Noir Futurista
Alphaville (França, 1965) pode até não figurar como exemplo máximo do radicalismo quanto a linguagem adotado por Jean-Luc Godard em trabalhos posteriores como Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela (2 ou 3 choses Que Je Sais d'Elle, 1967) e Prenome Carmen (Prénom Carmen, 1983); todavia, não há como contestar que o longa-metragem é uma inegável concretização do lema “tudo é possível” que embalava a Nouvelle Vague, visto que a obra nada mais é do que uma ficção científica encapsulada numa atmosfera noir (ou vice-versa!).
Além de atestar a originalidade do cineasta para driblar naturais restrições orçamentárias capazes de impedir a utilização de cenários e figurinos requintados, tal fusão de gêneros se mostra como grande trunfo da produção, uma vez que permite a interpretação da história da opressão estatal sobre o cidadão como uma visão tanto do presente quanto do futuro, ratificando, desse modo, o flerte do cinema com a literatura para além da adaptação do livro A Cidade da Dor de Paul Éluard, alcançando, ainda, dada a similitude de temas, autores como George Orwell e seu 1984, bem como Philip K. Dick e sua novela O Homem do Castelo Alto.
Embora a descontinuidade não marque tanta presença no longa-metragem – o que não deixa de ser um alento para quem repudia este cultuado elemento de transgressão do supracitado movimento cinematográfico francês – Godard, em contrapártida, lança mão de uma montagem dividida entre cortes secos e longos planos seqüências oriundos de virtuosos travellings – numa prova de que o cinema de guerrilha não necessariamente padece de falta de técnica.
Se Alphaville possui algum problema, este reside no fato de ser produto da filmografia de um diretor cujos trabalhos fomentam contextualizações e comparações entre si - dadas as diversas fases de experimentação vividas por Jean-Luc Godard. Neste sentido, o filme é encerrado por meio de uma conclusão cuja natureza atabalhoada, se por um lado pode ser encarada como “coisa de Nouvelle Vague”, por outro, destoa completamente da ótica cínica e pessimista com a qual o artista impregnou muitos de seus filmes, face seu viés romântico e esperançoso, daí o tom piegas do término surpreender de forma não necessariamente positiva.
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
COTAÇÃO - ☼☼☼
Ficha Técnica
Título Original: Alphaville, une Étrange Aventure de Lemmy Caution
Direção e Roteiro: Jean-Luc Godard, baseado em obra de Paul Éluard
Elenco: Akim Tamiroff (Henri Dickson)Anna Karina (Natacha Von Braun)Eddie Constantine (Lemmy Caution)
Duração: 99 minutos
Pra que tanto eufemismo, Dario? Também não gostei do final rsrsrsrsrs. Vejo como uma piada do diretor, rindo de nós que apreciamos a inovação. Outra grande piada é existir um condomínio de luxo em SP chamado Alphaville, onde as pessoas podem viver e trabalhar sem nunca ter contato com outras galáxias. O filme tem uma frase que pode iluminar uma vida (ou escurecê-la): "É sempre assim. Nunca se entende nada e um dia morremos".
ResponderExcluir