domingo, 19 de agosto de 2012

Shame

O Máximo a Partir do Mínimo
Shame (Reino Unido, 2011) é um filme milimetricamente pensado e bem feito. Steve McQueen, neste diapasão, associa à experiência cinematográfica o olhar do artista plástico que também é para compor uma das mais belas, tristes e, por conseguinte, sinceras obras dos últimos anos. Sem euforia o cineasta grava longas tomadas que, se num primeiro momento remetem ao estilo de Yasujiro Ozu, em outros instantes tem a imobilidade quebrada em prol de uma aproximação que se efetiva na medida em que os personagens traçam semelhante rota. Por seu turno, a paleta azul que predomina nos cenários e figurinos é aplicada com excelência nos ambientes clean e vazios pelos quais percorre o melancólico e lacônico protagonista. O silêncio, aliás, é perfeitamente utilizado e ainda que em determinadas passagens seja interrompido pela soberba trilha musical, deixa óbvio o domínio de McQueen sobre a linguagem fílmica ao passo em que se comunica e se faz entender com pouquíssimas palavras¹, aspecto esse, é claro, em que não se pode deixar de enfatizar a enorme colaboração de Michael Fassbender, cuja entrega ao papel não é somente física, mas, sobretudo, espiritual, afinal, a densidade do personagem não advém necessariamente do corpo nu do ator e sim da incorporação hipnótica de olhares, expressões faciais e tom de voz que é por ele realizada. Carrey Mulligan também surpreende ao entregar a melhor encarnação não oficial de Marylin Monroe já vista. Não bastasse os cabelos platinados e o canto sussurrado, a atriz se esquiva da repetição de traços de interpretações anteriores para, desse modo, criar o retrato de uma mulher, tal qual a inesquecível Norma Jean, frágil, trágica, dúbia e inadvertidamente sensual.
Por fim, vale dizer que listar as características que integram a personalidade de cada personagem pode resultar numa tarefa ineficaz, eis que as muitas lacunas deixadas indicam que o importante não é compreender com exatidão o que cada um pensa ou sente nem os motivos que os levam a no presente se comportar dessa ou daquela maneira. A intenção, na verdade, é proporcionar uma viagem, sem explicações pretéritas, aos limites da sordidez humana. Não a toa, quanto mais decadente a trajetória do ninfomaníaco se mostra, mais degradante e solitário o drama e o sexo se revelam.
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1.Exemplos dessa conclusão podem ser vistos em duas sequências:
a)Durante o longo travelling que acompanha o cooper do personagem de Fassbender, surgem as seguintes indagações: estaria aquele homem fugindo de seus instintos mais primitivos ou, ao contrário, estaria caminhando rumo a redenção? Em sendo esse o caso, sua posição no quadro/plano seria um indicativo de que aquela é uma corrida perdida, em vão?
b)A única lágrima que escorre pelo rosto do viciado em sexo ao longo da apresentação de sua irmã em um restaurante sugere a vergonha de um homem perante a sordidez de seus desejos ou, de forma mais cálida, demonstra o orgulho e o zelo de um irmão ante o talento daquela mulher?
Independentemente das respostas uma conclusão é inconteste: são poucos que conseguem sugerir tanto a partir de tão pouco.
Ficha Técnica
Direção: Steve McQueen
Produção: Iain Canning, Emile Sherman
Roteiro: Abi Morgan, Steve McQueen
Elenco: Michael Fassbender, Lucy Walters, Mari-Ange Ramirez, James Badge Dale , Nicole Beharie, Alex Manette, Hannah Ware, Elizabeth Masucci
Fotografia: Sean Bobbitt            Trilha Sonora: Harry Escott
Estreia no Brasil: 16.03. 2012    Duração: 101 min.
 
 Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

À Beira do Caminho

O Sample no Cinema
 “O sample, uma espécie de Ctrl+C – Ctrl+V na música, sempre foi um recurso comum na eletrônica e no hip-hop. Hoje, músicos do pop e até do rock recorrem a ele sem nenhum constrangimento. Só neste ano, artistas e bandas como Maroon 5, Coldlplay e Bruce Springsteen compuseram seus novos discos com a ajuda de samples”¹
Originalidade e ineditismo, por certo, não são características presentes nos títulos que compõem a filmografia de Breno Silveira, afinal, Dois Filhos de Francisco (2005) não passou de um filme biográfico edificante atento a todas as regras e convenções do gênero, ao passo que Era Uma Vez... (2008) representou apenas mais uma variação da história do amor impossível – com ecos de Romeu e Julieta. Dito isso, seu novo trabalho, À Beira do Caminho (Brasil, 2012) segue o mesmo ritmo de aproveitamento de ideias alheias já vistas antes, isso porque:
- a trama do caminhoneiro solitário que se vê obrigado a dividir a boleia com um garoto soma-se a longa lista de roteiros que utilizam a premissa de parceiros de viagem forçados a ter a companhia um do outro, mas que, no fim, acabam se tornando grandes amigos;
- por seu turno, a trajetória em busca do pai da criança em muito lembra o que fora mostrado em Central do Brasil (1998), ao passo que a estratégia de integração das canções de Roberto Carlos a narrativa já havia sido posta em prática, de forma, ressalte-se, mais convincente e orgânica em outro road-movie nacional, qual seja o ótimo O Caminho das Nuvens (2003).
Para os mais exigentes esse acúmulo de referências e clichês deverá desagradar. Para quem, por outro lado, preferir encarar a obra sem falsas expectativas – pois, como outrora sugerido, trata-se de mais uma realização de um cineasta adepto do sample – saltarão aos olhos duas inegáveis qualidades que, a despeito dos deméritos elencados, salvam o longa-metragem na medida em que acabam permitindo seu correto funcionamento: a bela fotografia de Lula Carvalho e a excelente interpretação de João Miguel, cujo tom sóbrio e lacônico impede que o melodrama resvale na pieguice. Eis um ator completo que encarna, como poucos, homens que carregam o peso do mundo nas costas².
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1.     FONTE: Revista Veja. Ed. 2281. Ano 45. N° 32. São Paulo: Abril, 08.08. 2012. p.9.
2.    Neste sentido, sua atuação em Xingu (Brasil, 2012) já servira de comprovação desse talento.
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
FICHA TÉCNICA
Direção: Breno Silveira
Produção: Breno Silveira, Lula Buarque de Hollanda         
Roteiro: Patrícia Andrade              Fotografia: Lula Carvalho
Elenco: João Miguel, Dira Paes, Vinicius Nascimento, Ludmila Rosa, Denise Weinberg, Ângelo Antônio
Estreia: 12.08.2012                        Duração: 102 min.