sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cisne Negro

O Novo Soco no Estômago de Darren Aronofsky

Poucos são os profissionais que conseguem repetir o auge, o momento máximo de uma carreira; no cinema Darren Aronofsky é um deles, pois através de Cisne Negro (EUA, 2010) o cineasta consegue alcançar excelência semelhante a de sua, até então, obra máxima Réquiem Para um Sonho (EUA, 2000).
Ampliando a carga dramática do conceito narrativo abordado em O Lutador (EUA, 2008) Aronofsky, com estupenda eficiência, explora em Cisne Negro novos caminhos em torno da idéia de superação que volta e meia se transforma em obsessão para alguns. Munido de uma câmera intrusa e trepidante, o diretor arremessa o espectador para dentro do filme a fim de, assim, tornar a experiência cinematográfica tão inquietante quanto a jornada da protagonista.
Neste sentido, o roteiro lança mão de personagens radicais em sua essência, quais sejam: a bailarina compulsivamente comprometida com a perfeição - e que lida de maneira titubeante com o lado negro de sua persona -, a mãe opressora que transfere para a filha a necessidade de satisfação de suas frustrações profissionais, a estrela do passado que não admite ser substituída, a bailarina concorrente que ignora qualquer senso ético em prol de seus interesses e o diretor do balé que sem cerimônia cobra favores sexuais das garotas por ele regidas.
Tantas peculiaridades do enredo, por óbvio, dependeriam sobremaneira de intérpretes habilidosos o bastante para suportar tamanha carga dramática, o que é facilmente garantido por meio de um elenco escolhido a dedo, daí porque cada ator/atriz encaixa-se com precisão às pretensões da trama. Dentro deste contexto, merecem destaque as presenças de uma irreconhecível Winona Ryder, de Mila Kunis e Vincent Cassel exalando sexualidade e, logicamente, de Natalie Portman que graças a brilhante performance de uma mulher psicologicamente oscilante confirma em definitivo a grandeza de seu talento.
A qualidade de todos esses elementos, vale dizer, permite que Cisne Negro transite sem dificuldades entre o drama e o terror psicológicos, aspecto esse no qual a tensão serve de constante instrumento de manipulação – no melhor sentido do termo – do público que, não raro, sente o sangue gelar ao longo da projeção.
Por fim, o que mais dizer de uma obra capaz de deixar-nos estupefato com tamanhas beleza e eficácia? Nada além de: assista!  

COTAÇÃO۞۞۞۞۞

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

 

Ficha Técnica

Título Original: Black Swan
Direção: Darren Aronofsky
Elenco: Vincent Cassel (Korolyevna)Toby Hemingway (Tom)Janet Montgomery (Madeline)Patrick HeusingerBeth Laufer (Ballet Benefactor)Mark MargolisWinona Ryder (Beth)Kurt Froman ('Prince' Understudy)Natalie Portman (Nina)Matthew Nadu (Shirtless Club Dancer)Ksenia Solo (Veronica)Tim Lacatena (Ballet Dancer)Sebastian StanKristina Anapau (Galina)Mila Kunis (Lilly)Barbara Hershey (Erica Sayers)
Estreia no Brasil: 4 de Fevereiro de 2011
Duração: 107 minutos

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

M - O Vampiro de Dusseldorf

Obra Multifacetada  

O processo de caça e captura de um serial-killer é o assunto principal de M - O Vampiro de Dusseldorf (Alemanha, 1931). Apesar de aparentemente simples, tal mote funciona apenas como ponto de partida para a criação de uma narrativa que não se contenta enquanto mero suspense policialesco, preferindo, portanto, ir além ao aguçar relevantes reflexões sobre culpabilidade e o papel satisfativo da Justiça.
Mas, antes de adentrar nos significativos aspectos referentes ao conteúdo da obra, merecem registro as inovações técnicas de semelhante importância introduzidas por seu diretor Fritz Lang. Neste sentido, numa época em que a linguagem audiovisual ainda não era plenamente dominada pelos espectadores – ainda que inegáveis os avanços até então já delineados por D. W. Griffith – Lang ousa ao sugerir eventos não mostrados. Assim, a moléstia e o assassinato de cada criança raptada pelo criminoso restam subentendidas por meio da filmagem de balões que se perdem no ar ou de bolas esquecidas no passeio público - revelando, assim, uma espécie de variação do artifício que ficaria conhecido entre os teóricos soviéticos da montagem como Efeito Kuleshov.
A edição de M, dentro deste contexto, se mostra extremamente moderna seja pelo viés da sugestão outrora mencionado, seja por, numa determinada sequência, intercalar cenas das reuniões realizadas por policiais e criminosos em torno do objetivo comum de pôr as mãos no assassino. Desse modo, Lang atribui um caráter ideológico ao filme – postura essa, vale dizer, sempre defendida por Sergei Eisenstein em seus ensaios – afinal, a montagem paralela realizada entrega que lados da moeda supostamente distintos não raro se confundem quando os interesses em jogo são comuns, bem como logra êxito em levanta questionamentos acerca da moralidade que teoricamente caracteriza o Estado e seus representantes – daí muitos perceberem no longa-metragem certo ar profético e ao mesmo tempo amedrontado quanto ao mal que poderia vir a se concretizar – e se concretizou – a partir do domínio nazista¹.
Não fosse o bastante, Fritz Lang aproveita o advento do som no cinema para, ao invés de lotar de diálogo o filme – tal qual a tendência natural daquela época – para lançar Mao novamente do poder da sugestão ao utilizar o assobio do protagonista para que, desta feita, sua presença fosse sentida antes mesmo de presenciada, estabelecendo, por conseguinte, um tema musical específico para um personagem - recurso esse posteriormente chamado de leitmotiv em alusão a técnica recorrente nas óperas².
No que tange sua fotografia, M é um exemplo de esmero quanto a composição de tal elemento, o que pode ser confirmado quando, por exemplo, a câmera praticamente flutua passeando sem cortes no plano-sequência montado para cena filmada na associação de assistência aos desabrigados ou, ainda, através dos contrastes entre preto e branco característicos da estética expressionista – aspecto esse que pode, também, facilmente revelar (haja vista o gênero policial em que se encaixa a produção) uma faceta embrionária daquilo que viria a ser o cinema noir tão popularizado por Lang a partir do exílio vivido em Hollywood após a ascensão do reich alemão.
Esgotados os comentários sobre a tecnicidade de M, resta agora louvar o modo como Lang manipulou o plot central do roteiro para, ato contínuo, levantar reflexões sobre a eficiência do Poder Judiciário. Explique-se: quando o personagem de Peter Lorre é levado a julgamento pelos criminosos da cidade, percebe-se de imediato a natureza inquisitiva do processo, eis que todos já haviam tecido previamente sua própria sentença, nesse caso, condenatória, daí ser fácil perceber que a garantia de um advogado de defesa e do contraditório é dada ao infanticida (estuprador) apenas como forma de aplacar a consciência daqueles que almejam fazer justiça com as próprias mãos.
Nesta toada, os argumentos da “corte”, cabe ressaltar, coadunam sobremaneira com nossa atual realidade, uma vez que, para os acusadores, de nada adiantaria deixar aquele verme ser avaliado pela Justiça, oficialmente dita, pois, ainda que sua condenação fosse bastante provável, a reclusão se daria, por certo, num manicômio de onde o mesmo poderia até ser liberado caso demonstrasse melhora de comportamento. Por que, então, confiar no Judiciário? Quem hoje em dia nunca se fez tal questionamento?
Fritz Lang conduz todos a essa pergunta, até colocar na boca dos figurantes uma única palavra que nos leva a rever conceitos: “- Crucifica!”. Ao lembrar do calvário de Jesus Cristo, Lang deixa-nos sem iniciativa quanto ao ímpeto de condenar apressadamente, concluindo, assim, que lavar as mãos ou realizar pré-julgamentos sem a garantia de contestação ampla e irrestrita constitui ato capaz de confiar perigosa e ditatorialmente o poder entre poucos, o que, via de regra, descamba em erros, barbáries e/ou atrocidades históricas.
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1.    Não a toa o filme originalmente “seria chamado de The Murders are Among Us ("Os Assassinos estão Entre Nós"), o que poderia ser considerada uma referência a um grupo Nazista da época. Com medo de que reconhecessem tal referência, Fritz Lang acabou alterando o título para “M”, da palavra Murders. O filme foi baseado em um caso verídico, do assassino em série Peter Kuerten, na mesma cidade de Dusseldorf do filme, embora o roteiro tenha muitos elementos fictícios, e fale sobre um infanticida que vem aterrorizando as mães daquela cidade (o assassino original não matava crianças)”. FONTE: http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1.
2.    FONTE: Almanaque do Cinema. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009. p. 39

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO - ☼☼☼☼☼

Ficha Técnica
Título Original: M
Direção: Fritz Lang
Produção: Seymour Nebenzal
Roteiro: Paul Falkenberg, Adolf Jansen, Fritz Lang, Thea von Harbou
Elenco: Peter Lorre (Hans Beckert)Otto Wernicke (Inspetor Karl Lohmann)Georg John, Theo Lingen (Bauernfänger)Ellen Widmann (Frau Beckmann)Theodor Loos (Inspetor Groeber)Inge Landgut (Elsie Beckmann)Friedrich Gnaß (Franz)Fritz Odemar, Paul Kemp, Gustaf Gründgens (Schränker)
Fotografia: Fritz Arno Wagner
Duração: 117 minutos

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Carga da Brigada Ligeira

"A Carga da Brigada Ligeira" é um remake do filme homônimo dos anos 30, protagonizado por Errol Flynn e Olivia de Havilland. A produção é baseada em fatos reais e narra a história da Guerra da Criméia - conflito entre Rússia e a aliança de países que envolvia Reino Unido, França, Itália e Turquia. As batalhas começaram após o Czar russo Nicolau I tentar expandir sua influência nos Balcãs, região entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo. Com a desculpa de que pretendia proteger os lugares "santos" dos cristãos em Jerusalém, as tropas russas invadiram os principados Otomanos do Danúbio (atual Turquia). Então, o sultão turco declarou guerra à Russia e recebeu o apoio de vários países. "A Carga da Brigada Ligeira" trata de uma das batalhas entre o Reino Unido e a Rússia. 

O Capitão britânico Nolan (David Hemmings) é um oficial desacreditado de seu comandante, Lorde Cardigan (Trevor Howard). Outro Lorde britânico Raglan (John Gielgud), se junta a eles quando são mandados à Turquia para combater a invasão Russa. Como os três não conseguem chegar a um denominador comum, centenas de soldados da cavalaria são mandados para a morte em uma das batalhas mais desastrosas da história do Reino Unido. 

O filme de Tony Richardson é considerado, ao lado de "Mash" (1970), uma das filmagens mais anti-bélicas do período. Ao contrário do que a maioria dos filmes mostram, o exército não é um lugar glamouroso, nem romântico. "A Carga da Brigada Ligeira" também conta com outra provocação: a Guerra da Criméia foi a primeira batalha a receber cobertura jornalística. O diretor e o roteiro conseguem explorar esse diferencial, que é mostrado na figura de um repórter e um fotógrafo que acompanham as tropas até a batalha final. Na maior parte do filme, o espectador é apresentado às difíceis situações do front e só na última parte é possível ver o enfrentamento entre os países inimigos. 

Essa maneira de "dividir" o filme serviu para desfazer o mito de que se alistar para a Guerra é um ato de heroísmo. A vida dos homens das tropas do Reino Unido é bastante difícil e eles sofrem com as maiores adversidades do meio ambiente e das estratégias de batalha. Apesar de propor essa desmistificação da vida no front, "A Carga da Brigada Ligeira" é um filme apenas razoável. Nos filmes de guerra é necessário que o roteiro seja cheio de surpresas e reviravoltas, mesmo quando é baseado em fatos reais. Caso contrário o filme pode se tornar cansativo e descartável, como é o caso de "A Carga da Brigada Ligeira". 


Ficha Técnica: 

A Carga da Brigada Ligeira (The Charge of the Light Brigade) 
Grã-Bretanha - 1968
Direção: Tony Richardson
Produção: Neil Hartley
Roteiro: Charles Wood 
Fotografia: David Watkin 
Trilha Sonora: John Addison
Elenco: Trevor Howard, Vanessa Redgrave, John Gielgud, Harry Andrews, Jill Bennet, David Hemmings
Duração: 139 minutos

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Volver

   A morte sempre é um assunto largamente abordado na obra do cineasta espanhol  Pedro Almodóvar, mas ele nunca a tratou de maneira tão sensível e delicada como em “Volver” um filme de 2006. A morte sempre dá diferentes resoluções e tem diferentes propósitos na obra de Almodóvar, comparando um de seus primeiros longa metragens “Matador” de 1986, que nos conta a história de um toureiro precocemente aposentado, Diego Montes (Nacho Martínez) e uma advogada, María Cardenal (Assumpta Serna), na qual ambos sentem um estranho prazer sexual na morte. E seu último filme produzido até então, “Abraços Partidos” de 2009, que conta a história de Mateo Blanco (Lluís Homar) que perdeu simultaneamente a visão e sua grande paixão  em um acidente de carro. Passando ainda por obras maravilhosas como “Tudo Sobre Minha Mãe”(1999), “Fale Com Ela”(2002) e “Má Educação”(2004) que utilizam a morte de maneira significativa, dando novos destinos a vida dos personagens.
   Profundo admirador do universo feminino, Almodóvar sempre nos coloca diante de mulheres extremamente fortes e independentes. Sempre buscando meios de homenagear as mulheres em seus filmes, afirmando que sem elas, suas obras não existiriam, admitindo ainda que sua vocação é ser o primeiro espectador delas. Em “Má Educação” ele faz isso, por meio das personagens homossexuais, que travestidos de mulher, expressão seu eu feminino reprimido. Isso, sem falar das famosas cores de Almodóvar presentes desde a cenografia, às vestes e maquiagens das personagens, definindo personalidades distintas e individualmente fortes.
      Em “Volver” não é diferente, e o elenco é inteiramente feminino, sendo que um dos poucos homens que aparecem na história, morre logo no início do filme, mostrando-se totalmente descartável para o desenvolvimento da obra em questão. É o marido de Raimunda (Penélope Cruz), uma jovem mãe que exerce vários trabalhos para sustentar a casa, o marido bêbado e desempregado e a filha adolescente. Raimundo é a irmã mais nova de Sole (Lola Dueñas), uma mulher que vive sozinha desde que o marido a abandonou para fugir com uma das clientes do salão de beleza ilegal que Sole mantém em casa. Ambas são filhas de Irene (Carmen Maura), a qual acreditam estar morta. Há ainda, Agustina (Blanca Portillo) prima de Raimunda e Sole, a qual busca notícias do paradeiro da mãe desaparecida.
   Com um roteiro brilhante do próprio Almodóvar, ele nos mostra que a morte pode sim dar caminhos inesperados a vidas talvez desinteressantes. “Volver” desenvolve o que Almodóvar faz de melhor, nos mostrar dias extraordinários, no cotidiano de mulheres totalmente possíveis. Abusando da sensualidade e do poder que suas atrizes têm de conquistar o público, Almodóvar nos emociona mais uma vez, com uma história cruel, como várias que ele imortalizou, mas que certamente poderiam ser reais.
    

Salma Nogueira.