segunda-feira, 18 de junho de 2012

Prometheus


A sinopse, já vimos muitas vezes: um grupo de cientistas viaja anos e anos pelo espaço procurando pistas que possam levar ao esclarecimento da pergunta mais antiga que o ser humano se faz: de onde viemos? Se a sinopse é comum, certamente o filme não é.
Prometheus é um espetáculo sensorial. A fotografia é belíssima e os efeitos especiais pagam totalmente o ingresso em 3D; um dos 3D’s mais impressionantes que já vi. A história é inquietante, os atores bem posicionados e o que falar de Michael Fassbender como o robô David? A melhor atuação do filme inteiro.
Contudo, neste espetáculo todo, algo se perde. O roteiro é frouxo em muitos pontos e algumas atitudes de certos personagens são, no mínimo, bobas. Charlize Theron fica perdida com todo o seu notável talento um tanto desperdiçado. O único personagem que sentimos simpatia é a singela Dra. Shaw, na sua busca incessante e ingênua. Noomi Rapace se supera em uma cena perturbadora e aterrorizante que com certeza exigiu muito preparo psicológico para ser feita.
Com defeitos claros no roteiro, e a pressa com que muitas situações são amarradas, diria que este é o calcanhar de Aquiles desta grande produção, sem contar na desnecessária cena final.
Não posso, nem tenho como falar qualquer coisa da trilha sonora precisa e tensa nos pontos certos, ou do clima brilhantemente obscuro que traz a tona nossos medos e angústias que só revelamos em momentos de oração ou ao travesseiro nas longas noites de reflexão. Prometheus inverte nossa crença geral em um Deus bondoso e paciente, que nos criou como sua obra prima e coloca no lugar, seres frios sobre os quais não sabemos os seus motivos para a criação, como se tudo não passasse de um experimento, acidente ou punição e que, exatamente como nossos cientistas o fazem, quando o resultado desagrada, não é o esperado ou outros motivos desconhecidos, simplesmente nos destroem. Mas não vá ao cinema esperando respostas, elas não estão lá... Scott só nos abre mais e mais perguntas; as abre e as deixa.

Prometheu é belo, é instigante e acima de tudo, perturbador.

4 estrelas.

Esta parte contem spoilers, quem não quiser estragar algumas surpresas, por favor, não leia.
Além de tudo o que escrevi sobre o filme, sinto uma obrigação de explicitar minha experiência pessoal nas horas de projeção. Prometheus me perturbou, me instigou e, literalmente, me deixou passando mal. Ao acender as luzes da sala, era uma pessoa atordoada que se encontrava largada na cadeira do cinema, ainda com os óculos de 3d. Prometheus revolveu no fundo de mim a pergunta que antes já citei: de onde viemos? Conseguindo mexer com minha paz de espírito e me jogando, como uma criança, na sensação de desorientação que experimentava, no escuro, não mas claro do que agora, no meio de tais perguntas. Prometheus me deixou calada, pensativa.
A cena em que Dra. Shaw é submetida a cesariana e vê, saindo de dentro de si uma criatura estranha, que, de nenhuma forma cria qualquer sentimento de empatia é o pior pesadelo de qualquer mulher, penso eu. É desagradável e repulsivo mais do que qualquer descrição: um medo primitivo que tentamos esconder em meio a sociedade civilizada que acreditamos viver, ali na tela imensa do cinema e com efeitos de 3D, algo que no faz recordar tempos completamente primitivos, cheios de superstições e obscuridade. 
Prometheus, fez tudo isso comigo. Possivelmente, muitas outras pessoas não sintam o mesmo que senti, não mergulhem em reflexões como mergulhei, contudo, penso que outras tantas partilham esse sentimento comigo. Se este era o objetivo de Ridley Scott, devo admitir, ele o realizou, ele inquietou, ele aterrorizou, ele perturbou, ele mostrou o motivo de estar entre os grandes diretores de nossa época. Mesmo depois de 30 anos de Blade Runner, ele nos põe questões que não podemos responder, ou como menciona Dra. Shaw, podemos escolher acreditar e nada muito além. 
O Robô David, é outro fator do filme que inquieta. Não sabemos o que ele realmente almeja, não sabemos os seus motivos e por isso, o tememos. Tememos David como tememos Hal 9000, o infame robô de Kubrick. Sem dúvida, não me surpreenderia de ver Michael Fassbender em alguma indicação ao Oscar. Ele se mostra simplesmente impecável e uma escolha perfeita.
Enfim, recomendo veementemente Prometheus; seja como uma experiência cinematográfica, uma distração ou uma reflexão existencial. Vá e veja.



Samy Twist
* Texto dedicado a Alberdan Batista, mais do que pai, um mestre.

sábado, 16 de junho de 2012

Branca de Neve e o Caçador

                            Traições que Vem Para o Bem

              No que tange o complexo trabalho de adaptação que o cinema exerce sobre obras literárias, Sérgio Rizzo opina:

                            “É preciso encontrar uma forma de equivalência que provoque no 
                             espectador uma sensação parecida a que o trecho do livro provocou 
                             no leitor, mas com o uso de imagens e de sons. Esse processo de
                             distanciamento do original, que alguns consideram traição, pode gerar, 
                             no fim, o modo mais nobre de fidelidade em uma adaptação: aquela que 
                             aproxima o espírito da transposição ao do original. [...]
                             [O filme, portanto, deve procurar] fazer justiça à essência do original 
                             sem transformar-se em escravo de sua estrutura. Traduzir bem [...]
                             envolve uma certa 
                             (e habilidosa) 
                             capacidade de 
                             trair”¹.

              Dentro deste contexto, uma vez que a versão mais tradicional e atualmente conhecida da história da Branca de Neve é representada pela animação comandada por Walt Disney em 1937, Branca de Neve e o Caçador (EUA, 2012) representa um curioso caso de produção que se afasta do parente cinematográfico mais próximo para, em contrapartida, se aproximar do tom sombrio originalmente pretendido pelos irmãos Grimm², opção essa que, por sua vez, não impede que consideráveis mudanças ao texto de origem sejam apresentadas como forma de imprimir personalidade própria a uma adaptação contemporânea que surpreende pela facilidade com que reúne a atenção e a emoção de um público que há muito já conhece o início, o meio e o fim da jornada da princesa órfã.
             Ok, não é possível ignorar que o roteiro deste novo título possui falhas que se confundem com o descompasso não raro mostrado por sua edição. São problemas visíveis, mas que, ainda assim, não retiram o charme de um trabalho impecável no que atine seus figurinos, direção de arte e de fotografia – elementos esses que juntos dão ao filme uma roupagem épica ao modo O Senhor dos Aneis. Por certo, tais escorregões não são suficientes para condenar o longa-metragem porque nítido é que determinadas passagens da trama foram mexidas não apenas para tornar diferente a versão mas também para atribuir densidade psicológica a personagens³ defendidos por um elenco azeitado, afinal: Charlize Theron, linda como de costume, exerce a vilania em modo turbo, Kristen Stewart, ótima, compõe uma nada delicada princesa e, por fim, um time de nomes consagrados do cinema inglês, como Bob Hoskins e Brian Gleeson, dão vida aos, agora, oito anões.
             Há traições que vem para o bem.
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1. Literatura & Cinema. In. Revista Língua Especial. Cinema & Linguagem. São Paulo: Segmento. Outubro de 2011. P. 10 e 14.
2. “Walt Disney amenizou o conto original, que é sombrio e tem lances bizarros, como a madrasta que assa e come o coração de veado pensando ser o da princesa; e a maçã envenenada que pula da boca de Branca depois de um tropeço dos serviçais que levavamo esquife de vidro para o castelo. Que beijoca de príncipe que nada” (FONTE: Revista Preview. ed. 32. São Paulo: Sampa, Maio de 2012. p.36).
3. Qualidade que, por exemplo, passou longe do horroroso A Garota da Capa Vermelha (EUA, 2011).



Ficha Técnica
Título Original: Snow White and the Huntsman
Direção: Rupert Sanders
Roteiro: Evan Daughterty, Florence Welch, Hossein Amini, John Lee Hancock
Produção: Gloria S. Borders, Joe Roth, Laurie Boccaccio, Palak Patel, Sam Mercer, Sarah Bradshaw
Elenco: Izzy Meikle-Small (Young Ravenna)Johnny Harris (Quert)Rachael Stirling (Anna)Ray Winstone (Trajan) Hattie Gotobed (Lily)Duncan JC Mais (The Shadow)Christian Wolf-La'Moy (Ravennas Archer)Xavier Atkins (Young Prince William)Liberty Ross (Queen Eleanor)Christopher Obi (Mirror Man) Mark Wingett (Tom The Rebel)Karen Anderson (X) (Dwarf)Craig Garner (Dwarf) Kristen Stewart (Branca de Neve)Nick Frost (Tiberius)Ian McShane (Caesar)Sarah Molkenthin (Peasant) Sam Claflin (Príncipe Charmant)Chris Hemsworth (Caçador)Charlize Theron (Rainha Má)Dave Legeno (Broch)Vincent Regan (Duke Hammond)Eddie Marsan (Hadrian)Noah Huntley (King Magnus)Joey Ansah (Aldan)Jamie Blackley (Iain)Lily Cole (Greta)Toby Jones (Claudius)Annabelle Wallis (Sara)Sam Spruell (Finn)Brian Gleeson (Gus)Bob Hoskins (Constantine)
Estreia Mundial/Brasil: 01.06.2012
Duração: 120 min.


 Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)