quarta-feira, 1 de junho de 2011

Fitzcarraldo

Uma Megalomaníaca Declaração de Amor

Conforme esclarece o glossário do livro ... Ismos – Para entender o Cinema, mise-em-scéne é “a composição e a colocação de elementos dentro de um enquadramento individual”¹. Tal conceito, portanto, se funde a noção de decupagem, considerando que esta constitui a etapa da produção na qual são determinados os planos, o quê e de que forma será registrado pela câmera².
Isto posto, a compreensão das referidas técnica e nomenclatura se mostra fundamental para a melhor absorção e análise de Fitzcarraldo (Alemanha Ocidental/Peru, 1982), afinal é justamente através do requinte com que compõe as tomadas – auxiliado, é claro, por seu diretor de fotografia e colaborador habitual Thomas Mauch – que Werner Herzog demonstra que o controle sobre a obra jamais escapara de suas mãos – não obstante o caos que imperava nas gravações, em plena mata, do processo de transporte de uma embarcação de 160 toneladas por sobre uma montanha.
Sim, pessoas morreram durante as filmagens – que, vale frisar, não possuem qualquer retoque ou ajuda do hoje rotineiro chroma key³ – doenças e deslizamentos de lama impunham interrupções e atrasos nas filmagens, índios se ofereciam para dar cabo do endiabrado Klaus Kinski, recursos financeiros passaram a ter de ser levantados pelo próprio diretor, entre diversos outros problemas. Todavia, ainda que a beira de um colapso, Herzog conseguiu manter pulso firme não permitindo, assim, que tantos reveses falassem mais alto que a qualidade deste trabalho cuja natureza épica-obsessiva-megalomaníaca se confunde com o próprio calvário do protagonista, daí, tal qual o amor de Fitzcarraldo pela ópera, o cineasta lograr o êxito de superar todo e qualquer desafio para, ato contínuo, entregar uma declaração de amor a arte e, em especial, ao cinema.
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1.    BERGAN, Ronald. ... Ismos – Para entender o Cinema. São Paulo: Globo, 2010. p. 146.
2.    Para Noel Burch o filme deve ser entendido como uma série de fatias de espaço (o enquadramento de cada plano, fixo ou em movimento) e de tempo (a duração de cada plano), daí poder ser construído um significado cumulativo para a noção de decupagem que, dessa forma, há de ser compreendida como: (a) a planificação por escrito de cada cena do filme, com indicações técnicas detalhadas; (b) o conjunto de escolhas feitas pelo realizador quando da filmagem, envolvendo planos e possíveis cortes; (c) a feitura mais íntima da obra acabada, resultante da convergência das decupagens sobre as fatias de tempo e de espaço. Neste sentido, BURCH, Noël. Práxis do Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1969.
3.    Técnica de processamento de imagens voltada a eliminar o fundo de uma cena para isolar os personagens ou objetos de interesse que posteriormente são combinados com outro cenário.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO۞۞۞۞۞

Ficha técnica
Direção e Roteiro: Werner Herzog
Produção: Werner Herzog e Lucki Stipetic
Elenco: Klaus Kinski, Claudia Cardinale, José Lewgoy, Miguel Ángel Fuentes, Grande Otelo, Milton Nascimento
Fotografia: Thomas Mauch
Música: Popol Vuh
Duração: 157 minutos

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