quinta-feira, 22 de julho de 2010

Amor à Flor da Pele



“Amor à Flor da Pele” (In The Mood For Love) é a mais bela fotografia da grandiosidade e sutileza do cinema oriental. Essa película de 2000, dirigida pelo chinês Wong Kar-Wai (Amores Expressos, Cinzas do Passado), nos conta uma história que se passa na década de 60, protagonizada por um jornalista, o Sr. Chow (Tony Leung Chiu-Wai) e uma secretária, a Sra. Chan (Maggie Cheung Man-Yuk). Vizinhos que se mudam exatamente no mesmo dia e hora para uma tumultuada pensão em Hong Kong. Ambos são casados, porém igualmente sozinhos, tentando manter ambos os matrimônio, sem a equivalente participação dos respectivos companheiros. Pelo menos é o que parece, analisando ambas as relações a partir do ponto de vista do Sr. Chow e da Sra. Chan.

A começar pela belíssima música de Nat King Cole, a qual se torna recorrente a partir de certo momento dos aproximadamente noventa minutos de projeção, não tanto quanto a igualmente bela “Yumeji’s Theme”, que acompanha os personagens do início ao fim da obra, nada no filme se apresenta com absoluta certeza. Tudo é incerto e questionável, por isso: “Quizás, quizás, quizás”... Em seguida vem a suspeita de que possivelmente o marido da Sra. Chan e a esposa do Sr. Chow, estivessem tendo um caso, a partir de evidências praticamente irrefutáveis e absurdamente coincidentes, porém completamente incertas. Ao Sr. Chan e a Sra. Chow, também não são dadas feições, de ambos só se ouve a voz e tem-se o conhecimento de que estão sempre viajando a trabalho. Eles podem ser qualquer um, tal articulação foi brilhantemente pensada para não desviar o foco dos protagonistas da obra.

A câmera parece estar sempre à espreita do casal que diz não querer cometer os mesmo erros dos cônjuges infiéis. Como se esperasse o exato momento em que esse tal amor visivelmente à flor da pele, extrapole toda e qualquer barreira e torne-se manifesto, causando até mesmo tensão no espectador, principalmente quando o encontro entre eles se dá em estreitos corredores ou em solitários quartos que de maneira nenhuma se tornam cúmplices de um envolvimento mais que amistoso entre os protagonistas. A Sra. Chan permanece inabalavelmente envolta em seus elegantes e polidos vestidos, enquanto o Sr. Chow continua invariavelmente engravatado, faça sol ou chuva, ambos sempre a imaginar e até mesmo encenar como a possível relação entre seus companheiros teria começado.

Wong Kar-Wai não foge aos moldes do cinema oriental, com a bela fotografia de Christopher Doyle e uma narrativa lenta e contida, de maneira a esconder o que é tão evidente, mas que talvez os personagens tentem negar para eles mesmos, para não se deixar trair por seus sentimentos. O amor continua à flor da pele e assim permanece mesmo com afastamento dos protagonistas, até porque não precisa ultrapassar esse limite e fica eternizado em tímidas trocas de olhares, nos sutis gestos de carinho trocados pelos personagens, na agradável companhia um do outro, nas breves conversas e longos momentos silenciosos. O sábio silêncio, sempre tão presente no cinema oriental, simplesmente porque, nada precisa ser dito, pois o sentimento mesmo que contido, é real.

Em meio a uma cidade super populosa, duas almas igualmente solitárias se encontraram e foram felizes em segredo. Segredo esse, que permanece eternizado no momento em que o Sr. Chow se dirige até um templo milenar, as ruínas de Angkor Wat, para contar um segredo, que, segundo a tradição, se fosse dito em um buraco e depois fechado com lama, lá permaneceria guardado, eterno. Quizás com o tempo esse segredo se torne apenas uma agradável lembrança, quizás um sonho, quizás um grande amor que podia ter sido, mas permaneceu eternizado.

Salma Nogueira.

*Texto dedicado a Imara Antunes.

3 comentários:

  1. Belíssimo texto acerca de uma obra de igual qualidade.

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  2. Poxa Dario, muito obrigada! É muito bom ser elogiada por pessoas que a gente admira... és um dos meus críticos favoritos! XD

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  3. Você mandou bem Salma, principalmente pelo "Quizás, quizás, quizás”...

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