quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A Cabeça de Mamãe

Velocidade de Cruzeiro

Apatia, antipatia e simpatia são palavras estritamente relacionadas ao filme A Cabeça de Mamãe (França, 2007), afinal, as naturezas respectivamente apática e antipática de mãe e filha – protagonistas da obra – acabam por impedir arroubos de cumplicidade e simpatia do público para com as personagens.
Ok, esta é uma produção feita por e para mulheres, razão pela qual o clube da Luluzinha tende a apreciar com facilidade maior a história da conturbada relação entre a adolescente com um pé na rebeldia e a mãe cujos olhos só enxergam o passado. Contudo, é inegável que algo paira ao longo de todo o longa, qual seja a sensação de que muito pouco faltara para que seu apelo fosse mais universal e seu resultado final mais satisfatório.
Não que este seja um produto irregular, vale frisar, pois, na verdade, o que se percebe é uma velocidade de cruzeiro que tanto evita tropeços de qualidade quanto impede qualquer decolagem.
Neste contexto, A Cabeça de Mamãe carece de autenticidade, dada a nítida intenção da diretora Carine Tardieu em emular Jean-Pierre Jeunet e seu Fabuloso Destino de Amélie Poulain, tarefa essa um tanto quanto complexa, eis que além de não gozar do lirismo e poesia característicos de Jeunet a cineasta acaba agregando ao seu trabalho semelhanças não tão bem vindas com a obra supracitada, bem como com os romances produzidos aos quilos em Hollywood.
Da forma como ficou, A Cabeça de Mamãe rende um mero passatempo, o que é uma pena já que a produção dispunha de plenas condições para ir muito além do escapismo.

Dario Façanha (texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO
: ☼☼☼

Ficha Técnica

Título Original: La Tête de Maman
Direção: Carine Tardieu
Duração: 95 minutos

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Segundo Rosto

Opções e Escolhas

Ansioso por se libertar da mesmice de seu cotidiano, homem de meia idade se submete a processo de transformação que inclui o forjamento de sua morte, a reconstrução de seu corpo e face, além de um inevitável abandono da família e da vida pregressa.
Desta feita, no intuito de criar uma nova realidade para os dias vindouros do protagonista, o portfólio de uma vida artística lhe é apresentado junto com os elementos caricatos que lhe são comuns, leia-se boemia e sexo - destacando-se, no que tange este último, a grandiosa sequência da festa de adoração a Baco, ocasião em que doses generosas de nudez são oferecidas ao público.
Se por um lado O Segundo Rosto (EUA, 1966) traz em seu bojo um ideal libertário coerente à década de sua criação, por outro deixa claro, mesmo soando banal para muitos, que absolutamente nada é desprovido de um preço a ser pago.
No caso de Arthur Hamilton – interpretado primeiramente por John Randolph e em seguida por Rock Hudson – sua dívida é cobrada da forma que lhe é mais ingrata: através da abstração de sua faculdade de escolha, de decisão sobre seus atos e vida futura; afinal, fora justamente o poder das convenções que lhe retirara no passado a oportunidade de trabalhar por seus sonhos, moldando, assim, toda sua frustração e reclusão.
Neste sentido, ao contrário do personagem principal do longa-metragem, o diretor e produtor John Frankenheimer exercita com extrema maturidade suas opções quanto a elaboração do filme e escalação de seu elenco e equipe técnica, senão vejamos:
· Frankenheimer exala sobriedade ao não perder tempo com maneirismos, preferindo, de forma paulatina, lançar para o espectador pistas, às vezes falsas, sobre a história contada, o que comprova, portanto, seu domínio sobre a narrativa.
· As contratações de Jerry Goldsmith – para a composição da trilha sonora – e de James Wong Howe – para a realização do trabalho de fotografia – se mostraram cruciais ao bom desempenho da obra, isso porque o cineasta permitiu sem qualquer vaidade que o trabalho de seus colegas também brilhasse, resultando, por conseguinte, numa musicalidade de tons fúnebres aliada a um clima claustrofóbico proporcionado por uma magistral fotografia em preto e branco que não hesita em emular ares surrealistas ao se valer de imagens desfocadas e ângulos tortos.
· Não fosse o bastante, os créditos iniciais são assinados por Saul Bass (tradicional parceiro de Hitchcock), o que, além de anunciar a qualidade visual do que está por vir, corrobora o atestado de durabilidade e qualidade da produção no que atine os efeitos do tempo.
· Indo mais além, o casting de O Segundo Rosto revela de igual modo um curioso exercício de escolhas por parte de seu diretor e produtor, isso porque é formado por um time de atores, antes incluídos na lista negra do mccarthismo, interpretando os funcionários da “companhia” responsável pelo renascimento do protagonista defendido por Rock Hudson, cuja escalação não é nada menos que emblemática e produtiva, visto que o ator também fora obrigado ao longo de sua carreira a lançar mão de um segundo rosto em virtude de uma homossexualidade inconcebível para os padrões hollywoodianos vigentes até então.
Pelas razões expostas, resta inconteste o atributo cult recebido por O Segundo Rosto com o passar das décadas, o que, de forma justa, serviu como reconhecimento de qualidades ignoradas e/ou esnobadas pela crítica quando da estréia do filme.

Dario Façanha
(texto originalmente publicado em http://www.setimacritica.blogspot.com)

COTAÇÃO -
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Ficha Técnica
Título Original: Seconds
Produção: John Frankenheimer, Edward Lewis
Roteiro: Lewis John Carlino- baseado em livro de David Ely
Fotografia: James Wong Howe
Música: Jerry Goldsmith
Duração: 107 minutos
Estreia: 05 de Outubro de 1966

sábado, 18 de setembro de 2010

Era Uma Vez na América




Era Uma Vez na América foi o último filme de Sergio Leone. Ironicamente, o diretor que ficou famoso pelos westerns spaghetti, com locações amplas e espaços abertos no deserto, teve como cenário de sua última produção a Nova York na época da Lei Seca. Com quase quatro horas de filme, o roteiro explora a trajetória de vida de dois parceiros de crime: o calado Noodles (Robert De Niro) e o explosivo Max (James Woods). O filme mostra os dois personagens nos vários momentos da vida, de 1921 até 1968. Com temperamentos tão díspares fica claro que os dois terão uma série de desentendimentos ao longo da vida, mas o que importa em Era Uma Vez na América é a construção dessa realidade.

Mesmo fora dos grandes desertos dos westerns, Sergio Leone continua mantendo as principais características de seus filmes: o valor da imagem sobre o poder dos diálogos (não que estes não sejam importantes, mas o diretor consegue transmitir todos os pensamentos dos personagens nos enquadramentos),a grande quantidade de planos-detalhe (close em um objeto isolado) e closes no rosto e olhos dos atores.

Apesar de ter todos os elementos dos filmes de gangster (família, drogas, poder, sexo, relacionamentos fadados ao fracasso etc), Era Uma Vez na América não é, nem de longe um clichê: ele retrata toda a podridão e o desespero de uma sociedade falida e sem escrúpulos. Na verdade, os personagens de Era Uma Vez na América podem ser considerados retratos de tipos da época da Grande Depressão Americana.

E os tipos que Robert De Niro e James Woods retratam estão muito bem representados. De Niro foge do estereótipo de "esquentado" e explosivo que o consagrou em parcerias com Martin Scorsese, em filmes como: Caminhos Perigosos e Touro Indomável. Seu personagem controlado e até racional é tão bom quanto sua versão impaciente.

Era Uma Vez na América é um ótimo filme, de um excelente diretor. Sergio Leone conseguiu encerrar sua grande carreira em alto nível, mostrando todas as suas características e extraindo dos atores excelentes atuações.

Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America)
Itália/Estados Unidos - 1984
Direção: Sergio Leone
Produção: Arnon Milchan
Roteiro: Leonardo Benvenuti, Piero De Bernardi, Enrico Medioli, Franco Arcali, Franco Ferrini, Sergio Leone, Ernesto Gastaldi, baseado no livro The Hoods, de Harry Grey
Fotografia: Tonino Delli Colli
Música: Ennio Morricone
Elenco: Robert De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Treat Williams, Tuesday Weld, Joe Pesci, Burt Young, Danny Aiello, William Forsythe, James Hayden, Darlanne Fluegel, Larry Rapp, Dutch Miller, Robert Harper, Richard Bright.