quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A Última Gargalhada

A Destruição de um Homem

                          Retirar de um homem os elementos que lhe dão orgulho de ser quem é equivale a priva-lo de qualquer brio ou honra para, assim, reduzi-lo a nada. Tal infelicidade é experimentada pelo porteiro de hotel magnificamente interpretado por Emil Jannings em A Última Gargalhada (Alemanha, 1924), clássico absoluto do diretor alemão F. W. Murnau.
                         Neste sentido, a profissão exercida pelo personagem se confunde com sua própria felicidade, afinal, é a partir dela e de sua indumentária que aquele homem obtém o prestígio e o respeito de seus pares. A partir do momento em que sua avançada idade o leva a ser remanejado para a função de servente de banheiro o velho porteiro é obrigado a se despir de seu quepe, seu casaco e, por conseguinte, de sua vaidade. Por isso, o ar imponente e efusivo de outrora cede espaço para uma postura curvada e um semblante derrotado.
                        Tentando a qualquer custo manter a aparência de antes perante os vizinhos, o homem furta o uniforme, agora utilizado por alguém mais jovem, para com aquele se trajar nos momentos de retorno do trabalho. Mas, eis que sua desgraça se completa quando inevitavelmente a verdade é descoberta, ocasião em que imediatamente o suposto porteiro passa a ser motivo de chacota.
                        Triste e verdadeiro A Última Gargalhada revela um tocante trabalho de Murnau que aqui – apesar da costumeira classificação da obra como expressionista – evoca os primeiros traços do que viria a se tornar o cinema surrealista por meio de curiosas e bem construídas seqüências de sonhos cujos méritos consistiam em demonstrar a fuga da realidade buscada pelo protagonista.
                        Murnau, na verdade, não se preocupa em limitar sua narrativa em torno dos elementos da estética expressionista, preferindo, por outro lado, concentrar-se na correta construção dramática de uma história capaz de dispensar por completo os intertítulos característicos do cinema mudo, feito esse que é brilhantemente obtido e talvez só repetido por Kaneto Shindo em seu A Ilha Nua – trabalho esse realizado quando a sonorização já era uma realidade de longa data.
                       Por fim, ainda que o epílogo feliz – imposto pela produção dos estúdios UFA – destoe do conjunto da obra, Murnau acaba de maneira inteligente tirando proveito do mesmo, seja através da sincera justificativa previamente apresentada, seja pelo tom poético concedido a história de um personagem que por mais humilhado que tenha sido em seu passado, não hesita em compartilhar sua atual riqueza entre aqueles que hoje o rodeiam, mas que antes ou estavam ao seu lado ou lhe davam as costas.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO: ۞۞۞۞۞

Ficha Técnica

Título Original: Der Letzte Mann
Direção: F. W. Murnau
Roteiro: Carl Mayer
Produção: Erich Pommer
Elenco Emil Jannings, Maly Delschaft, Max Hiller, Emilie Kurz, Carl Schenstrøm, Harald Madsen,  Neumann-Schüler
Roteiro: Carl Mayer
Música: Giuseppe Becce
Fotografia: Robert Baberske e Karl Freund
Direção de Arte: Robert Herlth e Walter Röhrig
Duração: 101 minutos

domingo, 9 de janeiro de 2011

Harold & Maude/Fight Club

Outsiders

Somente após ser equivocadamente indicado como morto, Harold logrou êxito em testemunhar uma reação emotiva de sua mãe a seu respeito. A partir de então, o rapaz sente que vive apenas quando, contraditoriamente, flerta com a morte, o que faz mediante, cômicas, simulações suicidas voltadas a angariar novos segundos de atenção por parte daquela mulher.
Autêntico outsider Harold interrompe a apatia de seu cotidiano freqüentando velórios de desconhecidos até que numa destas ocasiões Maude, outra freqüentadora assídua de funerais, invade de cores o desbotado mundo daquele rapaz.
Neste passo, enquanto Harold anseia por apenas ser igual aos demais, Maude ensina-lhe que justamente nas peculiaridades de cada um residem a beleza e a importância da diversidade. Imbuída de imensa paixão pela vida, a senhora estimula no garoto a ânsia pelo novo, bem como o desejo de externar aquilo que, porventura, colide com os padrões já preestabelecidos.
Verdadeira pérola da contracultura setentista, Ensina-me a Viver (EUA, 1971), tal como Maude, representa um pulsante afastamento das convenções. Espécie de versão, no mínimo, cinco vezes mais ousada de A Primeira Noite de Um Homem (The Graduate, 1967), o filme conseguiu soar repugnante - graças a sugestão de um relacionamento amoroso entre um casal com diferença de idade de pelo menos sessenta anos – mesmo numa época em que todos os argumentos e ideias eram celebrados, o que contribuiu sobremaneira para o fracasso de público e crítica da obra quando de seu lançamento.¹
Todavia, o tempo tratou de fazer jus as incontestes qualidades desta dramédia hoje tratada como clássico cult. Dentro deste contexto, merecem imediatos elogios a forma como a produção fora dirigida, afinal, em razão de um timing preciso no que tange a mescla de sentimentos, Hal Ashby – que por vários anos trabalhou na edição de filmes² - realizou um feliz e delicado manejo de elementos díspares como melancolia, esperança, ironia e crítica social.
Porém, de nada adiantariam tantas virtudes caso inexistisse a química necessária entre a dupla de atores principais, preocupação essa que é rapidamente dissipada pela ótima interação de Bud Cort para com a soberba Ruth Gordon. Por conta de suas interpretações, nada parece inverossímil em meio a tantas excentricidades de seus personagens. Na verdade, o comportamento de ambos torna-se até inspirador, o que, por certo, representa a glória para qualquer manifestação artística oriunda de um tempo em que a insatisfação, a quebra de rótulos eram disseminadas a exaustão.
Harold e Maude são figuras, portanto, que não se encaixam na visão de mundo imposta pela sociedade, preferindo, assim, enxergar a vida com seus próprios métodos, para, a partir daí, preencher qualquer vazio nela existente, o que, de certa forma, traz a recordação de Tyler Durden e o narrador, personagens respectivamente defendidos por Brad Pitt e Edward Norton em Clube da Luta (EUA, 1999).
No lugar de velórios, a figura anônima vivida por Norton transita por toda e qualquer espécie de grupo de ajuda, o que talvez seja feito como forma de prazerosa percepção acerca da existência de pessoas com uma vida mais desgraçada que a sua, ou talvez como meio de auto-indulgência voltado a torná-lo alguém melhor ou talvez como mero passatempo contra as noites de insônia.
Se para Harold as respostas para seus questionamentos começaram a surgir após o encontro de Maude, para o narrador o mesmo ocorre quando da convivência com Tyler Durden. É claro que os rumos tomados por cada longa-metragem são diferentes, pois enquanto Ensina-me a Viver aposta num viés otimista, ainda que assombrado pela morte, Clube da Luta parte para um caminho subversivo e pessimista no qual a violência se revela como estímulo de vida e solução para os problemas.
Por óbvio, ambos são caminhos de válida discussão, seja pela tom da sutileza – como no caso da primeira obra analisada -, seja pela epopéia anárquica que caracteriza Fight Club. O meio, em ambos os casos, não suplanta o que mais importa aos seus protagonistas: a urgência em rebelar-se às convenções para, ato contínuo, assumir sem amarras suas próprias personalidades e identidades, tarefa essa cumprida com louvor nas duas produções.
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1.    Ensina-me a Viver estreou em dezembro de 1971, a tempo de ser considerado para o Oscar, embora, no fim das contas, não tenha recebido lá muita consideração. As críticas foram arrasadoras. Na primeira delas, A. D. Murphy escreveu na Variety que o filme era ’tão divertido quanto o incêndio de um orfanato’. Sem hesitar, a Paramount abandonou o filme. Embora Ensina-me a Viver tenha acabado por se tornar um clássico cult, a carreira nas telas se encerrou em uma semana” (Fonte: BISKIND, Peter. Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. p 181.
2.    Recebendo, inclusive, um Oscar por seu trabalho em No Calor da Noite (In the Heat of the Night, 1967).

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)
 
COTAÇÕES:
Ensina-me a Viver - ☼☼☼☼          
Clube da Luta - ☼☼☼☼☼

Ficha Técnica - Ensina-me a Viver
Título Original: Harold and Maude
Direção:Hal Ashby
Roteiro: Colin Higgins
Produção: Colin Higgins, Mildred Lewis, Charles Mulvehill
Elenco: Charles Tyner (Brig. Gen. Victor Ball) Judy Engles (Candy Gulf, garota do primeiro encontro)Ellen Geer (Sunshine Doré, garota do terceiro encontro)Ruth Gordon (Maude)Margot  Jones (Student Nurse) Susan Madigan (Girlfriend) Vivian Pickles (Mrs. Chasen) Cyril Cusack (Glaucus) Bud Cort (Harold Parker Chasen)Eric Christmas (Padre)Tom Skerritt (M. Borman) Henry Dieckoff (Butler)Ray K. Goman (Ray Goman)Barry Higgins (Intern) Philip Schultz (Doctor)Shari Summers (Edith Phern, garota do segundo encontro)
Estreia: 20 de Dezembro de 1971
Duração: 91 minutos
Grandes falas de Maude: “Não seja tão profissional. Você deixa de ser você mesmo quando está sendo profissional demais. Essa é a maldição de quem tem um emprego no governo”; “Vício, virtude. É melhor não ser tão rigoroso assim. Você sabota a si mesmo pela sua vida afora. Veja isso por cima da moralidade. Se você aplicar isso para a vida, então você estará se privando de viver isso completamente”.
Curiosidade: Autor da primorosa trilha sonora de Ensina-me a Viver, Cat Stevens faz uma ponta no filme como uma das pessoas que estão de frente para Maude em um funeral.

Ficha Técnica - Clube da Luta
Título Original: Fight Club
Direção: David Fincher
Elenco: Thom Gossom Jr. (Detetive Stern) David Lee Smith (Walter)Van Quattro (Detetive Andrew)David Rockit Hynes (Bruised Fighter) Leonard Termo (Desk Sergeant) David Andrews (Thomas)Lou Beatty Jr. (Cop at Marla's Building)Eion Bailey (Ricky) Michaël Girardin (Detetive Walker)Pat McNamara (Policial Jacobs)Hugh Peddy (Fight Club Man)Meat Loaf (Robert 'Bob' Paulson)Chad Randau (Waiter)Markus Redmond (Detetive Kevin)Owen Masterson (Airport Valet)Matt Winston (Seminarista)Holt McCallany (Mecânico) Ezra Buzzington (Inspetor Dent)Joon B. Kim (Raymond K. Hessel)Jim Jenkins (Restaurant Maitre'd)Zach Grenier (Richard Chesler)Eddie Hargitay (Chanting Fighter)Valerie Bickford (Susan) Jared Leto (Angel Face) Edward Norton (Narrador)Tim De Zarn (Inspetor Bird)Paul Dillon (Irvin)Brian Tochi (Fight Bully) Sydney 'Big Dawg' Colston (Speaker)Brad Pitt (Tyler Durden) Gregory Silva (Riley Wilde) Peter Iacangelo (Lou) Paul Carafotes (Salvator)Louis Ortiz (Fight Patron)J.T. PontinoMarcio Rosario (Fighter) Joel Bissonnette (Food Court Maitre D')Christina Cabot (Group Leader)Helena Bonham Carter (Marla Singer) Stuart Blumberg (Car Salesman)Michael Arturo (BMW Salesman)Baron Jay (Waiter)Christopher John Fields (Proprietor of Dry Cleaners)Charlie Dell (Doorman)Rachel Singer (Chloe)Richmond Arquette (Intern)Evan Mirand (Steph)
Estreia: 15 de Outubro de 1999
Duração: 139 minutos