O APOCALIPSE SEGUNDO LARS VON TRIER
Um planeta em rota de colisão com a Terra anunciando uma catástrofe global. Estranhos fenômenos celestes alterando a natureza dos astros e dos animais. Uma festa de casamento e uma noiva flutuando num riacho evocando a pintura pré-rafaelita “O Suicídio de Ofélia”. Chuva de pássaros mortos, de cinzas e de pedras. Citação de números que parecem enigmáticos e místicos. Toda essa sucessão de imagens ao som do prelúdio de Tristão e Isolda, consagrada ópera de Wagner. É com este prólogo repleto de cenas surreais e simbólicas, mas inegavelmente poéticas, que começa “Melancholia”, o mais novo filme de Lars Von Trier, já considerado pela crítica européia o melhor filme do ano.
A atmosfera trágica do roteiro parece dialogar com o apocalipse bíblico cristão e o espectador se sentirá tentado, por vezes, a fazer analogias diretamente com o texto do livro sagrado, porém Lars Von Trier não tem a pretensão em parecer óbvio demais. A aniquilação de tudo vai muito mais além do terrível espetáculo visual da destruição da vida terrena. Faz um outro caminho e toma uma proporção pessoal principalmente na vida das personagens Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg), as duas irmãs que vivem uma relação quase simbiótica não fosse a diferente e particular maneira de cada uma no enfrentamento da vida e da realidade dos fatos.
Não por acaso, Melancholia é dividido em dois capítulos, Justine - parte 1 e Claire – parte 2, um pretexto para esmiuçar a personalidade de ambas. Justine, insegura e imprevisível, é acometida de uma depressão paralisante e é socorrida por Claire que aparentemente é mais equilibrada e forte. E exatamente neste processo de conjunção entre planetas que a postura das irmãs tem uma reviravolta e vem à tona a discussão sobre o medo, o desconhecido, a solidão, a vida e a morte. Há quem veja metaforicamente os dois planetas como a representação das irmãs, porém esta leitura não é mais relevante que o tom áspero e amargo dos diálogos que seguem o filme inteiro atingindo em cheio nossos melindres diante destes temas. E fatalmente somos convidados a deitar neste divã cinematográfico e fazermos uma ligeira análise sobre a existência durante a sessão de cinema.
Em entrevistas, Lars Von Trier declarou que estava acometido de uma profunda depressão no período em que filmou “Anticristo”, e tal estado de ânimo estendeu-se até “Melancholia”. Se a obra reflete este estado de alma do autor encontramos na narrativa um pessimismo existencial tão semelhante quanto aos de filósofos como Schopenhauer e Nietzsche que discutem à exaustão a condição e miséria do ser humano em seus valores e seus rituais de vida.
Melancholia pode ser a visão particular de um apocalipse perante a vida mas também pode ser um ponto de reflexão para cada um de nós que, no recôndito da “caverna mágica”, pode apenas julgar a si próprio e chegar a uma absolvição ou condenação.
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)
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