segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Elena

RECONSTRUINDO ELENA

Assisti  ao  filme  “ELENA” (2012), da diretora  Petra  Costa completamente  “no escuro”,  desarmado e sem quaisquer  expectativas. Não li nem a sinopse antes. As únicas referências  que eu  tinha  era o instigante cartaz com a bela imagem da mulher de vestido florido sob as  águas esverdeadas, os comentários dos  internautas pelas  redes  sociais de que havia uma  forte carga poética e ganhara prêmios no   Festival de  Brasília.
ELENA é  muito  mais  que um  documentário biográfico. É uma  declaração de  amor e talvez uma  demonstração pessoal de como lidar  com a dor  da  saudade. Sim, saudade, pois Petra  Costa, muito  habilmente, não nos passa apenas a ideia de uma Elena que “foi embora” e nunca  mais  retorna. Pelo contrário,  o olhar  da irmã caçula Petra em relação a sua irmã mais  velha vai  amadurecendo e traz de volta a figura desta sua quase heroica  irmã Elena que  tinha  o  sonho de tornar-se  atriz. Sonho  perseguido e alcançado como nos é mostrado através  de  fragmentos de cartas-áudio gravadas em K-7, vídeos caseiros e registros de apresentações do “Grupo Teatral  Boi  Voador” do qual Elena  fez  parte.

 Nesse ritmo, Petra  constrói o grande mosaico de uma  história de vida. Sua tarefa parece desconfortável e árdua,  porém compensadora no plano das  emoções: Reconstruir Elena para  que  sua  memória não se perca entre as tragédias da  vida pessoal e as encenadas pela jovem atriz  nos palcos do teatro. Essa coragem de expor  a  fundo suas  próprias inquietações implica em reacender uma dor, tocar  nas  feridas da alma,  confrontar-se  com os porquês de uma  ausência imposta e sem explicações  convincentes. Toda  essa pluralidade de sentimentos é narrada e  traduzida com grande sensibilidade e poesia que  emocionam e ao mesmo tempo nos arremessam para a  atmosfera da alegria-triste que é a saudade  de ter convivido com alguém muito amado  e  depois ter que seguir a vida às custas  da lembrança – essa palavra  que  a gente aprendeu na escola a classificar como substantivo abstrato  mas  que  dói de  tão concreto e pesado que  é.
 
 A relação entre as irmãs foi  tão  intensa  e simbiótica – a narradora  Petra faz  questão de conjugar o verbo  no presente como se Elena ainda  estivesse neste tempo: Elena é, Elena faz, Elena está... – que suas  personas se confundem em determinado momento da narrativa. Intencional ou não, o recurso da linguagem poética aliada a  excelente edição causa-nos  essa sensação confortante e esteticamente bela.

Revisistar os lugares que Elena viveu e percorrer os mesmos caminhos que ela andou é  outra atitude de coragem  de Petra e sua mãe Li An. Tal ação ultrapassa o mero tom documental.É  como percorrer uma  via crucis dessa paixão de/por  Elena. E o ponto alto desses lugares ora reais, ora virtuais é a representação onírica das mulheres vestidas com roupas floridas submersas no riacho e levadas ao sabor da corrente. Interpretações  à  parte, essa imagem que remete à Ofélia afogada e outras  possíveis leituras  é a arte  como um lenitivo para a dor da saudade. Assim, Petra coloca sua amada Elena no status de arte.

Apaixonantemente belo e ousadamente bem feito,  Petra  Costa  mostra  que  o documentário não é  um  gênero chato ou  preso à  formulas como  muitos ingenuamente acham. Elena é um filme  para  ser  visto e revisto.
 
 
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

domingo, 18 de agosto de 2013

Depois de Maio



A Política e o Íntimo

Sim, Depois de Maio (França, 2012) é um filme político, porém, acima de tudo, é o retrato de um momento de transição em que de jovens idealistas adeptos a qualquer tipo de liberdade, passamos a ser “as pessoas da sala de jantar” cantadas pelos Mutantes, isto é, adultos responsáveis com empregos e/ou tarefas dignas de respeito – ainda que não desejadas – e capazes de pagar as contas ao fim do mês.
Dentro deste contexto, o título do longa-metragem se revela preciso na medida em que volta os olhos para o que ocorrera nos anos seguintes ao maio de 1968 e sua eclosão de revoltas. Para nós brasileiros a obra é até mais oportuna ao passo em que reflete nosso próprio e atual período de rebelião nas ruas da população, principalmente jovem, o que, no mínimo, demonstra que seja qual for o resultado e o legado do que experimentamos hoje, a História é e sempre será cíclica, tornando, portanto, a revolução uma utopia importante que jamais poderá ser considerada vã, porque necessária para alimentar o grito e o eco dos revoltosos.
Dito isso e voltando ao filme, vale frisar que em sendo o protagonista consideravelmente inspirado na figura do próprio diretor e roteirista Olivier Assayas¹, o que se vê na tela é uma abordagem íntima² e escorreita dos assuntos, afinal jamais é possível perceber de sua parte saudosismo ou romantismo³ na retomada do cotidiano de um jovem em meio a rebeldia política do instante e a descoberta da liberdade sexual e da contracultura das drogas. Neste diapasão, o prazer e as consequências são delineados sem que a toada se torne sisuda, daí que extremamente feliz fora o cineasta Walter Salles ao declarar que: “Assayas filma a matéria política com leveza, sem pedagogismos ou nostalgia, o que confere uma qualidade rara a Depois de Maio”⁴.
Por fim, merecem registro e elogios o trabalho de direção de arte simples e ao mesmo tempo certeiro, bem como o competentíssimo elenco.
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1.Segundo Walter Salles: “A raiz do filme é autobiográfica, baseada em um texto luminoso que Assayas escreveu, “Uma adolescência no pós-maio”, uma carta aberta para a viúva de Guy Debord — autor que influenciou profundamente o jovem Assayas” (FONTE: ‘Depois de Maio’, um filme apaixonante In http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-maio-um-filme-apaixonante-8254677#ixzz2avRSbPsh Acesso em 03.08.13). Neste passo, a sequência em que o protagonista faz seu primeiro estágio num estúdio de cinema faz parte da história de Olivier Assayas que assim confessa: “Essa parte é bem pessoal, de quando eu estava trabalhando em Pinewood, na Inglaterra, na equipe de montagem de Super-Homem. Estava lá quando rodaram o fim de Krypton! No estúdio ao lado, Kevin Connor estava fazendo filmes B malucos, com monstros e nazistas” (Revista Preview. Ano 3. ed. 43. São Paulo: Sampa, Abril de 2013. p. 33).
2.Olivier Assayas já havia abordado a década de 70 no elogiado projeto Carlos; segundo o cineasta, este último era “um filme sobre os anos 1970 do ponto de vista geopolítico. Senti falta de descrever aquele período de maneira mais íntima”, daí Depois de Maio ter sido realizado (Revista Preview. Ano 3. ed. 43. São Paulo: Sampa, Abril de 2013. p.32-3).
3.Em sentido parecido Mariane Morisawa conclui que “Assayas mostra tudo com pouco saudosismo, pelo contrário, com um olhar contemporâneo que aponta para a ingenuidade e questões pouco resolvidas como a desigualdade entre homens e mulheres. Acima de tudo, é uma obra moderna na forma de filmar, que oferece uma viagem àquele tempo” (Revista Preview. Ano 3. ed. 43. São Paulo: Sampa, Abril de 2013.  p.60). Por seu turno, Walter Salles complementa:Assayas filma a vibração desses anos de forma radicalmente contemporânea, a câmera solidária a seus personagens, escapando dos perigos de um “filme de época”. Não há exibicionismos, planos ou cenas desnecessários. [...] Não há, também, romantização de um momento em que só o futuro parecia interessar” (‘Depois de Maio’, um filme apaixonante In http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-maio-um-filme-apaixonante-8254677#ixzz2avRSbPsh Acesso em 03.08.13).
4.‘Depois de Maio’, um filme apaixonante In http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-maio-um-filme-apaixonante-8254677#ixzz2avRSbPsh Acesso em 03.08.13.
5.Aspecto esse em que Assayas assumira um enorme risco tendo em vista que, em busca de realismo, optara por trabalhar apenas com não atores, escolhidos enquanto o mesmo passeava pelas ruas da França, sendo que a única exceção neste sentido fora a atriz Lola Creton.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

FICHA TÉCNICA

Título Original: Après Mai
Direção e Roteiro: Olivier Assayas
Produção: Nathanael Karmitz
Elenco: Clément Métayer, Lola Creton, Félix Armand, Carole Combes, André Marcon, Léa Rougeron
Fotografia: Eric Gautier                 Edição: Luc Barnier
Estreia no Brasil: 26.04.13             Estreia Mundial: 19.09.12
Duração: 122 min.