quinta-feira, 29 de março de 2012

Pina

PINA BAUSCH - DOS PALCOS PARA AS TELAS

As duas grandes estrelas do  documentário  “Pina” (Alemanha, 2011) dispensam maiores comentários. Pina Bausch e Wim Wenders. A coreógrafa e o cineasta. Em 2008, o diretor começou a dar forma ao que seria o primeiro filme de arte/documentário em 3 D juntamente com sua amiga pessoal Pina Bausch  que não concluiu a parceria do projeto pois  veio a falecer em 2009. Se o foco era mostrar  a trajetória de uma vida inteira dedicada à dança pela genial Philippine Bausch e sua Companhia de Dança do Tantztheater Wuppertal, com sua morte, o filme consagra-se como um belo e merecido tributo a uma  das maiores referências na  dança contemporânea.


O gênero documentário por  si só não é  unanimidade no gosto  do grande  público acostumado ao cinema de diversão. Sem ignorar este fato, “Pina” não se prende a rótulos, aliás confunde-se - no melhor sentido - com musical ou com um filme-biografia. Tem a categoria de uma obra  de arte por  excelência e não só diverte como também emociona. Com todas estas qualidades é cinema puro e simples. Wim Wenders, ousadamente,  reafirma a capacidade de renovação do cinema quando traz ao público um filme de arte na tecnologia 3 D e a harmonia entre as  linguagens do cinema e da dança.

 
A bem elaborada montagem funciona  num sincronismo tão perfeito e delicado  quanto os belos  números de dança apresentados  transmitindo os  efeitos dramáticos e narrativos desejados graças ao virtuosismo dos bailarinos-atores. A exemplo disto, os trechos de filmes com  registros da própria Pina Bausch dançando “Café Müller” ou ensaiando a coreografia da “Sagração da Primavera” ao som da música de Igor Stravinsk na abertura do filme. Cada número  parece impor a marca da mestra através da sua  técnica e  radicalismo aplicados na dança e incorporados pelos seus companheiros do Wuppertal. Na performance dos bailarinos temos a impressão que vemos a silhueta  da mesma Pina se reproduzindo em cada um deles.
O trabalho de Pina Bausch também teve ampla visibilidade quando Pedro Almodóvar incluiu trechos do espetáculo “Café Müller” no filme “Fale com Ela” (2002). Hoje, não conseguimos imaginar a trama de Almodóvar sem aquelas sequências inesquecíveis.

Quem foi Pina? É a pergunta que Wim Wenders busca responder durante os 103 min de projeção através da expressão corporal e do testemunho de cada bailarino do Wuppertal. A saudade, o amor, a dor, a paixão, a poesia, a ausência e todo sentimento vai surgindo  através da dança.

 
Assistir ao documentário “Pina” em 3 D é uma experiência semelhante  a de ver o espetáculo no  palco. Na verdade, nas  ruas, nas estações de trem, nas montanhas, ou nos  locais mais  improváveis. De fato, o palco foi trazido às telas.  Wim Wenders tentou captar a essência do pensamento de Pina de que “há situações que nos deixam absolutamente sem  palavras e tudo que  se pode fazer é  insinuar, e quando as palavras também não podem fazer mais nada além de  evocar as coisas é aí que entra a dança”.
E onde entrou a  dança, Wenders continuou com o cinema que ele sabe fazer muito bem.    Ele conseguiu mostrar o “anjo da dança” que foi Pina Bausch  traduzindo essa  idéia em imagens, palavras, movimento, música e grata emoção.
 
 Elias Neves (texto originalmente publicado em http://www.eliasneves.blogspot.com)

domingo, 18 de março de 2012

Billi Pig

    Uma Sucessão de Equívocos

                Billi Pig (Brasil, 2011) é a prova de que a produção cinematográfica brasileira ainda não conseguiu se desvincular por completo da chanchada. Nitidamente inspirada no gênero, a comédia de José Eduardo Belmonte derrapa ao não imprimir qualquer vestígio de contemporaneidade a sua estética, arriscando-se, desta feita, na aposta de que as platéias de hoje terão o mesmo senso de humor e gosto daquelas dos anos 40 e 50.
                Neste sentido, é possível hoje compreender e até admirar os filmes feitos naquele período desde que feita uma óbvia contextualização histórica, o que, por conseguinte, impede o aceite de um mero subproduto da chanchada em pleno século XXI, isso porque ao trazer avanços seja na linguagem seja no aparato tecnológico¹, o tempo, a grosso modo e ignorando a ressalva anteriormente feita, tornou constrangedor e sem graça aquilo que não era ontem.
                É de se louvar, contudo, o esmero demonstrado pelo elenco que em instante algum apela para o piloto automático - graças as interpretações de Milton Gonçalves e Selton Mello, é possível por alguns segundos experimentar risos de canto de boca. Ocorre que os atores logram breves êxitos em momentos individuais e isolados que não sustentam o conjunto de um trabalho ineficiente quanto ao teor cômico e quanto ao tratamento de suas tramas paralelas, aspecto último esse que se deve, sobretudo, a um roteiro mais do que furado porque repleto de situações inverossímeis e soluções visuais fáceis e despreocupadas com a continuidade.
                A partir de um humor a moda Zorra Total, Billi Pig funciona não como uma homenagem a chanchada, mas sim, repita-se, como mais um de seus subprodutos ao estilo Xuxa de fazer filme, eis que o que mais importa aqui é a aparição de artistas globais e músicos na atualidade queridos pelas massas.
               Menos mal que Belmonte parece ter consciência do desastre cometido e, ao término, concede um consolo aos espectadores inserindo nos créditos finais erros de gravação que, sem titubear, representam o que de melhor o longa-metragem oferece, bem como a real essência do projeto: uma sucessão de equívocos.
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1. Aliás, a tecnologia presta aqui um desserviço ao cinema brasileiro ao permitir a criação daquele que talvez seja o pior personagem já surgido em nossas obras, qual seja o tal porco que fala de nome Billi.

 
Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO: ۞

Ficha Técnica
Direção: José Eduardo Belmonte
Roteiro: José Eduardo Belmonte, Ronaldo D'Oxum
Elenco:Zezé Barbosa, Otávio Muller, Sandra Pêra, Cássia Kiss, Milton Gonçalves, Preta Gil, Grazi Massafera, Selton Mello, Aimée Espinosa
Fotografia: André Lavenére
Estreia: 2 de Março de 2012
Duração: 98 min.

segunda-feira, 5 de março de 2012

A Invenção de Hugo Cabret/Um Truque de Luz

                                           Primeiro Cinema


                Não seria errado dizer que Um Truque de Luz (Alemanha, 1995) representou por quase duas décadas a mais tocante homenagem já feita ao primeiro cena ou cinema primitivo – como muitos costumavam, de forma deveras equivocada, rotular o período relativo aos primórdios da atividade cinematográfica. Neste sentido, embora inegável o valor artístico do trabalho de Wim Wenders, não há também como discordar que seu cetro fora brilhantemente tomado por Martin Scorcese e seu A Invenção de Hugo Cabret (EUA, 2011), senão vejamos:
               Discorrendo sobre os anos imediatamente anteriores a 1895, quando o cinematógrafo dos irmãos Lumière ainda não havia sido lançado, Wenders transita por uma época de euforia na qual muitos inventores traçavam corridas paralelas rumo a criação de uma máquina capaz de reproduzir imagem em movimento. Retratando um tempo em que todo o cuidado era pouco para evitar que idéias fossem surrupiadas, o cineasta alemão utiliza o formato do mockumentary para, em meio a muitas licenças poéticas, apresentar a trajetória oficialmente pouco exitosa dos irmãos Skladanowsky rumo ao título de criadores do bioscópio (bioskop) e, consequentemente, do cinema.
              Saltando alguns anos, Scorcese traz para o grande público a história do ‘primeiro mago do cinema’ Georges Méliès. Dentro deste contexto, ao invés do formato do falso documentário manejado por Wenders – que assume, assim, o risco de restringir a recepção e compreensão do material ao nicho dos cinéfilos – o ítalo-americano Scorcese opta por mascarar sua grande homenagem ao cinema através de um típico filme para família, o que, longe de ser uma estratégia meramente comercial, revela, sobretudo, a intenção do diretor em propagar sua paixão pela sétima arte apresentando a platéias do novo século tanto obras do gênio Méliès – dentre as quais se destacam trechos de Le Mélomane (França, 1903) e, por óbvio, o clássico Viagem a Lua (França, 1902) – como também de nomes do calibre de Buster Keaton (A General, EUA, 1927), D. W. Griffith (Intolerância, EUA, 1916), Robert Wiene (O Gabinete do Dr. Caligari, Alemanha, 1920), Georg W. Pabst (A Caixa de Pandora, Alemanha, 1929), Edwin s. Porter (O Grande Roubo do Trem, EUA, 1903) e Harold Loyd (O Homem Mosca, EUA, 1923).
              Graças a uma notável capacidade de condensação e a um roteiro que não deixa qualquer ponta solta, Scorcese não só relata a ascensão e queda de Méliès enquanto cineasta, como ainda ministra aulas sobre a técnica do artista francês seja quanto a coloração de seus negativos, seja quanto as trucagens feitas, durante a montagem, para obtenção de efeitos visuais. É uma história, portanto, que parte de um prisma individual, mas que serve de tributo a todos os artesãos e mágicos que colaboraram na construção dessa arte, objetivo esse de igual forma compartilhado por Wenders que ao término de seu trabalho o dedica “aos muitos pioneiros esquecidos do cinema”.
             Um Truque de Luz e A Invenção de Hugo Cabret ilustram a metamorfose experimentada pelo cinema quando passara de “simples” registro documental de cenas do cotidiano – como faziam os Lumière – ou de atrações de vaudeville – registradas pelos irmãos Skladanowsky – para o patamar de arte do espetáculo e do entretenimento, transição essa, vale dizer, difundida por Méliès a partir da junção entre sua experiência enquanto ilusionista e a tecnologia do cinematógrafo.
              Em termos parecidos, Edgar Morin explica:
                                     “para compreender o cinema, há que se seguir a passagem do
                                      cinematógrafo ao cinema [...].
                                     Como se opera o nascimento do cinema? Há um nome que permite
                                     cristalizar toda a mutação: o de Méliès [...].
                                     [...] ao inventar a mise-en-scène de cinema, Méliès mais 

                                     profundamente embrenhou o filme numa via teatral espetacular. 
                                     [...] As duas faces da revolução operada por Méliès são a trucagem
                                     e o fantástico. [...] da mais realista das máquinas, imediatamente
                                     surge o fantástico: a irrealidade de Méliès é tão flagrante quanto a 
                                     realidade dos irmãos Lumière o foi.
                                     [...] a brusca aparição do fantástico faz com que se revele a magia

                                     que se esconde por detrás do encanto da imagem.
                                     [...] Todos os truques de prestidigitação de Méliès se enraízam, com
                                     efeito, em técnicas-chave da arte do filme [...].
                                     [...] Se original e essencialmente o cinematógrafo Lumiére é 
                                     desdobramento, o cinema Méliès, original e essencialmente é 
                                     metamorfose”².
                Isto posto, é justamente em razão dessa distinção histórica de métodos que Um Truque de Luz pode até parecer simples perante a suntuosidade plástica³ de Hugo e seu, afiado, elenco de estrelas. Todavia, Hugo Cabret e Um Truque de Luz não poderiam mesmo ter formas parecidas, eis que os dois são fielmente comprometidos com a faceta estético-histórica abordada pelos roteiros. Ambos, de qualquer forma, são experiências obrigatórias, embora Hugo acabe manifestando certa dose de superioridade em virtude de ser uma homenagem bem mais minuciosa, abrangente e acessível de um diretor que satisfazendo a si próprio com o rumo metalingüístico dado a produção, não esquece, ao mesmo tempo, de manter a coesão do lado ‘família’ do longa-metragem, preenchendo-o, desta feita, com princípios e valores, mas sem resvalar na toada melodramática e piegas rotineiramente perseguida, por exemplo, por Steven Spielberg, daí porque correta está Mariane Morisawa ao escrever que Scorcese consegue: “transformar o material em algo pessoal e universal ao mesmo tempo”⁴.
               
                Dito isso, não seria nada mal, agora, que Brian De Palma, inspirado por Scorcese, aproveitasse para estender uma homenagem de outrora e realizasse um filme tributo para S. M. Eisenstein. Quem sabe um dia...
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1.É no mínimo curiosa a tradução brasileira para o título original deste novo trabalho de Scorcese, tendo em vista que, ao invés de inventar, Hugo não tarda a revelar que seu propósito de vida é consertar objetos e corações avariados. Ato contínuo, a pessoa responsável no contexto do filme por qualquer invenção é Méliès, seja no que tange o autômato encontrado pelo pai de Cabret, seja no que diz respeito as trucagens que estabeleceram uma nova linguagem para o cinema.
2 O Cinema e o Homem Imaginário. p. 51-6.
3 Some-se a isso uma refinada trilha musical, além de uma virtuosa direção de fotografia – face seus complexos movimentos de câmera. Neste diapasão, embora já tenha se tornado clichê ressaltar a forma inteligente com que o formato 3D fora manejado por Scorcese, cabe, ainda, ressaltar para quem tenha passado despercebido a genial tentativa do cineasta em, através da terceira dimensão, fazer com que as platéias de hoje tenham uma melhor noção da aflição experimentada por aqueles que em 1895 se jogaram ao chão temendo que o trem exibido no primeiro filme projetado pelos Lumière, saltasse da tela e lhes atingisse.
4.Preview. Ed. 29. Ano 3. São Paulo: Sampa, 2012. p. 60.


COTAÇÕES:
A Invenção de Hugo Cabret - ۞۞۞۞۞        
Um Truque de Luz - ۞۞۞۞ 


Ficha Técnica – Um Truque de Luz
Título Original: Die Gebrüder Skladanowsky
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Henrick Heckmann, Sebastian Andrae Wim Wenders , Veit Helmer, German Kral, Barbara Rohm, Alina Teodorescu
Elenco: Nadine Buettner Rüdiger Vogler Alfred Sczczot Christoph Merg Bodo Werner Lang, Otto Kuhnle, Udo Kier, George Inci, Lucie Hürtgen-Skladanowsky, Wim Wenders
Duração: 79 min.

Ficha Técnica – A Invenção de Hugo Cabret
Título Original: Hugo
Direção: Martin Scorsese          Roteiro: Brian Selznick, John Logan
Produtores: Graham King, Johnny Depp, Martin Scorsese, Tim Headington
Elenco: Jude Law (Hugo's father)Catherine Balavage (Parisian Cafe Women)Asa Butterfield (Hugo Cabret)Frances de la Tour (Emilie)Michael Stuhlbarg (Rene Tabard)Helen McCrory (Mama Jeanne)Ray Winstone (Uncle Claude)Angus Barnett (Theatre Manager)Christopher Lee (Monsieur Labisse)Sacha Baron Cohen (Station inspector)Richard Griffiths (Monsieur Frick)Chloe Moretz (Isabelle)Ben Kingsley (Georges Méliès)Emily Mortimer (Lisette)Edmund Kingsley (Technician)Martin Scorsese (Fotografo)
Estreia no Brasil: 17 de Fevereiro de 2012           Estreia Mundial: 23 de Novembro de 2011
Duração: 126 min.



Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)