domingo, 21 de novembro de 2010

Kaspar Hauser / Homem Elefante

Freaks em Foco
 
Os chamados freaks, pessoas consideradas aberrações por conta de suas debilitadas constituições físicas e/ou mentais volta e meia¹ servem de argumento para produções cinematográficas. Neste sentido, duas obras, baseadas em fatos reais, destacam-se ao adotar tal temática, são elas: O Enigma de Kaspar Hauser (Alemanha, 1974) e O Homem Elefante (EUA /Reino Unido, 1980).
Não obstante a similitude dos sofrimentos vividos por tais figuras - ambos, por exemplo, passaram pela humilhação de serem expostos em circos de horrores - o elemento que tornara Kaspar Hauser e John Merrick repulsivos perante a sociedade acaba sendo o fator de diferenciação entre eles; afinal, o primeiro, apesar de não ser acometido de qualquer  deformidade estética, possuía o comportamento de um bicho, graças aos dezoitos anos de isolamento vividos em uma espécie de calabouço, ao passo que o segundo passara a ser chamado de homem elefante em virtude do aspecto monstruoso que seu corpo e principalmente seu rosto assumiram em função de uma grave e rara doença hoje diagnosticada como neurofibromatose múltipla.
De qualquer forma, muito embora ambos demonstrassem plenas capacidades de socialização, apresentando, neste passo, relevantes progressos em seus comportamentos perante aqueles que os rodeavam, haveria sempre quem os, pretensiosamente, lembrasse de que não passavam de aberrações, seres grotescos, o que acabaria por arraigar a desgraça em suas vidas e a tornar-lhes precoce a fatalidade reservada a todos.
No que tange a abordagem fílmica destes homens, enquanto Werner Herzog, diretor de Kaspar Hauser, elaborou um longa-metragem tão estranho quanto seu personagem título, David Lynch aproveitou para realizar um drama sensível ao contar a história de J. Merrick.
Kaspar Hauser, desta feita, é um exercício testemunhal no qual Herzog opta por deixar que os fatos falem por si mesmos, razão pela qual o cineasta se limita a tecer um olhar contemplativo – quase que sem música –, lançando mão do contraste entre a beleza das paisagens filmadas e a dramaticidade dos eventos que marcam a vida do protagonista.
Por sua vez, O Homem Elefante se vale de uma concepção visual clássica, no que se destacam a bela fotografia em preto-e-branco e a edição em fades. Dentro deste contexto, Lynch adota uma linearidade que, sem dúvida, representa em sua filmografia a via da exceção.
Abandonando, assim, as trucagens e simbologias complexas que em outros trabalhos desafiavam o raciocínio do espectador Lynch compreendeu que a história de seu protagonista dispensava tais artifícios, concentrando-se, portanto, na humanização daquele, o que é feito com tamanha honestidade que em momento algum se mostra como sinônimo de manipulação do público, destacando-se, ainda, neste diapasão, a colaboração de John Hurt que, mesmo escondido sob pesada maquiagem, entrega uma atuação tocante.
Por isso, O Homem Elefante logra êxito naquilo que falta a Kaspar Hauser: causar emoção, levando a platéia a sentir vergonha alheia pelo tratamento dispensado a J. Merrick, o que inevitavelmente acarreta uma bem-vinda releitura de conceitos particulares.
Se, entretanto, a intenção de Herzog não fora emocionar – talvez por receio de soar maniqueísta – mas apenas relatar, o objetivo, por certo, restou cumprido; o problema é que ao término do filme fica a sensação de que algo faltou a Kaspar Hauser. Sensibilidade? David Lynch com certeza diria que sim.
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1.    Ou, para ser mais preciso, desde 1932, ano de produção de Freaks, filme hoje considerado um clássico cult, mas que a época de lançamento fora considerado uma autêntica aberração por trazer um elenco composto por deficientes reais, o que acabou por custar a carreira do diretor Tod Browning.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÕES:
O Enigma de Kaspar Hauser - ☼☼☼          
O Homem Elefante - ☼☼☼☼

Ficha Técnica - O Enigma de Kaspar Hauser
Título Original: Jeder für sich und Gott gegen alle
Direção e Roteiro: Werner Herzog
Elenco: Hans Musäus (Unknown Man)Franz Brumbach Wilhelm Bayer (Taunting Farmboy)Wolfgang Bauer Volker Prechtel (Hiltel the prison guard)Gloria Doer (Frau Hiltel)Marcus Weller Johannes Buzalski Helmut Döring (Little King)Walter Ladengast (Professor Daumer)Brigitte Mira (Kathe, Servant)Willy Semmelrogge (Circus director)Clemens Scheitz (Escrivão)Bruno Schlierstein (Kaspar Hauser)Michael Kroecher (Lord Stanhope)
Duração: 109 minutos

Ficha Técnica - O Homem Elefante
Título Original: Elephant Man, The
Direção: David Lynch
Roteiro: Christopher De Vore, David Lynch, Eric Bergren, Freddie Francis, Patricia Norris (Baseado em livro de Sir Frederick Treves e Ashley Montagu)
Elenco: Michael Elphick (Porteiro) Gerald Case (Lord Waddington)James Cormack (Pierce)Robert Lewis Bush (Robert Bush) Dexter Fletcher (Bytes's Boy)John Gielgud (Carr Gomm)William Morgan Sheppard (Morgan Sheppard)  Marcus Powell (Midget)Orla Pederson (Skeleton Man)Kenny Baker (Plumed Dwarf) Lesley Dunlop (Nora)Caroline Haigh (Tree)Carol Harrison (Carole Harrison)Beryl Hicks (Fairy)Wendy Hiller (Mothershead) Lydia Lisle (Merrick's Mother) Phoebe Nicholls (Merrick's Mother) Helen Ryan (Princess Alex)Lisa Scoble (Siamese Twin)Hannah Gordon (Mrs. Anne Treves) Gilda Cohen (Midget)Teresa Codling (Princess in Panto) Kathleen Byron (Lady Waddington)Anne Bancroft (Mrs. Kendal) Sir Frederick Treves (Alderman) John Standing (Dr. Fox)Nula Conwell (enfermeira Kathleen) Tony London (Young Porter)John Hurt (John Merrick)Freddie Jones (Bytes) Richard Hunter (Hodges)Anthony Hopkins (Dr. Frederick Treves)
Música: John Morris
Fotografia: Freddie Frances
Direção de Arte: Robert Cartwright
Figurino: Patricia Norris
Edição: Anne V. Coates
Estreia: 22 de Dezembro de 1980
Duração: 120 minutos
Curiosidades:
“O diretor Mel Brooks foi um dos produtores executivos de O Homem-Elefante, tendo sido o responsável pela contratação de David Lynch e pela decisão em filmar em preto e branco. Entretanto, para evitar que o público considerasse que o filme fosse um sátira pela simples presença de seu nome, Brooks pediu que não estivesse presente nos créditos do filme.
O diretor David Lynch chegou a tentar ele mesmo fazer a maquiagem do Homem-Elefante, mas desistiu após concluir que não conseguiria fazê-la de forma satisfatória.
A maquiagem do Homem-Elefante levava 12 horas para ser feita a cada vez que era aplicada em John Hurt” (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Homem_Elefante).

domingo, 14 de novembro de 2010

Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo

Realidade x Ficção

Uma informação é vital para a melhor compreensão de Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo (Brasil, 2010): o filme foi estruturado a partir de cenas não aproveitadas do curta-metragem documental Sertão de Acrílico Azul Piscina (Brasil, 2004) de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz que também assinam o roteiro e a direção da obra em comento.
Dito isso, cabe concluir que a obra pode ser caracterizada como um road movie sertanista de caráter experimental, uma vez que todo seu enredo é contado através da narração de um protagonista que jamais aparece em cena. Tal artifício, neste sentido, revela-se de grande valia no que tange uma das principais metas da produção, qual seja a demonstração do vazio e da monotonia que tomam conta do homem que cai na estrada sem ter muito por quem, pelo que ou para onde retornar.
Desta feita, o experimento semelhante antes trabalhado em Cinema, Aspirinas e Urubus (Brasil, 2005) - respectivamente escrito e dirigido pelos mesmos Karim Aïnouz e Marcelo Gomes - ganha em Viajo Porque Preciso... contornos muito mais radicais, deixando, o espectador, por certo, ainda mais inquieto com a falta de perspectiva de uma narrativa assumidamente satisfeita com seu caráter contemplativo.
Considerando que o trabalho fora manejado a partir de filmagens pretéritas do cotidiano nordestino – logo, não encenadas –, os cineastas aproveitam para, dentro deste contexto, levantar nova poeira no que concerne a infindável – mas jamais inócua – discussão entre os limites da ficção e do documentário. A realidade, desse modo, se funde a criação artística, assim como o cansaço do personagem se confunde com o do público.
É uma pena, portanto, que para alcançar tal objetivo os supracitados diretores tenham optado por estender a proposta da forma para além do que a paciência alheia tolera. Assim, tal qual o filme de uma piada só, Viajo Porque Preciso... se estende muito mais do que deveria, razão pela qual seu, teoricamente, curto tempo de duração de 70 minutos vai aos poucos se mostrando uma árdua missão a ser encarada.
Por óbvio que a audácia, a ousadia dos artistas em criar um produto acima de tudo autoral merece ser saudada dada a inconteste coragem dos mesmos em ignorar por completo as restrições do mercado nacional perante tais iniciativas. Porém, uma vez garantidas as devidas ressalvas, fica a incômoda impressão de um conjunto que, por não ser sucinto, acaba sobreposto pela idéia conceitual¹.
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1. Neste diapasão, Jorge Furtado demonstrara com maestria no curta-metragem O Sanduíche (Brasil, 2000) como, por exemplo, trabalhar de maneira despojada e, por isso, divertida a influência da ficção no documentário e vice-versa, obra essa que, por certo, logra êxito em ensinar aquela que talvez seja uma das principais lições de um artista: até onde/quando trabalhar uma idéia sem que o limite da mesma seja esgotado.
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO: ۞۞۞

 

Ficha Técnica

Direção: Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Roteiro: Eduardo Bernardes, Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Produção: João Vieira Jr. e Daniela Capelato
Elenco: Irandhir Santos
Estreia no Brasil: 19 de março de 2010
Duração: 71 minutos

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Turba






"O mundo irá falar deste menino": esta foi a primeira frase que o pai de John Sims (James Murray) disse quando ele nasceu. E é exatamente sobre isso que A Turba trata: a busca pelo reconhecimento, pelo crescimento na vida profissional e social; King Vidor vai mostrar se John Sims vai ou não se tornar um homem histórico. Recém chegado a Nova York, John Sims é apenas mais um na multidão da cidade e mais um em busca de alcançar um futuro brilhante. Após algum tempo em Nova York, John se casa com Mary (Eleanor Boardman). O marido não ganha muito no escritório onde trabalha, mas garante à Mary que "o amanhã será brilhante". Vários anos depois, John continua com a mesma premissa e a família não vê nada melhorando. 

A Turba poderia caminhar para dois lados distintos: poderia abordar com muita ênfase a questão da massa: John Sims é mais um tentando conquistar um futuro satisfatório, sustentar a família e viver dignamente. Ou poderia abordar o lado romântico: o casamento, que seria uma fuga, se transforma em mais uma responsabilidade para o personagem. King Vidor conseguiu abordar dois temas muito atuais de maneiras iguais: em alguns momento a questão da turba, da multidão merece destaque, já em outros, o diretor aborda a questão do matrimônio e suas implicações. Além da abordagem, King Vidor conseguiu feitos imensos na questão técnica do filme. 


O diretor transforma os altos arranha-céus de Nova York, em extensas salas de escritórios, em que todos estão alienados e fazem a mesma coisa todos os dias, sem nenhum senso crítico; talvez em meio àquelas tantas pessoas, várias teriam a mesma vontade de John Sims, crescer na vida e acreditar no "american way of life". Essa questão de abordar o capitalismo e o modelo americano foi muito pertinente à época: os Estados Unidos mergulhavam na maior crise econômica de todos os tempos. A sociedade, o estado, tudo estava arrasado. E A Turba mostra isso me maneira muito poética: o filme estabelece um contraponto entre os altos prédios e o desemprego; entre a tristeza dos empresários que perdiam tudo e o descontentamento daqueles que nunca tiveram nada. Apesar de ter sido filmado em 1928, o filme continua muito atual em todos os aspectos. 

A Turba é um dos melhores filmes mudos já realizados. A técnica do diretor, o roteiro, a abordagem sobre os aspectos econômicos e matrimôniais, a sabedoria em explorar um período tão difícil para uma nação, fez de A Turba um filme obrigatório. Mais obrigatório ainda, por não se deixar levar pela emoção do momento. E por ser um filme muito pé no chão; o que difere da maioria das produções da época. 

Ficha Técnica: 

A Turba (The Crowd) 
Estados Unidos - 1928 
Direção: King Vidor 
Produção: Irving Thalberg 
Fotografia: Henry Sharp 
Roteiro: John A. Weaver 
Trilha Sonora: Carl Davis 
Elenco: Eleanor Boardman, James Murray, Bert Roach, Estelle Clark, Daniel G. Tomlinson, Dell Henderson, Lucy Beaumont, Freddie Burke Frederick, Alice Mildred Puter 
Duração: 98 minutos

            Carolina Klautau

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Viridiana / A Religiosa

Naturezas Corrompidas

                          A vocação religiosa talvez nunca tenha sido tão defenestrada quanto em Viridiana (Espanha, 1961), clássico do mestre Luis Buñuel. Em meio a ansiedade experimentada nos dias que precediam a celebração dos votos que lhe permitiriam a almejada entrada para o convento, a personagem-título vê seus sonhos ruírem após receber a falsa revelação de que teria sido violada durante o sono.
Acreditando em tal mentira, Viridiana reconhece-se impedida para a transformação em freira, o que, contudo, não lhe retira o desejo de prestar ajuda ao próximo, razão pela qual a mulher acolhe em sua casa um razoável número de desabrigados, num ato de assistencialismo que no futuro se volta contra a mesma quando acaba sendo abusada por aqueles mesmos a quem ajudara antes.
Desiludida com o homem e com a própria crença em Deus, Viridiana se entrega ao pecado quando cansada de lutar contra a natureza amarga dos que lhe cercam cede às súplicas carnais de um primo que a insere num subentendido ménage-a-trois.
Se Viridiana aguardava a vida cristã, a personagem Suzanne do filme A Religiosa (França, 1966) - adaptação da obra do iluminista Denis Diderot comandada por Jacques Rivette -, por outro lado, não cansa de assumir sua total falta de vocação para com o ofício de uma freira – não obstante sua inabalável fé no Pai.
Desprovida do direito de escolha em razão de sua origem bastarda, Suzanne é literalmente trancafiada em conventos nos quais é submetida a torturas físicas e psicológicas, além de investidas sexuais por parte de madres superiores.
Quando através da fuga obtém a rogada liberdade, Suzanne percebe que a colaboração recebida por parte de um padre não era gratuita, mas também fundada em pretensões nada celibatárias. Determinada a manter-se livre, a protagonista escapa mais uma vez, ficando nas ruas a mercê de aliciadores que a encaminham para a prostituição. Resignada com a falta de opções para sua sobrevivência, Suzanne finalmente entrega os pontos, mas não sem antes clamar para que sua suposta fraqueza fosse devidamente perdoada por Deus.
Respectivamente obras do cinema surrealista e da Nouvelle Vague, Viridiana e A Religiosa tecem, como visto, profundas críticas contra posturas e dogmas da Igreja católica, motivo pelo qual ambas as produções foram alvo de censura em países à época geridos por governos ditatoriais como, por exemplo, Espanha e Brasil.
Neste sentido, apesar da inconteste polêmica envolvendo os questionamentos religiosos levantados, o alcance dos dois trabalhos vai além da desmistificação cristã ao retratarem com imensurável riqueza de detalhes a crueldade que marcara as tão desgraçadas trajetórias de suas protagonistas, revelando, desta feita, uma denúncia maior contra o poder, a capacidade que o meio, a sociedade tem de corromper a natureza humana em sua individualidade, temática essa que, por conta de sua universalidade e atemporalidade, justifica o frescor e vitalidade ainda gozados pelos dois longas-metragens.
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÕES:

Viridiana - ☼☼☼☼             

A Religiosa - ☼☼☼☼

Ficha Técnica – Viridiana
Direção: Luis Buñuel
Produção: Gustavo Alatriste
Elenco: Luis Heredia (mendigo)María Isbert (mendiga)Lola Gaos (mendiga)Joaquín Roa (mendigo)Teresa Rabal (Rita)Victoria Zinny (Lucia)José Manuel Martín (mendigo)Margarita Lozano (Ramona)José Calvo (mendigo)Fernando Rey (Don Jaime)Francisco Rabal (Jorge)Silvia Pinal (Viridiana)
Duração: 90 minutos

Ficha Técnica – A Religiosa
Titulo Original: La religieuse
Direção: Jacques Rivette
Roteiro: Jean Gruault, Jacques Rivette
Elenco: Anna Karina, Liselotte Pulver, Micheline Presle, Francine Bergé, Francisco Rabal, Gilette Barbier, Annik Morice, Jean Martin, Marc Eyraud, Charles Millot
Duração: 135 minutos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Palavra

Um fazendeiro viúvo, muito religioso, tem três filhos. O mais velho é ateu; o do meio foi estudar para ser padre, mas após várias crises ele acredita que é o próprio Jesus Cristo e o mais novo quer se casar com a filha do alfaiate da cidade. O único problema é que ela é outra religião. Tudo poderia ser simples, mas a maneira de filmar de Dryer e os assuntos abordados no filme mudam todo o significado da obra.


A Palavra pode ser acusado de ter envelhecido em alguns aspectos, porém, eles se tornam detalhes dentro do contexto e da exploração do tema: religião. É irônico um pai super religioso, desejar que um dos filhos siga a carreira da igreja e, de uma hora pra outra, ele acredita que é Jesus Cristo e o pai não fica "satisfeito" com o que aconteceu. As personagens de A Palavra são todas secas e frias; chega até a ser incômodo imaginar que aquelas pessoas tão distantes sejam parentes. Com exceção de Ingrid, mulher do filho mais velho, que pode ser encarada como o elo entre todos os personagens. Ingrid carrega toda a família nas costas.


Mas é preciso que o espectador esteja preparado para assistir a esse filme. Por vários momentos Carl Dryer chegou a ser reverenciado por críticos e ao mesmo tempo ser acusado de tedioso. É verdade que A Palavra segue um ritmo lento, desalecerado, quase parado... O espectador deve comprar a ideia do diretor, se quiser entender a mensagem principal do filme. A Palavra não é um filme que diverte, mas ele faz pensar em temas bastante polêmicos e muito atuais.

A verdade é que a maioria dos críticos ficam divididos em dois momentos quando vão julgar o filme: analisar a beleza, a estética da obra ou pensar o filme como entretenimento? Se pensarmos pela primeira perspectiva, A Palavra é impecável. Se analisarmos pela segunda, o filme torna-se torturante (mas com algum envolvimento). A Palavra tem uma das fotografias mais belas da história do cinema: os tons de preto e branco, o posicionamento da câmera, a movimentação dos personagens em cena... É com certeza uma referência no assunto. Já pelo ângulo do entretenimento, é muito difícil assistir A Palavra sem sentir uma pontada de tédio, de vontade que tudo se resolva. Mas em alguns desses momentos, principalmente quando o filme vai se encaminhando pro final, torna-se obrigatório insistir e ver o ápice da obra.

Se uma palavra pudesse definir o filme seria: densidade. Qualquer aspecto levantado pelo diretor, é passível de várias interpretações e de análises muito ricas. A religião ou a falta dela, o misticismo, a vida após a morte, os costumes, a instituição família. São muitos pontos interessantes para prestar atenção e discutir. Mas a verdade é que é preciso estar disposto para assistir A Palavra. O filme é tedioso e permite divagações, mas está classificado entre aqueles filmes em que o melhor é o depois, quando todas as questões levantadas se organizam e o espectador fica um bom tempo tentando digerí-las.

Ficha Técnica:

A Palavra (Ordet)
Dinamarca - 1955
Direção: Carl Theodor Dryer
Produção: Carl Theodor Dryer, Erik Nielsen, Tage Nielsen
Fotografia: Henning Bendtsen
Roteiro: Kaj Munk (autor da peça em que o filme é baseado)
Trilha Sonora: Poul Schierbeck
Elenco: Hanne Agensen, Kirsten Andreasen, Sylvia Eckhausen, Birgitte Federspiel, Ejner Federspiel, Emil Hass Christensen, Cay Kristiansen, Preben Ledorff Rye
Duração: 126 minutos

            Carolina Klautau