinema. O que diferencia
os diversos pontos de vista lançados sobre a mesma em cada nova película que o
tema tem significativa importância no desenrolar da história, é a maneira de
representa-la e seu grau de interferência na vivência dos personagens
representados. A exemplo disso temos o filme “Sinfonia de Paris” vencedor do
Oscar de Melhor Filme em 1952, dirigido por Vincente Minnelli (Gigi, Agora
Seremos Felizes) no qual o ex-soldado americano Jerry Mulligan, representado por
Gene Kelly (Cantando na Chuva, Marujos do Amor), mudou-se para Paris e
tornou-se pintor de quadros que retratam a cidade que tanto admira, e mesmo sem
recursos para manter uma residência digna, este não se mostra nenhum pouco
frustrado ou mesmo preocupado com a realidade que o cerca, muito pelo
contrário, Mulligan distribui sorrisos e simpatia, se dizendo sortudo pelos
amigos que cultivou na vizinhança em que vive.
No
filme não presenciamos nenhum momento em que Mulligan tenha dificuldades para
apreciar o maravilhoso desjejum parisiense, ou mesmo um sequer instante em que
este se comporte de forma pouco ética, sobretudo quando cai nos encantos de Milo
Roberts (Nina Foch), a viúva rica que por admirar o trabalho do pintor, o qual
se mostra tão apegado a suas obras, por jamais acreditar que um dia venderia
alguma de suas telas, decide patrociná-lo. Tudo isso pelo simples fato de ser
um artista, habitante da encantadora Paris que tanto o comove. Situação
contrária a de seu amigo, o concertista de piano desempregado Adam Cook (Oscar
Levant), este sim, revela certo desprazer com a vida que leva na capital
francesa.
Mas
se Paris é bela em qualquer estação, o mesmo não se pode dizer de Buenos Aires
no filme argentino “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” de Gustavo
Taretto (2011). Em seu primeiro longa-metragem, Taretto confirma o que já era
notável em seus curtas-metragens (Hoje Não Estou, Uma Vez Mais) um olhar
apurado para captar a realidade urbana presente em toda grande cidade,
sobretudo a dos países subdesenvolvidos. E por dominar tão bem a essência de
todos os problemas que os grandes centros urbanos apresentam, Taretto logra o
êxito de transformar a realidade em algo encantadoramente belo. No inicio do filme
acompanhamos uma seleção de imagens que nos comprovam o que a narração do
personagem Martín (Javier Drolas) afirma: o crescimento descontrolado e
imperfeito de Buenos Aires, tal seleção e narração são concluídas com a ideia
de que problemas tais como divórcios, falta de comunicação, depressão,
suicídios, neuroses, obesidade, sedentarismo, entre outros tantos, são culpa
dos arquietos e incorporadoras. Além do que, Martín afirma ser acometido por
todos os problemas por ele enumerados, a exceção do suicídio.
Ao
acompanhar o cotidiano, as preferências, gostos e fobias de Martín e Mariana (Pilar López de Ayala),
só podemos ter a certeza que ambos se completam, e esperar o momento em que o
encontro entre eles ocorrerá, e a vilania arquitetônica quase nos deixa sem
esperanças. Mas se a arquitetura e o urbanismo separam, o mundo virtual une e
renova nossas esperanças. Esse é o grande trunfo de “Medianeras”, fazer com que
o espectador se reconheça na realidade proposta pelo filme e imagine que o
mesmo pode se passar na sua própria vida. A proposta é atual e verossimilhante
ao contexto de cidade que conhecemos e as relações virtuais que estabelecemos,
a qual tem como grande vantagem o fluxo de informação e a infinidade de
conhecidos, que não se limitam mais ao seu bairro, escola, círculo familiar ou
de amigos, as possibilidades são indeterminadas, o mesmo não se pode dizer do
contado, limitado aos sentidos da visão e audição.
E
quando se fala em cidade, como não lembrar do conceito utilizado por King
Vidor, em filmes como “A Turba” (1928) e “No Turbilhão da Metrópole” (1931) que
recai sobre as relações sociais estabelecidas nos centros urbanos, por vezes pouco
amistosas e muito competitivas, tornando-se muitas vezes indissociáveis ao simples habitar determinado local.
Semelhante ao que ocorre em “O Homem ao Lado” (2009) longa argentino dos também
estreantes Gastón Dupra e Mariano
Cohn, no qual o designer bem-sucedido Leonardo (Rafael Spregelburg), que
habita, juntamente com sua família, a única edificação de caráter residencial
projetada pelo arquiteto modernista francês Le Corbusier em toda América,
projeto de 1948. Criador do conceito da “Máquina de Morar”, o qual pregava que
a casa deveria ser bonita e confortável, mas também lógica, funcional e
eficiente, perfeitamente apta para atender às necessidades dos ocupantes.
Conceito suplantado pelos arquitetos contemporâneos (não somente argentinos),
segundo a dramática narração de Martín no filme “Medianeras” referido acima.
Mas
“O Homem ao Lado” não quer nos tornar empáticos nem a causa do arrogante e
prepotente Leonardo, muito menos a causa de Victor (Daniel Aráoz), vizinho
inconveniente e grosseiro que tenta de toda maneira rasgar uma janela em uma
das paredes de sua casa, a qual tiraria toda privacidade da residência de
Leonardo, mas lhe traria os raios de sol que tanto alega desejar desfrutar. Nesse
jogo de interesses divergentes, nenhum dos dois em momento algum se apresenta
de forma simpática ao espectador, que não consegue estabelecer uma relação de
identificação, fazendo com que toda aquela situação seja apenas cômica, pois
Leonardo se apresenta cada vez mais desprezível e Victor cada vez mais absurdo.
E levando em consideração que em geral, a caracterização cenográfica das
cidades no cinema, tende a nos transmitir ou complementar características dos
personagens ou simples estados de espírito, vemos exemplos fantásticos da
relação cinema e arquitetura ou urbanismo e o quanto essa relação pode nos
possibilitar películas geniais ou não.
Salma
Nogueira.
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