terça-feira, 1 de junho de 2010

Sonhos


Enquanto David Lynch (O Veludo Azul, O Homem Elefante) nos revela seus mais perturbadores pesadelos no filme “Eraserhead”, Akira Kurosawa nos presenteia com seus mais belos sonhos no filme denominado simplesmente de “Sonhos”. O filme de 1990 é composto por oito episódios independentes, mas que de certa forma se relacionam com certa dose de poesia e beleza. Tais episódios têm as seguintes denominações, respectivamente: “Brilho do Sol Través de Chuva”; “O Pomar do Pêssego”; “A Tempestade de Neve”; “O Túnel”; “Corvos”; “Monte Fuji em Vermelho”; “O Demônio Chorão” e “A Aldeia de Água”.


Sonhos, é um dos últimos filmes dirigidos por Kurosawa em seus 50 anos de carreira, com produção norte-americana, destaque para Steven Spielberg (A Lista de Schindler, E.T – O Extraterrestre). Após ter visto sua obra ser incompreendida pelo público japonês, o diretor tenta o suicídio em 1971, mas o luminoso (Akira = “O Luminoso” em japonês) Kurosawa ainda tinha muito que fazer pelo cinema arte. “Um desses salmões, não vendo outro caminho, empreendeu uma longa jornada para subir um rio soviético e dar à luz algum caviar. Assim surgiu meu filme Dersu Uzala em 1975. Nem eu penso que seja essa uma coisa ruim. Mas o mais natural, para um salmão japonês, é pôr seus ovos em um rio japonês”. Referindo-se ao fato de que sempre se considerou um “Salmão, que jamais esquece o lugar que nasce”. Em 1946 o governo japonês reconhece a contribuição de Kurosawa à cultura.


Talvez por tudo isso que se passou na vida do mestre, a morte esteja tão presente em todos os oito episódios que compões o filme “Sonhos”. O que se confirma com palavras do próprio diretor: “Não há nada que diga mais respeito de um criador do que sua própria obra”. Nessa obra Kurosawa também homenageia seu grande ídolo, o pintor pós-impressionista Vincent Van Gogh, interpretado no filme pelo também cineasta Martin Scorsese (Táxi Driver, Touro Indomável), dedicando um dos episódios (Corvos) inteiramente a ele, episódio no qual, o personagem, alter ego de Kurosawa, caminha entre os dourados campos de trigo sob a sombra dos negros corvos pintados por Van Gogh. Dando-nos uma pequena amostra de um desejo, manifesto, porém irrealizado, filmar a biografia do pintor holandês.


Mas o que prende inteiramente nossa atenção durante as quase duas horas de projeção, é a belíssima fotografia dirigida por Kazutami Hara Saitô e Masaharu Ueda. Algumas cenas parecem verdadeiros quadros pintados à mão. Kurosawa explora muito os planos gerais e nos embriaga com tantas cenas belas. Não tem a menor pressa em nos mostrar as intempéries vividas por um grupo de homens exaustos à procura de seu acampamento no episódio “A Tempestade de Neve”. E se todo mundo fala tanto das famosas cores de Almodóvar (Fale com Ela, Tudo Sobre Minha Mãe), nesse filme eu ressalto as cores de Kurosawa, que tem uma linguagem prórpia e falam por si só, aliadas a igualmente bela trilha sonora dirigida por Shinichirô Ikebe, lembrando que o silêncio funciona muito bem como trilha sonora também. Quanta sensibilidade, pura arte em movimento. Kurosawa tentou a carreira de artista plástico, mas foi reprovado na Escola de Belas-Artes.

Salma Nogueira.


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