terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mr. Nobody

E Se?

Escolhas que caracterizam uma trajetória, caminhos percorridos, opções ora certas ora erradas. E se determinada conduta houvesse sido escolhida no lugar daquela que, no fim, gerou arrependimento? E se?
Mr. Nobody (Canadá, 2009) explora hipóteses extremamente amplas, mas também deveras intrínsecas a todos, valendo-se, para tanto, de um verniz futurista cuja real intenção é abrir caminho para uma toada surrealista possuidora de suficiente liberdade para permitir o livre trânsito do longa-metragem entre diversos tempos e espaços.
Neste diapasão, a obra, que inicialmente pode parecer um tanto quanto intricada, vai aos poucos conquistando o espectador ao revelar sua verdadeira natureza, qual seja a de um filme genuinamente romântico que, tal qual Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, EUA, 2004), explora possibilidades fantasiadas por qualquer coração despedaçado.
Indo além, o universo de sonhos que povoa o imaginário humano consiste em temática, por certo, fomentadora de comparações entre a obra em questão e o acelerado A Origem (Inception, EUA, 2010) de Christopher Nolan. Dentro deste contexto, o ritmo de Mr. Nobody é outro, sendo, na verdade, um trabalho muito mais instigante quanto a leitura das informações filosóficas, científicas e metalingüísticas embutidas nas entrelinhas, bem como consideravelmente mais tocante e delicado no que concerne o aspecto dos amores nem sempre bem sucedidos do protagonista.
Discorrer sobre um mosaico tão vasto de idéias não é tarefa simples, razão pela qual de vital importância se mostra para o êxito do filme sua magnífica montagem que - sem incidir no equívoco da sobreposição de enredos – detém o mérito de conciliar com destreza as idas e vindas do personagem Nemo por entre as várias formas de futuro para ele surgidas.
Some-se a isso uma trilha sonora impecável quanto a pontuação das cenas, bem como os eficientes trabalhos de direção de arte e de fotografia os quais, de maneira inconteste, conferem ao longa uma beleza plástica que, por ser ao mesmo tempo discreta, não comete o erro de querer se tornar o foco principal da produção.
Graças as suas infinitas qualidades, Mr. Nobody agrega novos pontos ao currículo do ator Jared Leto - o qual, paulatinamente, constrói uma filmografia marcada por obras do quilate de Clube da Luta (Fight Club, EUA, 1999) e Réquiem Para um Sonho (Requiem for a Dream, EUA, 2000) – assim como serve de vitrine ao talento e ao nome do diretor Jaco van Dormael, artista esse cujos próximos trabalhos, portanto, merecerão a devida atenção, dado o admirável compromisso demonstrado por ele perante o cinema enquanto expressão artística.
Ok, a sequência final de Mr. Nobody indica uma latente preocupação para com o encadeamento lógico dos eventos narrados, revelando, por conseguinte, certo quê de cautela mercadológica, cuidado esse que, num mundo perfeito, poderia ser facilmente dispensado em razão do viés surrealista adotado – estilo que, como sabido, autoriza sem qualquer pudor a relativização da lógica – motivo pelo qual ficam, desde já, os votos para que tal esmero em projetos vindouros não se torne importante ao ponto de oprimir a ousadia e a criatividade do cineasta Dormael ¹.
Todavia, ainda que as supracitadas previsões negativas venham a se consumar – o que não se espera – o diretor já terá registrado na eternidade, por meio de Mr. Nobody, uma nobre lição, qual seja a conclusão de que a vida não é um fim em si mesma, afinal, o que nela realmente importa e lhe dá sentido é o meio, a trajetória percorrida, motivo pelo qual, mesmo que o ponto de chegada não seja exatamente igual ao idealizado, o que enriquecerá o homem serão as decisões tomadas ao longo do percurso e as experiências a partir dele acumuladas. Logo, a vida, independentemente da aparência assumida quando de seu término, sempre valerá a pena ser vivida.
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1.     Pode-se imaginar que o nome do diretor Jaco Van Dormael seja o de um iniciante. Mas, não é. Esse belga de 53 anos de idade já ganhou prêmio em Cannes e ainda foi indicado ao BAFTA e ao Leão de Ouro em Veneza (nesse caso, por Mr. Nobody)”. Fonte: http://cinemaeargumento.wordpress.com/2010/07/23/mr-nobody/.
 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO - ☼☼☼☼☼ 

Ficha Técnica
Título Original: Mr. Nobody
Direção e Roteiro: Jaco van Dormael
Produção:Philippe Godeau
Elenco: Diane Kruger (Anna)Laurent Capelluto, Ben Mansfield (Stefano)Linh Dan Pham (Jeanne)Daniel Mays (Jornalista)Clare Stone (Elise - 16)Chiara Caselli (Clara)Harold P. Manning (Jornalista da TV)Valentijn Dhaenens (Julian)Katharina Pejcic (Filha de Anna)Juno Temple (Anna - 16)Alexander Türk (Filho de Anna)Thomas Byrne (Nemo - 9)Daniel Brochu (Peter)Jared Leto (Nemo Nobody)Sarah Polley (Elise)Natasha Little (Mãe de Nemo)Rhys Ifans (pai de Nemo), Toby Regbo (Nemo - 16)
Música: Pierre van Dormael
Fotografia: Christophe Beaucarne
País de Origem: Canadá
Estreia Mundial: 2011
Duração: 138 minutos

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