sábado, 7 de abril de 2012

Bye Bye Brasil/Iracema – Uma Transa Amazônica

                                                          A que preço?

                        “existem dois tipos de mudança cultural: uma que é interna, resultante 
                                da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado
                                do contato de um sistema cultural com um outro.
                                [...]
                                O segundo caso [...] pode ser mais rápido e brusco. No caso dos índios 
                                brasileiros, representou uma verdadeira catástrofe. Mas,também, pode ser 
                                um processo menos radical, onde a troca de padrões culturais ocorre sem 
                                grandes traumas.
                                Este segundo tipo de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais 
                                atuante na maior parte das sociedades humanas. [...] Surge, então, o conceito 
                                de aculturação”¹.


                  Há uma cena em Bye Bye Brasil (Brasil, 1979) na qual Lorde Cigano (José Wilker) conversa com um caminhoneiro sobre um possível novo destino para a Caravana ‘Rolidei’, qual seja a cidade de Altamira, no Pará, local onde o ar interiorano poderia ainda predominar, embora o dinheiro ali corresse solto graças a abertura da Rodovia Transamazônica.
                 Dentro deste contexto, aquele caminhoneiro - originalmente interpretado por Carlos Kroeber - bem poderia ter sido vivido por Paulo César Peréio enquanto Tião Brasil Grande, personagem encarnado pelo ator em Iracema – Uma Transa Amazônica² (Brasil, 1974); afinal, ambos os filmes dialogam sobre a segunda fase do processo de industrialização³ presenciado, durante o regime militar, em nosso país. Neste sentido, além de tocarem em temas como prostituição, trabalho escravo e improbidade administrativa, a rodovia transamazônica é tratada nos dois trabalhos como elemento imediatamente responsável pela aculturação de um povo. Assim, ao passo em que no road-movie de Cacá Diegues índios perdem suas identidades em meio a sonhos consumistas, no longa-metragem de Orlando Senna e Jorge Bodanzky a protagonista almeja ir para a cidade grande nem que para tanto tenha de se pôr a venda.
                Se Diegues se funda numa toada mais poética e um tanto 'felliniana', Senna e Bodanzky optam por um viés semi-documental próximo ao estilo neo-realista. São métodos que se distinguem assim como as intenções dos respectivos personagens principais masculinos, isto é, enquanto Lorde Cigano é contra o avanço tecnológico dos tempos modernos - aqui representado pela vilanesca figura da televisão, e sua desleal concorrência pela atenção do público que não mais se interessa pelo espetáculo do artista mambembe -, o Tião de Peréio defende, como forma de enriquecimento, o progresso a qualquer preço – o que inclui, sobretudo, a prática indiscriminada de desmatamento.
                Partindo de interesses que jamais são coletivos, Tião e Cigano ilustram de modo melancólico os efeitos acarretados pela quebra de laços culturais proporcionada pela transição de um estado rural para urbano. Longe de tentar fazer panfletagem utópica contra a euforia desenvolvimentista do momento, as produções ousaram, em tempos de ditadura, questionar a que preço se efetivava esse processo de modernização.
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1.LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 23 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p.96-7.
2. Leia mais sobre Iracema – Uma Transa Amazônica em http://setimacritica.blogspot.com/2011/01/iracema-uma-transa-amazonica.html.
3.Neste diapasão, a segunda metade dos anos cinqüenta é considerada como o primeiro momento da revolução industrial brasileira, conforme escreve João Abdalla Saad Neto em prefácio a SIMÕES, Inimá. Roberto Santos – A Hora e a Vez de um Cineasta. São Paulo: Estação da Liberdade, 1997. p. 11.



Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

 
COTAÇÕES:
Bye Bye Brasil - ۞۞۞۞        
Iracema – Uma Transa Amazônica - ۞۞۞۞۞ 

Ficha Técnica – Bye Bye Brasil
Direção: Cacá Diegues. Roteiro: Cacá Diegues, Leopoldo Serran

Produção: Luiz Carlos Barreto e Lucy Barreto. Fotografia: Lauro Escorel
Elenco: Jofre Soares (Zé da Luz)Betty Faria (Salomé) Marieta Severo (Assistente Social) Príncipe Nabor (Andorinha)José Carlos Lacerda (Steward)Carlos Kroeber (Caminhoneiro)Fábio Júnior (Ciço) Walter Bandeira (Cantor) Zaira Zambelli (Dasdô)Rinaldo Gines (Chefe Índio) Marcus Vinícius (Empresário)José Wilker (Lorde Cigano) Oscar Reis (Contrabandista)
Música: Chico Buarque, Roberto Menescal e Dominguinhos
Direção de arte: Anísio Medeiros. Edição: Mair Tavares
Estreia Mundial: 9 de Fevereiro de 1980. Duração: 105 min.

Ficha Técnica - Iracema – Uma Transa Amazônica
Direção: Jorge Bodansky e Orlando Senna. Roteiro e Desenho de produção: Orlando Senna
Argumento: Jorge Bodanzky e Hermano Penna . Produção: Orlando Senna
Produtor associado: Wolfgang Gauer, Maku Alecar e Achim Tappen
Música e Fotografia: Jorge Bodanzky
Elenco: Edna Cássia, Paulo César Pereio, Conceição Senna, Rose Rodrigues, Fernando Neves
Som: Achim Tappen Edição: Eva Grundman e Jorge Bodanzky
Duração: 90 min.

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