sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Chuvas de Verão

Mosaico Quebradiço

Críticas interessantes são aquelas que mesmo dispensando menção a sinopse aguçam a curiosidade do público para com a obra comentada. Há hipóteses, porém, em que o resumo da narrativa se revela indissociável da análise graças a peculiaridades da trama que clamam por avaliações.  
Por isso, cabe dizer que Chuvas de Verão (Brasil, 1977) gira em torno dos quatro primeiros dias de aposentadoria vividos pelo personagem principal ao lado de vizinhos, amigos e parentes cujos desânimos e privações caminham paralelamente as incertezas daquele primeiro. Cumprida, portanto, essa fase introdutória do texto, passemos, então, ao cerne da discussão:
Há diretores, como Pedro Almodóvar, que conseguem trabalhar com um emaranhado de personagens e trajetórias sem prejudicar a coesão e a própria validez do longa-metragem. Nesse caso o risco da empreitada, por óbvio, é sempre maior dada a possibilidade de:
·         assuntos virem a ser mal aproveitados;
·         a edição não lograr êxito em dar para cada tópico o tempo necessário ou merecido.
Dentro deste contexto, Chuvas de Verão funciona como exemplo de uma malfadada tentativa nesse sentido. Mediante um roteiro que aborda temas variados como: terceira idade, solidão, violência, desigualdade social, homossexualismo e moralidade, Cacá Diegues atira para todos os lados sem acertar nenhum alvo específico, de forma que sua intenção de realizar um retrato comportamental sobre parcela da sociedade, acaba resvalando na pretensão.
Como outrora sugerido, reunir com sucesso muitos plots em torno de um só eixo não é tarefa impossível, desde que reste garantido a cada ramificação o respectivo e devido desenvolvimento, aspecto esse que, no caso do filme de Diegues, se mostra comprometido graças a enfoques rasos e superficiais acompanhados de conclusões ora abruptas ora dispensáveis.
Em razão da presença de tantas histórias e tantos personagens duas hipóteses, por certo, se adequariam com mais eficiência a produção, quais sejam o desmembramento do roteiro para utilização de suas idéias ao longo de três ou quatro curtas-metragens ou o descarte de, pelo menos, duas ou três sub-tramas para assim viabilizar a profundidade requerida pelos dramas encenados; afinal, a mera sugestão, convenhamos, não é o bastante para uma obra que se propõe a tantas discussões. Ao tentar abraçar o mundo com as pernas, Cacá Diegues despe seu projeto de qualquer espontaneidade e o insere no rol daqueles que se afogam nas próprias boas intenções.¹
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¹ Nesta toada, Carandiru (Brasil, Hector Babenco, 2003) é outro exemplo de obra nacional que padece do mesmo vício.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÃO: ۞۞

Ficha Técnica

Direção e Roteiro: Cacá Diegues
Duração: 96 minutos

domingo, 9 de outubro de 2011

A Árvore da Vida/Limite

O Limite da Vida
I – A Árvore da Vida e Limite:
Terrence Mallick – de modo parecido aquele adotado por Stanley Kubrick em 2001 – Uma Odisseia no Espaço (EUA, 1968) – busca, em A Árvore da Vida (EUA, 2011), compreender o homem sob um viés cósmico que o leva a percorrer o surgimento do universo, a era jurássica e seu fim, bem como aquele que será o nosso apocalipse. Tamanho percurso serve como referência e justificativa a angústia alimentada pelo homem em torno de sua finitude, afinal, uma vez ciente de sua fugacidade, o ser humano passa a questionar seu papel no mundo, surgindo daí perguntas de caráter ora metafísico ora filosófico ora religioso.
Neste sentido, os dramas e tragédias às vezes enfrentados por nós seriam obra do acaso ou corresponderiam aquilo que se convencionou chamar de justiça divina? Seríamos, então, joguetes do destino ou do Criador? Considerando que a morte nos aguarda desde o nascimento, qual, então o sentido da vida?
Apesar de muitas serem as dúvidas, Mallick, dentro deste contexto, se preocupa menos em satisfazê-las e mais em proporcionar experimentações sensoriais capazes de levar cada um a tecer suas próprias conclusões, aspecto esse que leva A Árvore da Vida a se assemelhar, dessa vez com profundidade ainda maior, a outra obra, qual seja o insólito¹ Limite (Brasil, 1931) do brasileiro² Mário Peixoto, isso porque:
·      ambos os filmes se valem da percepção de clausura emanada da consciência da morte;
·      seus personagens são figuras errantes cujas trajetórias são caracterizadas ora pelo conformismo ora pela revolta ora pelo medo diante da inevitável limitação humana, razão pela qual alguns tem pressa em encurtar o caminho, eis que, aconteça o que acontecer, não há destino capaz de nos salvar da morte.
II - O Encontro de Terrence Mallick e Mário Peixoto:
Ante o exposto, A Árvore da Vida e Limite se confundem tanto no que diz respeito aos assuntos levantados como também quanto ao método utilizado para tanto. Herméticas, as produções não se prestam ao formato clássico da narrativa – embora no trabalho de Mallick seja mais fácil identificar e acompanhar um núcleo ficcional através do qual as idéias se desenvolvem – preferindo, desta feita, explorar, como já dito, o viés sensorial oriundo da interação do homem com seus pares e, sobretudo, com a natureza. Logo, a meta de Peixoto e Mallick não consiste em necessariamente contar uma história, concentrando-se, assim, na corporificação de uma tragédia universal, objetivo esse alcançado nas duas realizações mediante o uso de outros elementos em comum, senão vejamos³:
·      Fotografia: alterna takes fixos, rígidos com movimentos de câmera ora vertiginosos ora cadenciados.
·      Montagem: afasta a linearidade, em prol de planos completos em si mesmos cujo foco, conforme já dito, não paira sobre a narração, mas sim sobre o desenvolvimento um tema engendrado conforme a progressão das imagens.

III. E o Público?
Por óbvio que as escolhas de Mário Peixoto e Terrence Mallick acabam por não dialogar com a maior parte do público que, perante a complexa estética dos trabalhos, não consegue visualizar seus próprios dramas no conteúdo imagético. Inserido neste contexto, Nelson Pereira dos Santos certa vez abordou o insucesso comercial de suas duas primeiras realizações, Rio, Quarenta Graus³ (Brasil, 1955) e Rio, Zona Norte (Brasil, 1957) – não obstante a aclamação pela crítica –, nos seguintes termos:
“Esses resultados mostram que o público não tem aceitado nossos filmes, e acredito que por nossa culpa: ainda não sabemos fazer o filme que seja entendido por todos, porque não dominamos ainda o cinema como meio de expressão, e porque nos faltam tradição, escola e habilidade artesanal. Todos os filmes que fizemos e que faremos não se destinam a meia dúzia de pessoas, mas à grande maioria de nosso povo. E as rendas insignificantes que produziram mostram que não conseguimos ainda transmitir ao povo, com clareza e eficiência, a linguagem de emoção que o atinge diretamente.
Guardadas as devidas ressalvas quanto as particularidades que levam cada realização cinematográfica a não encontrar o respaldo popular⁵-⁶-⁷, é inconteste que o dilema entre a realização de um material deliberadamente palatável para as massas ou a composição de um trabalho de irrestrita fidelidade e convicção as idéias e ideais do realizador constitui o ponto nevrálgico que assombra a qualidade da atividade cinematográfica e que tanto já serviu para o bem quanto para o mal de determinados movimentos como a Nouvelle Vague e o nosso Cinema Novo, por exemplo.
Por isso, é sempre digno de louvor quando artistas como Peixoto e Mallick demonstram coragem e ousadia, ignorando formatos pré-concebidos e expectativas negativas para, ato contínuo, realizar experiências ímpares que, de maneira inequívoca, contribuem para enriquecer não só a nós espectadores como também ao próprio cinema.
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1.     Expressão utilizada por Saulo Pereira de Mello no livro-análise Limite. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
2.     Mário Peixoto afirmava ter nascido em Bruxelas, Bélgica; todavia, as provas o mostram como originário da Tijuca, Rio de Janeiro.
3.     Neste sentido, Saulo Mello in Limite.
4.     FABRIS, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos. Um Olhar Neo-realista? São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
5.     Rio, Quarenta Graus só teve seus custos cobertos após dois anos de exibição. Tal qual Rio, Zona Norte, a obra se propunha a apresentar um Rio de Janeiro pobre, realidade essa que não despertava a atenção de espectadores vitimados por uma atividade cinematográfica alienante e dominante até então: a chanchada.
6.     A estréia de Limite ocorreu de forma apenas não comercial. Organizada pela Cinédia em parceria com o Chaplin Club, a sessão inaugural, ocorrida em 17.05.1931, acabou em bate-boca entre defensores e detratores. A polêmica fez com que os distribuidores ignorassem a obra. Limite foi o único filme dirigido por Peixoto.
7.     A Árvore da Vida ainda não teve sua vida útil nos cinemas encerrada.
 Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
COTAÇÕES:

A Árvore da Vida - ۞۞۞۞     

Limite - ۞۞۞۞
Ficha Técnica - A Árvore da Vida
Título Original: The Tree of Life
Direção e Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Joanna Going (Jack's Wife)Bryce Boudoin (Robert)Hunter McCracken (Young Jack)Tye Sheridan (Steve)Nicolas Gonda (Mr. Reynolds)Jessica Chastain (Mrs. O'Brien)Will Wallace (Architect)Tamara Jolaine (Mrs. Stone)Jodie Moore (Mr. Walsh)Sean Penn (Jack)Christopher Ryan (Prisoner)Fiona Shaw (Grandmother)Anne Nabors (Rue)Margaret Hoard (Jane)Zach Irsik (Jack's Son)Brayden Whisenhunt (Jo Bates)Danielle Rene (Third Women)Kimberly Whalen (Mrs. Brown )Brad Pitt (Mr. O'Brien)Cole Cockburn (Harry Bates)Jackson Hurst (Uncle Ray) Michael S howers (Mr. Brown)Crystal Mantecon (Elisa)Kelly Koonce (Father Haynes)Savannah Welch (Mrs. Kimball)Jimmy Donaldson (Jimmy)Tommy Hollis (Tommy)
País de Origem: Estados Unidos da América
Estreia no Brasil: 12 de Agosto de 2011
Estreia Mundial: 8 de Julho de 2011
Duração: 138 minutos
Ficha Técnica – Limite
Direção, Produção, Roteiro e Montagem: Mário Peixoto
Direção de fotografia: Edgar Brazil
Elenco: Olga Breno (mulher nº 1), Taciana Rei (mulher nº 2), Carmen Santos (prostituta do cais), Raul Schnoor (homem nº 1), Brutus Pedreira (homem nº 2), Mário Peixoto (homem do cemitério) e Edgar Brazil (espectador adormecido)
Estreia: 17.05.1931
Duração: 120 min. à cadência de 16 quadros por segundo.