RECONSTRUINDO ELENA
Assisti ao
filme “ELENA” (2012), da
diretora Petra Costa completamente “no escuro”,
desarmado e sem quaisquer expectativas. Não li nem a sinopse antes. As
únicas referências que eu tinha
era o instigante cartaz com a bela imagem da mulher de vestido florido
sob as águas esverdeadas, os comentários
dos internautas pelas redes
sociais de que havia uma forte
carga poética e ganhara prêmios no
Festival de Brasília.
ELENA é muito
mais que um documentário biográfico. É uma declaração de
amor e talvez uma demonstração
pessoal de como lidar com a dor da
saudade. Sim, saudade, pois Petra
Costa, muito habilmente, não nos
passa apenas a ideia de uma Elena que “foi embora” e nunca mais
retorna. Pelo contrário, o
olhar da irmã caçula Petra em relação a
sua irmã mais velha vai amadurecendo e traz de volta a figura desta
sua quase heroica irmã Elena que tinha
o sonho de tornar-se atriz. Sonho
perseguido e alcançado como nos é mostrado através de
fragmentos de cartas-áudio gravadas em K-7, vídeos caseiros e registros
de apresentações do “Grupo Teatral Boi
Voador” do qual Elena fez parte.
Nesse ritmo, Petra constrói o grande mosaico de uma história de vida. Sua tarefa parece desconfortável
e árdua, porém compensadora no plano
das emoções: Reconstruir Elena para que
sua memória não se perca entre as
tragédias da vida pessoal e as encenadas
pela jovem atriz nos palcos do teatro.
Essa coragem de expor a fundo suas
próprias inquietações implica em reacender uma dor, tocar nas
feridas da alma, confrontar-se
com os porquês de uma ausência
imposta e sem explicações convincentes.
Toda essa pluralidade de sentimentos é
narrada e traduzida com grande
sensibilidade e poesia que emocionam e
ao mesmo tempo nos arremessam para a
atmosfera da alegria-triste que é a saudade de ter convivido com alguém muito amado e
depois ter que seguir a vida às custas da lembrança – essa palavra que a
gente aprendeu na escola a classificar como substantivo abstrato mas
que dói de tão concreto e pesado que é.
A relação entre as irmãs foi tão
intensa e simbiótica – a
narradora Petra faz questão de conjugar o verbo no presente como se Elena ainda estivesse neste tempo: Elena é, Elena faz,
Elena está... – que suas personas se
confundem em determinado momento da narrativa. Intencional ou não, o recurso da
linguagem poética aliada a excelente
edição causa-nos essa sensação confortante
e esteticamente bela.
Revisistar os lugares que Elena
viveu e percorrer os mesmos caminhos que ela andou é outra atitude de
coragem de Petra e sua mãe Li An. Tal ação ultrapassa
o mero tom documental.É como percorrer
uma via crucis dessa paixão de/por Elena. E o ponto alto desses
lugares ora
reais, ora virtuais é a representação onírica das mulheres vestidas com
roupas
floridas submersas no riacho e levadas ao sabor da corrente.
Interpretações à
parte, essa imagem que remete à Ofélia afogada e outras possíveis
leituras é a arte como um lenitivo para a dor da saudade. Assim,
Petra coloca sua amada Elena no status de arte.
Apaixonantemente belo e ousadamente
bem feito, Petra Costa
mostra que o documentário não é um
gênero chato ou preso à formulas como
muitos ingenuamente acham. Elena é um filme para
ser visto e revisto.
Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)