Paletó de Madeira Não Foi Feito Pra Malandro
No dia em que completaria 72 anos de idade o malandro Quincas Berro D’Água passa dessa para uma melhor, despertando, assim, uma comoção geral na cidade baixa da Salvador dos anos 50, local onde o falecido colecionou amigos, bebedeiras e histórias.
Inconformados em ver Quincas, o maior de todos os vagabundos, vestindo um paletó de madeira, seus parceiros de pinga surrupiam durante o velório o corpo do de cujus a fim de levá-lo a uma última cachaçada¹, o que acarreta o desespero de parentes do defunto ansiosos por enterrá-lo o quanto antes para que assim seus pares da cidade alta não descubram que um vadio maculava a imagem da família.
Baseado em obra de Jorge Amado, Quincas Berro D’Água é uma esperta comédia de costumes que analisa sem qualquer ar sisudo temas como as diferenças entre classes sociais, além do preconceito ao próximo e a suas opções sexuais, religiosas e/ou ideológicas.
Neste sentido, apesar de tecer críticas sarcásticas sobre os assuntos mencionados, o filme jamais tenta se afastar do apelo popular, abraçando sem qualquer vergonha, tal qual Quincas, o entretenimento como objetivo principal.
E é isso o que garante inegável charme ao trabalho em comento; afinal, mesmo assumindo postura despretensiosa, o longa-metragem logra êxito em passar para a platéia as reflexões incutidas por Jorge Amado em seus livros. Não fosse o bastante, a produção revela, ainda, louvável esmero de sua equipe técnica sobre elementos como fotografia, direção de arte e figurinos, reconstituindo, portanto, com sutil beleza a capital baiana de sessenta anos atrás.
Mesmo que o tom melancólico adquirido no ato final do filme destoe do restante do conjunto, seu impecável elenco atenua a gravidade desse descompasso graças a vibrantes atuações, dentre as quais cabe destacar o simpaticíssimo grupo de amigos vadios de Quincas, bem como sua filha ora recatada ora despudorada interpretada por uma Mariana Ximenes sensual e linda como nunca.
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1. A premissa do cadáver metido em confusões, além de abordada por Jorge por Jorge Amado em 1961 no livro A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, também fora explorada pelo cinema norte-americano no filme Um Morto Muito Louco (EUA, Ted Kotcheff), uma comédia ingênua – e, justamente por isso, charmosa – típica dos anos 80. O sucesso da produção, vale lembrar, lhe rendeu uma sequência que, como quase sempre, nada acrescentou a antecessora.
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://setimacritica.blogspot.com/)
COTAÇÃO - ☼☼☼
Ficha Técnica
Direção: Sérgio Machado
Roteiro:Jor ge Leal Amado de Faria, Sérgio Machado
Produtores: Mauricio Andrade Ramos, Walter Salles
Elenco:Maria Menezes (Lolita )Paulo José (Quincas)Mariana Ximenes (Vanda)Marieta Severo (Manuela)Flavio Bauraqui (Pastinha)Luis Miranda (Pé de vento)Irandhir Santos (Cabo martim)Frank Menezes (Curió)Walderez de Barros (Tia Marisa)Milton Gonçalves (Delegado Moraes)Othon Bastos (Alonso)Carla Ribas (Otacília)Germano Haiuti (Tio Eduardo)Érico Brás (Agenor)Angelo Flávio (Zico)Vladimir Brichta (Leonardo)
País de Origem: Brasil
Estreia: 21 de Maio de 2010
Duração: 100 minutos
Grande Cena: “Caminha Lázaro!”.
Curiosidades:
Salvador também servira de cenário e de personagem em Cidade Baixa, filme anterior do cineasta baiano Sérgio Machado.
O pôster de Quincas Berro D’Água fora inspirado no cartaz de Anatomia de um Crime (EUA, Otto Preminger) que, por sua vez, também já fora homenageado na imagem de divulgação de Irmãos de Sangue, filme de Spike Lee (EUA, 1995).
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