sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Artista

                                ?

                 É natural que um filme muito consagrado fomente questionamentos comparativos quanto ao merecimento de seu êxito; no caso de O Artista (França/Bélgica, 2011) tais indagações se mostram mais do que evidentes em virtude da aproximação temática com A Invenção de Hugo Cabret (EUA, 2011) – filme que, como sabido, foi o concorrente direto da obra em análise na temporada de premiações que abriu o ano de 2012. Neste sentido, mas sem necessariamente fundamentar a crítica em comparações e limitando-se ao valor da produção dirigida por Michel Hazanavicius, partamos as perguntas que o longa-metragem provoca:
- O que afinal importa em O Artista? Sua forma ou seu conteúdo? O fato de ser um filme mudo lançado em pleno século XXI é o bastante enquanto atestado de qualidade? A suposta ousadia da produção suplanta qualquer outro aspecto fílmico? Dentro deste contexto, o formato de pastiche – muito em voga em tempos de pós-modernismo – se sustenta por si só?
- Quanto a seu enredo, o longa-metragem apresenta alguma inovação ou se limita a uma repaginação de assunto já brilhantemente abordado em Cantando na Chuva (EUA, 1952)?
- Uma vez calcada na estética de trabalhos realizados durante a transição do cinema silencioso para falado, a direção de Hazanavicius traz em seu bojo algum traço de originalidade ou não passa de uma homenagem bonita mas sem estilo próprio? Considerando-se essa última hipótese, seria esse um caso passível de inserção de uma marca singular?
- Não obstante a simpatia com que atua, o ator Jean Dujardin consegue ir além da faceta canastrona que seu personagem maneja no auge da fama? Há elementos em sua interpretação que extravasem essa fronteira?
- O cachorro tão superestimado por muitos possui alguma real função para a narrativa ou representa tão somente um mimo dado ao público como forma de garantir a afeição deste pelo filme?
              Perante tantas dúvidas algumas constatações hão de ser feitas:
- Sim, as perguntas acima mais parecem afirmações. De qualquer forma, em se tratando a visão crítica de uma pessoa, as interrogações são deixadas para reflexão de outros.
- Sim, tecnicamente O Artista é um primor no que tange sua fotografia e uso inteligente do som direto, mas ainda que reconhecidas tais qualidades - e aí inevitável é encerrar a afirmação e o texto com mais uma incerteza -, o filme realmente representa tudo isso que se fala? Em poucas palavras, é para tanto?


Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO: ۞۞۞۞

Ficha Técnica
Título Original: The Artist
Direção e Roteiro:Michel Hazanavicius
Produção: Adrian Politowski, Emmanuel Montamat, Gilles Waterkeyn, Jeremy Burdek, Nadia Khamlichi, Thomas Langmann
Elenco:Jean Dujardin (George Valentin)Calvin Dean (Mr. Sauveur)Bitsie Tulloch (Norma)Bérénice Bejo (Peppy Miller)John Goodman (Zimmer)James Cromwell (Clifton)Penelope Ann Miller (Doris)Missi Pyle (Constance)Malcolm McDowell (The Butler) Uggie (The Dog)
Estreia no Brasil: 10 de Fevereiro de 2012
Estreia Mundial: 12 de Outubro de 2011
Duração: 100 min.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A Separação

A SEPARAÇÃO – NOTÍCIAS DO MUNDO ISLÂMICO


O cinema iraniano alcançou prestígio como um dos melhores do mundo através de cineastas como Abbas Kiarostami (Gosto de Cereja,1996), Jafar Panahi (O Balão Branco, 1994), Samira Makhmalbaf (A Maçã, 1997), Bahman Ghobadi (Ninguém Sabe dos Gatos Persas, 2009), Mohsen Makhmalbaf (Gabbeh,1996) dentre outros. É um cinema que se afirma não pelo aparato técnico ou quantitativo da produção, mas com toda certeza pelos temas de cunho humano sobre liberdade e direitos individuais trazidos à tona para reflexão. De fato, a cinematografia iraniana também sofreu todas as conseqüências negativas após a sangrenta Revolução Islâmica de 1979, que culminou com a deposição do xá Reza Pahlevi e a tomada do poder comandada pelo aiatolá Khomeini. Instaurou-se a República Islâmica do Irã, uma teocracia onde a lei suprema é regida pelo Alcorão e suas complexas interpretações. Começava a era dominada pelo fundamentalismo e fanatismo cego do Islã em que palavras como Liberdade e Direitos Civis tem um significado muito diferente daquele que imaginamos.
 

 
“A Separação” (Irã/2011) do diretor Ashgar Farhadi trata justamente sobre liberdade de ir e vir, sobre a vontade e o livre-arbítrio da personagem Namin que tenta sair do país rumo ao ocidente e quer levar a filha Termeh, mas não consegue sem a permissão do marido Nader. Este é o ponto de partida de um drama aparentemente pessoal que na verdade é um dilema que alcança a família inteira e conflita diretamente com as leis e códigos do Islã, e atinge nosso senso de liberdade e democracia num choque cultural direto e nos dá uma vaga idéia de como funciona o sistema do mundo islâmico sem as distorções da lente ocidental. É um microcosmo mostrado por quem tem conhecimento de causa e reflete o universo por vezes cruel do mundo islâmico.

 
Ashgar Fahradi não foge ao estilo genuinamente simples e ao mesmo tempo rico da estética iraniana, pois ao tirar os véus que encobrem o cenário do Irã do século XXI, mostra-nos uma realidade complexa e assustadora do país dos mulás e aiatolás, onde as coisas não se resolvem tão facilmente. Situações que parecem corriqueiras para a mentalidade ocidental, como a separação de um casal e a guarda da filha, assumem a forma de um monstro invisível com várias garras que imobilizam principalmente a mulher e a criança dentro da sociedade patriarcal e islâmica. É perceptível nas personagens como os códigos e dispositivos do Islã são cobrados recíprocamente no quotidiano dos indivíduos. Essa patrulha religiosa é tão pior quanto uso do chador e do véu pelas mulheres como símbolos da opressão e autoritarismo, e não apenas como perpetuação das tradições.

 
A narrativa é repleta de pistas que nos deixam perplexos quanto ao poder da religião sobre o interesse coletivo e individual. Namin quer deixar o país rumo ao “exterior” para não deixar sua filha “naquelas condições”, aqui estão implícitos o ocidente e a opressão. O próprio pai reconhece que a lei desenhada pela religião é arbitrária e não pondera.

O filme de Ashgar Farhadi teve uma visibilidade mundial e nos mostrou uma realidade impactante. Talvez ele venha a pagar um preço alto por isso, como tantos outros artistas, intelectuais e artistas que vivem sob o regime fechado do Irã.                                                                    
                                                                                                                                      
O desfecho desse drama não apresenta o fim que desejamos, porém, com certeza, ao término do filme deixamos a sala pensando sobre conceitos tão antagônicos entre ocidente e oriente no que se refere à vida social, econômica e política e o quanto não nos damos conta do valor da liberdade e democracia em que vivemos no Brasil. 
 
 Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

sábado, 7 de abril de 2012

Bye Bye Brasil/Iracema – Uma Transa Amazônica

                                                          A que preço?

                        “existem dois tipos de mudança cultural: uma que é interna, resultante 
                                da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado
                                do contato de um sistema cultural com um outro.
                                [...]
                                O segundo caso [...] pode ser mais rápido e brusco. No caso dos índios 
                                brasileiros, representou uma verdadeira catástrofe. Mas,também, pode ser 
                                um processo menos radical, onde a troca de padrões culturais ocorre sem 
                                grandes traumas.
                                Este segundo tipo de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais 
                                atuante na maior parte das sociedades humanas. [...] Surge, então, o conceito 
                                de aculturação”¹.


                  Há uma cena em Bye Bye Brasil (Brasil, 1979) na qual Lorde Cigano (José Wilker) conversa com um caminhoneiro sobre um possível novo destino para a Caravana ‘Rolidei’, qual seja a cidade de Altamira, no Pará, local onde o ar interiorano poderia ainda predominar, embora o dinheiro ali corresse solto graças a abertura da Rodovia Transamazônica.
                 Dentro deste contexto, aquele caminhoneiro - originalmente interpretado por Carlos Kroeber - bem poderia ter sido vivido por Paulo César Peréio enquanto Tião Brasil Grande, personagem encarnado pelo ator em Iracema – Uma Transa Amazônica² (Brasil, 1974); afinal, ambos os filmes dialogam sobre a segunda fase do processo de industrialização³ presenciado, durante o regime militar, em nosso país. Neste sentido, além de tocarem em temas como prostituição, trabalho escravo e improbidade administrativa, a rodovia transamazônica é tratada nos dois trabalhos como elemento imediatamente responsável pela aculturação de um povo. Assim, ao passo em que no road-movie de Cacá Diegues índios perdem suas identidades em meio a sonhos consumistas, no longa-metragem de Orlando Senna e Jorge Bodanzky a protagonista almeja ir para a cidade grande nem que para tanto tenha de se pôr a venda.
                Se Diegues se funda numa toada mais poética e um tanto 'felliniana', Senna e Bodanzky optam por um viés semi-documental próximo ao estilo neo-realista. São métodos que se distinguem assim como as intenções dos respectivos personagens principais masculinos, isto é, enquanto Lorde Cigano é contra o avanço tecnológico dos tempos modernos - aqui representado pela vilanesca figura da televisão, e sua desleal concorrência pela atenção do público que não mais se interessa pelo espetáculo do artista mambembe -, o Tião de Peréio defende, como forma de enriquecimento, o progresso a qualquer preço – o que inclui, sobretudo, a prática indiscriminada de desmatamento.
                Partindo de interesses que jamais são coletivos, Tião e Cigano ilustram de modo melancólico os efeitos acarretados pela quebra de laços culturais proporcionada pela transição de um estado rural para urbano. Longe de tentar fazer panfletagem utópica contra a euforia desenvolvimentista do momento, as produções ousaram, em tempos de ditadura, questionar a que preço se efetivava esse processo de modernização.
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1.LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 23 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p.96-7.
2. Leia mais sobre Iracema – Uma Transa Amazônica em http://setimacritica.blogspot.com/2011/01/iracema-uma-transa-amazonica.html.
3.Neste diapasão, a segunda metade dos anos cinqüenta é considerada como o primeiro momento da revolução industrial brasileira, conforme escreve João Abdalla Saad Neto em prefácio a SIMÕES, Inimá. Roberto Santos – A Hora e a Vez de um Cineasta. São Paulo: Estação da Liberdade, 1997. p. 11.



Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

 
COTAÇÕES:
Bye Bye Brasil - ۞۞۞۞        
Iracema – Uma Transa Amazônica - ۞۞۞۞۞ 

Ficha Técnica – Bye Bye Brasil
Direção: Cacá Diegues. Roteiro: Cacá Diegues, Leopoldo Serran

Produção: Luiz Carlos Barreto e Lucy Barreto. Fotografia: Lauro Escorel
Elenco: Jofre Soares (Zé da Luz)Betty Faria (Salomé) Marieta Severo (Assistente Social) Príncipe Nabor (Andorinha)José Carlos Lacerda (Steward)Carlos Kroeber (Caminhoneiro)Fábio Júnior (Ciço) Walter Bandeira (Cantor) Zaira Zambelli (Dasdô)Rinaldo Gines (Chefe Índio) Marcus Vinícius (Empresário)José Wilker (Lorde Cigano) Oscar Reis (Contrabandista)
Música: Chico Buarque, Roberto Menescal e Dominguinhos
Direção de arte: Anísio Medeiros. Edição: Mair Tavares
Estreia Mundial: 9 de Fevereiro de 1980. Duração: 105 min.

Ficha Técnica - Iracema – Uma Transa Amazônica
Direção: Jorge Bodansky e Orlando Senna. Roteiro e Desenho de produção: Orlando Senna
Argumento: Jorge Bodanzky e Hermano Penna . Produção: Orlando Senna
Produtor associado: Wolfgang Gauer, Maku Alecar e Achim Tappen
Música e Fotografia: Jorge Bodanzky
Elenco: Edna Cássia, Paulo César Pereio, Conceição Senna, Rose Rodrigues, Fernando Neves
Som: Achim Tappen Edição: Eva Grundman e Jorge Bodanzky
Duração: 90 min.