Diversificação
É fato que a partir do Cinema Novo a produção cinematográfica brasileira passou a ter uma temática predominante, qual seja as agruras sertanistas. Chegado o novo milênio, a estética da fome teve seu cenário alternado para as favelas e morros, passando a violência a assumir cores ainda mais vivas e expressivas.
Longe de tentar afirmar que obras envolvendo os temas supracitados sejam de inferior qualidade – até porque na maioria das vezes são justamente o contrário -, o que será aqui defendido é a diversificação de enredos e de gêneros como convite a um número maior de público e como meio de solidificação da indústria.
Nos últimos anos muitos exemplos, nesse sentido, surgiram, como é o caso de Pequeno Dicionário Amoroso, Chico Xavier e da franquia E Se Eu Fosse Você.
Dentro deste contexto, o segundo exemplo talvez não seja um excelente parâmetro de variação de gêneros por ser calcado em torno de uma platéia específica garantidora de retorno financeiro à produção. O terceiro exemplo, se por um lado configura o momento em que o cinema brasileiro e o público selam de vez as pazes - dado o imenso sucesso comercial da franquia –, por outro lado marca, também, o retorno de um assunto discutido pela crítica especializada desde a época das chanchadas, qual seja a predileção das grandes massas por produtos de discutível ou nenhuma qualidade.
Uma vez inserido no gênero comédia romântica, o primeiro exemplo, dirigido por Sandra Weneck, representa um drible nas temáticas nacionais preestabelecidas, assumindo, assim, uma postura universal que permite sua plena compreensão e apreciação em qualquer canto do planeta.
Neste diapasão, Jorge Furtado é outro cineasta cuja filmografia é formada por roteiros pouco convencionais, com tramas que dispensam uma necessária representatividade nacional.
Seu curta-metragem Ilha das Flores pode até tratar de um pedaço de chão brasileiro, porém, os problemas do local, além de não serem exclusividades tupiniquins, são mostrados com tamanho sarcasmo e ironia que a tradicional dureza da estética da fome resta rompida, cedendo lugar a risos nervosos imbuídos em mea culpa - o que, talvez, fomente no espectador um grau até maior de reflexão.
Indo além, veja-se o caso, por exemplo, de Saneamento Básico – O Filme: lançando mão de um argumento altamente inovador, o longa-metragem injeta frescor tanto sobre a metalinguagem quanto sobre a abordagem de problemas sociais. Desta feita, estão no filme, por exemplo, a atriz chinfrim que não se furta a estrelismos, bem como diálogos afirmando que ficção é coisa que não existe, tal como monstro, fantasma e futuro...
Genial em sua concepção, o filme discorre, entre tantas coisas, sobre o uso do dinheiro público e a nem sempre moral destinação que a ele é dada, mas o faz com tal leveza que conquista qualquer um facilmente, demonstrando, por conseguinte, que com criatividade e talento é possível unir a diversificação de gêneros com a discussão dos problemas pátrios sem resvalar nas fórmulas que insistem em caracterizar a produção nacional.
Desta feita, os trabalhos de Jorge Furtado, que de escapistas nada tem, deixam suas cutucadas nas entrelinhas, sendo, assim, diversões inteligentes defendidas por artistas de novelas das oito - afinal, por mais intelectualizado que seja o produto, estamos falando de uma indústria.
COTAÇÕES:
Pequeno Dicionário Amoroso - ☼☼☼
Ilha das Flores - ☼☼☼☼
Saneamento Básico – O Filme - ☼☼☼☼
Ficha Técnica - Pequeno Dicionário Amoroso
Direção: Sandra Werneck
Roteiro: José Roberto Torero, Paulo Halm
Elenco: Andréa Beltrão (Luiza)Daniel Dantas (Gabriel)Tony Ramos (Barata) José Wilker (Alaor)Glória Pires (Bel)Mônica Torres (Marta) Marcos Winter
Duração: 91 minutos
Ficha Técnica - Ilha das Flores
Direção e Roteiro: Jorge Furtado
Produtores: Giba Assis Brasil, Monica Schmiedt, Nôra Gulart
Fotografia: Roberto Henkin, Sérgio Amon
Edição: Giba Assis Brasil
Direção de Arte: Fiapo Barth
Trilha original: Geraldo Flach
Narração: Paulo José
Estreia: 1989
Duração: 23 minutos
Principais Prêmios: Prêmio da Crítica no Festival de Gramado 1989; Urso de Prata para curta-metragem no 40° Festival de Berlim em 1990; Prêmio Especial do Júri e Melhor Filme do Júri Popular no 3° Festival de Clermont-Ferrand na França em 1991; "Blue Ribbon Award" no American Film and Video Festival em Nova Iorque em 1991; Melhor Filme no 7º No-Budget Kurzfilmfestival em Hamburgo, Alemanha em 1991.
Ficha Técnica - Saneamento Básico
Direção e Roteiro: Jorge Furtado
Elenco: Marcelo Aquino (Leonardo)Fernanda Torres (Marina) Camila Pitanga (Silene)Lúcio Mauro Filho, Wagner Moura (Joaquim)Tonico Pereira (Antônio)Lázaro Ramos (Zico) Margarida Leoni Peixoto (Carmem)Bruno Garcia (Fabrício)Paulo José (Otaviano)Sérgio Lulkin (prefeito) Zéu Britto
Estreia: 2007
Duração: 112 minutosDario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
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